Juliana Spinelli Ferrari Sinzato*
Fundadora do projeto Teachers of The World
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Quando contamos que viajamos o mundo ouvindo professores, muitas pessoas nos perguntam os porquês da empreitada. Mas, a grande maioria das perguntas exclui os professores do centro do projeto. “Por que os professores?” ainda não foi uma pergunta que ouvimos, mesmo que insistamos em falar sobre isso.
As razões que nos levaram a escolher os professores como objeto de estudo são diversas. Há muito tenho observado a existência de vazios que compõem o mal estar cotidiano, brincando com a ideia de que “falta amor” (como dizem as músicas, camisetas e recados nos muros), “falta interpretação de texto” (como propõe o jornalista Leonardo Sakamoto), mas falta também identidade, consciência de classe, conhecimento sobre o lugar que ocupamos no espaço-tempo da sociedade da qual somos parte.
Essa minha observação é referenciada, principalmente, nas correntes filosóficas que propõem que o projeto da modernidade não se cumpriu, ou seja, que o caminho da história humana, que seria das trevas para a luz, da barbárie para a humanização, do mito para a ciência, se corrompeu no momento em que a razão se transformou em instrumento de dominação, de administração da vida, processo que fica evidente na transformação da nossa existência em estatística, o que aconteceu, por exemplo, nos campos de concentração do nazismo, nas guerras e, porque não dizer, no nosso dia a dia.
Pensar a formação de professores é como atravessar uma grande avenida, é necessário olhar para todos os lados: passado, presente e futuro.
Como disse, entendo o processo histórico da educação a partir da ideia de que a formação é um arquivo corrompido. Olhar para o presente e o futuro exige que sejamos capazes de acessar esse conteúdo, ressignificá-lo e transformar a forma de utilizá-lo. E, para fazer isso, precisamos entender exatamente qual é o lugar ocupado pelo professor na história da educação, mais que isso, é preciso que os professores entendam esse lugar. A cada ano novas teorias que prometem transformar a educação aparecem e são tidas como a solução de todos os problemas. Mas, é preciso questionar: quantas dessas soluções envolvem o conhecimento de sala de aula?
Há um paradoxo em propor soluções educacionais que não levem em conta esse conhecimento. Como proposto por Nóvoa, existe uma contradição entre tudo que é esperado dos professores e o estatuto profissional dos docentes, como se “por um lado achássemos que tudo se resolve dentro das escolas e, por outro, achássemos que quem está nas escolas são os profissionais razoavelmente medíocres, que não precisam de grande formação, grandes condições salariais, que qualquer coisa serve para ser professor.” Foi olhando para esse presente e entendendo-o como resultado de um processo histórico que atacou diretamente a educação formal que me dediquei a pensar um futuro diferente, onde os professores se tornem protagonistas de suas práticas, atualizando diariamente o acervo de estudos sobre educação com os materiais que colhem em cada aula.
Nesse futuro, os professores tem voz de decisão sobre cada passo, cada nova estratégia incluída ao sistema de ensino. São pesquisadores da educação que fazem da sala de aula seu laboratório, comprometidos com a formação de uma sociedade mais esclarecida.
Como fazer isso? Não se pode exigir que os professores consigam combater sozinhos um sistema cultural altamente alienante, sob a égide do qual eles também foram educados. É necessário então um movimento em duas vias: de um lado, ouvir o professor e fazê-lo falar de sua prática e localizar a atuação profissional dentro de sua história de vida. De outro, compartilhar esses processos e caminhos para que outros professores possam se reconhecer nessas palavras e tentar trilhar os rumos que os fizeram chegar onde estão e o reconhecimento desse “endereço” que ocupam.
Uma formação de professores que pretenda um futuro diferente passa por essas etapas: silêncio, escuta e compartilhamento. São muitas teorias e estratégias lançadas sobre a escola. Por isso, o mais importante é que a formação de professores precisa circular dentro das salas de aula para emergir dessas demandas e não tentar realizar (forçosamente) o caminho contrário. Ouvir os professores é, antes de tudo, fazer com que eles falem e, falando, elaborem um cotidiano há muito mecanizado e instrumentalizado, com fins que nem sempre condizem com as ideias de educação que os levaram a se tornarem professores. Compartilhar essas falas é abrir caminhos para a identificação, para uma consciência da classe profissional que ocupam, a partir das semelhanças e diferenças que conseguem estabelecer com cada relato que leem ou escutam. Ampliar essa rede de relatos em escala internacional foi a forma que encontramos de mostrar que diante de um mundo tão vasto, de culturas tão diversas e processos históricos tão distintos, há algo que se mantém e que precisa ser compreendido em profundidade: a profissão de ensinar.
* será palestrante no GEduc 15 anos durante o XV Congresso Brasileiro de Gestão Educacional – www.geduc15anos.com.br.




