A humanidade não se divide em heróis e tiranos. As suas paixões, boas ou más, foram lhe dadas pela sociedade, não pela natureza. (Charles Chaplin)O futuro tecnológico bate à nossa porta e, sem esperar resposta, invade nossa casa, nossas relações comerciais, bancárias, profissionais e afetivas, enfim, nossa vida. Para quem é um imigrante digital, como eu, esse fascinante mundo novo pode assustar, pois nos obriga a sair da nossa zona de conforto e tentar nos engajar na grande quantidade de inovações que estão por toda a parte: smartphones, aplicativos, compra de bilhetes, likes, curtidas e “cutucadas”. Estudo da eMarketer, instituto especializado em pesquisas de mercado, estima que, em 2017, um terço da população mundial, ou 2,46 bilhões de pessoas, comunicam-se em programas de redes sociais (Facebook, Twitter, etc.) pelo menos uma vez por mês. De acordo com os dados do censo anual de redes sociais, esse número representa 71% de toda a população da internet global e equivale a um crescimento de 8,2% sobre o total de usuários de redes sociais do estudo de 2016. Para 2021, a estimativa do eMarketer é ter 3,02 bilhões de pessoas em redes sociais globalmente. Mas, nas redes, o que tem de bom, tem de mal. Pode-se ao mesmo tempo servir ao céu e ao inferno. O caso de Willian Waack, da Rede Globo, que repercutiu recentemente, mostra isso. Como todos devem ter visto, um dos jornalistas mais cultos e brilhantes do país foi execrado pela internet de maneira exacerbada por milhares de internautas. O âncora do Jornal da Globo foi filmado dizendo uma frase infeliz de conotação racial, completamente imprópria, sem dúvida. Porém, houve um linchamento virtual de uma multidão completamente insana extravasando suas neuras e decepções em cima de um cidadão que deu “uma bola fora”. E quem não dá? Leandro Karnal aponta as consequências da dualidade virtual. A primeira, positiva e inegável, é que a informação está acessível a todas as pessoas. Ela deixou de estar encastelada, sob o domínio de poucos eleitos mestres e doutores. A segunda, negativa e inegável, é que está disponível a todas as pessoas. E é aí que mora o perigo. Essa facilidade em comunicar que as redes virtuais oferecem passou a modificar a sociedade como um todo. Essa relação intensa – e quase dependente – pode trazer diversos benefícios para a vida de qualquer pessoa, mas também alguns malefícios que podem ser constrangedores. Apesar de todo o progresso tecnológico, o ser humano, desde os primórdios, tende a falar mal dos seus semelhantes para alcançar os mais variados objetivos, desde uma aliança política ao desejo de estabelecer vínculos sociais de defesa ou ataque. As fake news, por exemplo, podem mudar a configuração geopolítica do mundo. O cyberbullying, que usa instrumentos da web, tais como redes sociais e comunicadores instantâneos, para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais, têm o intuito de gerar constrangimentos psicossociais à vítima. E quando esta é criança ou adolescente, os danos são mais indeléveis e cruéis. Estudos demonstram que as redes sociais podem aplacar um pouco da solidão social – sentimento de vazio e inquietação causado pela falta de relacionamentos profundos –, mas aumentam significativamente a solidão emocional – sentimento de tédio e marginalidade causado pela falta de amizades ou de um sentimento de pertencer a uma comunidade. É como sentir-se solitário em meio a uma multidão (e atualmente, a multidão é cada vez mais virtual...). Assim, as amizades são cada vez mais numerosas (quem nunca ouviu alguém vangloriar-se de ter mais de 700 amigos no Facebook?), porém, totalmente superficiais. E a quantidade de laços fortes, cada vez menor. Muita gente usa as redes sociais não para unir, não para ampliar seus horizontes culturais ou profissionais, mas para fazer fofoca. Para se fechar em suas zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco das próprias vozes, onde a única imagem que veem são os reflexos das próprias caras.
“As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha”, alertava o recém-falecido sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman.A internet, e consequentemente as redes sociais, parte quase indissociável da vida dos jovens, traz riscos com os quais, muitas vezes, eles não estão preparados para lidar. A última pesquisa do TIC Kids Online Brasil revelou que 79% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos estão ativas na internet – número que representa 23,7 milhões de jovens, dos quais 85% acessam por dispositivos móveis, com os quais têm mais privacidade ao navegar online, sem necessariamente ter a mediação dos responsáveis, o que aumenta exponencialmente os perigos. Em junho deste ano, o Google lançou nos EUA o projeto Be Internet Awesome: Helping kids make smart decisions online, uma plataforma informativa para pais e professores com princípios para uma internet segura. Para as crianças há um jogo interativo chamado Interland, em que elas devem combater hackers, phishers (golpistas online), oversharers (aqueles que compartilham informações em excesso na rede) e valentões, praticando as habilidades que precisam para serem bons cidadãos digitais. O objetivo é fazer com que os jovens tomem decisões inteligentes por conta própria. A tecnologia que capacitou a internet e viabilizou as redes de relacionamento foi desenvolvida pela inteligência criativa do homem. Mas, para construir a sociedade ideal, há muito a ser feito. O mundo não é perfeito, as comunidades são heterogêneas e as pessoas, individualistas. Cada um pensa sempre primeiro no que lhe é mais vantajoso. Nesse contexto a família é importante, o credo também e uma administração da sociedade mais ainda. Mas a educação tem papel fundamental, porque é na escola que se reforça a consciência dos valores morais, éticos, de justiça, de paz, de solidariedade e de compaixão, capazes de construir uma sociedade menos desigual e mais feliz. E porque não utilizar as redes sociais como ferramenta nessa construção de um mundo melhor?