“Um homem desejoso de trabalhar e que não consegue encontrar trabalho, talvez seja o espetáculo mais triste que a desigualdade ostenta ao cimo da terra.” (Thomas Carlyle)Professor universitário, meio desacorçoado com a situação em que está vivendo, desabafa num e-mail, contando um filme[1] baseado em fato real do menino que vivia dentro de uma bolha de plástico, por ter uma síndrome imunológica grave. Escreve meio apavorado: “O filme tem mais de 44 anos e não me sai da cabeça: tanto como professor quanto cidadão tenho a sensação de que cada um de nós terá que viver envolto em uma bolha ou vestido com um traje de astronauta, pois o mundo está cada vez mais exposto a vírus mutantes e desconhecidos. Com certeza afirmo que meus três filhos não voltarão a frequentar a escola enquanto a vacina ou o tratamento cientificamente validado sejam criados. Eu e minha esposa, professores universitários, não voltaremos a frequentar salas de aula pelo mesmo motivo. Não há garantias científicas, e o risco de vida é muito maior do que o benefício econômico ou acadêmico”. Devem haver milhares de pais que pensam do mesmo jeito e, em mais de 50 países, por razões diversas, há o mesmo discernimento. A quarentena deve continuar e as escolas particulares de ensino básico, de um jeito ou outro, vão se estruturando para oferecer o melhor que podem em suas aulas a distância. Mas o problema maior está nas escolas públicas situadas em rincões afastados e sem acesso à internet. Situação parcialmente sanada pela Secretaria de Educação de São Paulo, segundo seu secretário, Rossieli Soares da Silva, que informou que os alunos retornaram às aulas, estudando online, em casa, através do aplicativo do CMSP (Centro de Mídias da Educação de São Paulo). E ficamos mais um ano sem um planejamento de fato para atender ao ensino básico, tão carente de um esforço nacional para formar gente capacitada a enfrentar os desafios de uma sociedade em transformação. Mas, meu caro Prof. Herivelto, há uma pandemia muito maior do que a atual: a nossa desigualdade social e a falta de uma educação capaz de dar oportunidade de formação básica a todos. Realmente, o coronavírus veio para escancarar e patentear a desigualdade social, que tem efeitos deletérios na educação, na economia, na saúde, na habitação, na infraestrutura, no lazer, em outras palavras, na qualidade vida de parte significativa da nossa população desassistida, que alguns acreditam que chegue em todo o país a 100 milhões, na absurda casa dos 50%. Deveria haver um esforço nacional com Governo, empresas, instituições educacionais, famílias e sociedade e meios de comunicação para que a educação em todos os níveis fosse a mais qualificada a formar gente capacitada a vencer os desafios do mundo do conhecimento e também preparada a escolher com mais inteligência seus representantes políticos. O Brasil real (está claro que não estou falando de ilhas de excelência, muitas vezes alienadas dos cruciais problemas da nação) não está preparado para enfrentar um futuro em que um contingente inimaginável de cidadãos de segunda categoria não terá armas para defender-se. Viverão todos a próxima epidemia: o desemprego, contra o qual a ciência não tem vacina. Vem aí um desemprego em massa e o país precisa encontrar soluções tanto para formar gente capacitada e empreendedora como a criar estratégias de desenvolvimento. Sem bater na mesma tecla é só copiar os Tigres Asiáticos que já a descobriram faz tempo: a educação! É ela que, entre outras coisas, permite a mobilidade social, o acesso a trabalho mais humano e digno, o espírito crítico e criativo, a colaboração, o respeito pelo meio ambiente, uma renda per capita mais justa, o declínio da violência. Mas, para atingir esse desiderato, é preciso esforço conjunto. A metáfora da Torre de Babel é muito apropriada para o momento político-social que vivemos. Hoje, depois de muitos milênios da maior criação humana, a linguagem, há múltiplas formas de comunicação, com línguas, códigos e dispositivos diversos, cada vez mais sofisticados e mais céleres e que graças à tecnologia, enredam e interconectam os seres humanos. Porém, apesar de tudo, exacerba-se a falta de comunicação e incompreensão entre nós, pobres mortais. Parece que, à medida que a modernidade avança, a comunicação se torna mais precária. As fake news, a exemplo das fofoqueiras de antigamente, atingiram um grau de sofisticação, que exigiu a criação de agências especializadas na sua detecção. Quando todos falarem a mesma língua, no sentido de superar subjetivismos e ideologias, quando houver um plano de Estado, poderemos construir uma educação capaz de tornar nossa população apta a enfrentar o cenário que se desenha de desemprego em massa, pobreza avançando a galope acelerado, aumento de violência, precariedade habitacional, com ocupação desenfreada de áreas de mananciais, agressão cada vez maior ao meio ambiente. Mas, como disse Caetano Veloso na música Gente, “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Assim, tenho a firme convicção de que uma educação sintonizada com as exigências do século XXI – não mais centrada em conteúdos (aliás disponíveis a um toque na tela ou a um clique do mouse), mas no desenvolvimento de competências e habilidades desde a escola básica – pode reduzir desigualdades e dar mais dignidade aos indivíduos. As competências são essenciais para que o indivíduo tenha sucesso na sua vida social e profissional. São elas que lhe permitem tomar decisões. Criatividade para solução de problemas, liderar, resolver conflitos, utilizar conhecimentos adquiridos ao longo do processo ensino-aprendizagem. Elas são um conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas. Essas habilidades referem-se à aplicação prática de determinada competência para resolver uma dada situação, por exemplo, aplicar a habilidade de ler para compreender e interpretar um texto e ser competente nessa tarefa. E nesse quesito, as mais variadas avaliações têm demonstrado que a pandemia (nome eufêmico para peste) da Covid-19 é “fichinha” perto do que o futuro nos reserva se não agirmos rápido e em sintonia. Educação não é mais (aliás nunca foi) dever só da escola. É um esforço conjunto – da sociedade, empresas, mídia, academia, família – é imprescindível para que seja possível atingir um patamar social mais justo e mais igualitário. _______________________________________ [1] Filme “O Menino da Bolha”, com John Travolta (1976): https://www.youtube.com/watch?v=GfLpKXovD6Q O caso real: https://www.youtube.com/watch?v=A_-aXB4Did0