Prof. Roney Signorini
Assessor e Consultor Educacional
roney.signorini@superig.com.br
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(...) foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!. Lá sou amigo do rei”. (Manuel Bandeira)[1]
Manuel Bandeira foi um dos gênios da literatura brasileira e nesse poema bem expressou o que milhares de brasileiros desejam, no íntimo, como realização de vida: o sossego, a paz e a tranquilidade, contrariada pelo turbilhão diário de muitos inconvenientes, dissabores, desalentos e sobretudo desencantos da cidade grande.
O poema refere-se a um vindouro distante, repleto de coisas novas, uma espécie de modernidade e de eldorado terreal, um sonho, um desejo como fuga da sua realidade melancólica e da solidão.
Afinal, saindo em direção a Pasárgada deixa-se para trás “o Quinto dos Infernos”, que é onde tudo de ruim acontece: analfabetismo, violência geral, inflação galopante, juros escorchantes, megacorrupção, creche sem vagas, trânsito caótico, ônibus lotados, multas de trânsito a dar com pau, guerra entre torcidas, pancadões na esquina. E dá-lhe infortúnios como greves em setores essenciais, água racionada, preço da energia elétrica lá em cima, árvores caindo em todo lugar, enchente e políticos tripudiando a consciência nacional.
Afora os travos que atravessam o paladar como: se chove, o metrô para ou vai mais devagar (único no mundo!); filas quilométricas para tudo, sempre; poluição fatal; alimentos contaminados e datas de vencimento expiradas nos supermercados e da programação de TV pouco se salva, um lixo (ainda não reciclável).
Aí, a Ministra Ada Pellegrini Grinover sai-se com esta: "Com crise de poderes, Judiciário tomou conta de tudo", afirmando que, enquanto o Brasil não adotar um regime de governo com menos concentração de poder, problemas políticos e econômicos continuarão paralisando o país.
Mas, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman[2], as instituições políticas perderam representatividade porque sofrem com um‘déficit perpétuo de poder. Ele denuncia a perda de referências políticas, culturais e morais da civilização, que desemboca num sentimento de incerteza quanto ao futuro que costuma perpassar de maneira difusa os diferentes estratos sociais.
Há dois fatores que, pelo menos no Brasil, explicam esse desalento. O primeiro é a destruição da confiança, que, entre nós, já atinge quase a totalidade da opinião pública informada. Ninguém mais acredita que partidos e candidatos tenham outro objetivo que não seja o enriquecimento rápido e ilícito. O segundo fator é o preço crescente, em termos econômicos, dos conchavos entre partidos. O custo da multiplicação de ministérios inúteis, de cargos supérfluos, da perda de eficiência, da irracionalidade na aplicação de recursos, da incompetência na escolha e gestão de projetos e do custo das reformas, que não se fazem porque mexem com os interesses dos partidos, beira valores astronômicos. E o sentimento é de decadência.
Comumente, associa-se o conceito de decadência às imagens – e também às realidades – de declínio econômico, de disfuncionalidade política, de regressão social, de queda relativa nos padrões de vida, de desordem institucional, de involução moral, quando não ao caos gerador de conflitos exacerbados. Estes, sim, possíveis gatilhos do colapso de toda uma sociedade, que, felizmente, ainda não soçobrou na anomia e na desorganização, a que são normalmente associadas essas noções de decadência ou de declínio.
O diplomata Paulo Roberto de Almeida[3], ao criar o Pequeno Manual Prático da Decadência, estabeleceu dez tópicos para subsidiar diagnósticos de sinais precursores de uma decadência anunciada (não necessariamente percebida). Segundo ele, pode-se saber que um país, ou uma sociedade, está em decadência quando:
- o sentimento de mal-estar se torna generalizado na sociedade, ainda que possa ser difuso;
- os avanços econômicos são lentos, ou menores, em relação a outros povos e sociedades;
- os progressos sociais são igualmente lentos ou repartidos de maneira desigual;
- a lei passa a não ser mais respeitada pelos cidadãos ou pelos próprios agentes públicos;
- as elites se tornam autocentradas, focadas exclusivamente no benefício próprio;
- a corrupção é disseminada nos diversos canais de intermediação dos intercâmbios sociais;
- há uma desafeição pelas causas nacionais, com ascensão de corporativismos e particularismos;
- a cultura da integração na corrente nacional é substituída por reivindicações exclusivistas;
- a geração corrente não se preocupa com a seguinte, nos planos fiscal, ambiental ou outros;
- ocorre a degradação moral ou ética nos costumes, a despeito mesmo de “avanços” materiais.
[1] Pasárgada, uma cidade da antiga Pérsia, é atualmente um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado 87 km a nordeste de Persépolis. Foi a primeira capital da Pérsia Aqueménida, no tempo de Ciro II da Pérsia, e coexistiu com as demais, dado que era costume persa manter várias capitais em simultâneo, em função da vastidão do seu império. [2] É professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Desde que colocou, em 1999, sua ideia da “modernidade líquida” – uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso” –, Bauman tornou-se uma figura de referência da sociologia. [3] Diplomata, mestre em planejamento econômico pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia e doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. Trabalhou como assessor especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.




