Antônio de Oliveira
Professor universitário e consultor de legislação do ensino superior da ABMES (1996 a 2001)
antonioliveira2011@live.com
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Era uma vez... um burro, uma criança, um velho. Um sofrido burro palmilha sofrido caminho, estrada afora: estrada do burro, da criança, do velho pai.
CENA I - A criança monta o burro
Um velho, canhestro, puxa o burro pelo cabresto.
Em certa altura.... transeuntes afoitos brandindo a foice e sussurrando:
– Absurdo! O velho a puxar o burro, a montar-se no burro o garoto, todo maroto.
Já não se respeitam os velhos como antigamente!...
CENA II - O velho montado no burro
O garoto, deposto, puxa o burro. Logo adiante, uma pouca de gente,
olhar displicente, fala (im)prudente:
– Imagine só! O garoto a puxar o burro. A montar-se no burro o dono do burro que ainda aparenta ser forte pra burro! Já não se consideram as crianças como antigamente!...
CENA III - Um no arreio, outro na garupa
Afinal, burro é burro. Carga sobre carga, se o arreio não arreia e o asno não titubeia – que diferença faz? Um no arreio, outro na garupa, lá se vai a dupla.
E o magote de gente exclama:
– Pobre burro! Além da carga, a sobrecarga.
Já não se poupam os animais como antigamente!...
CENA IV - A pé, um quadrúpede e dois bípedes
Burro, criança e velho. E, por ordem: primeiro, o velho; a criança segue atrás, emburrada; depois, alinha-se o burro. Todos a pé, dois bípedes, sobre os próprios pés; um quadrúpede, sobre as próprias patas. E a turba recrudesce:
– Tal pai, tal filho... Ambos: burros pra burro! Só faltava essa...
CENA V - Pai e filho arrastam o burro
Pai e filho, bem-intencionados, porém cansados, abatidos e exaustos, tentam carregar, ou pelo menos, empurrar ou arrastar o burro... E aí, paisagem insólita, no empurro, definitivamente não se sabe quem é o burro... ou o mais burro!
EPÍLOGO
Moral da estória, que não é estória, é história, de memória, de otários, de plateia e protagonistas, artistas e espectadores, políticos e votantes de cabresto, marqueteiros e incautos, invasores de privacidade e consumistas voluptuosos. A vida é um beco sem saída: de tanto ouvir os burros ora se abanca o burro ora se banca o burro ora se dá com os burros n’água...




