Terry Gou fundou a empresa Foxconn em 1974, em Taiwan. Em 1988, após o sucesso inicial na ilha, a primeira fábrica foi inaugurada na China continental, em Zhenzhen. Atualmente, a Foxconn, com mais de um milhão de empregados em todo o mundo, é um dos principais fabricantes e desenvolvedores de computadores, celulares e outros dispositivos eletrônicos. A companhia é responsável desde o design ao serviço pós-vendas, tendo como principais clientes a Apple, a Sony e a Microsoft.
Em abril de 2011, a então presidente Dilma Rousseff realizou uma visita oficial à China. Eu, na ocasião, era secretário nacional de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e fiz parte da Delegação, contribuindo no Seminário Empresarial Brasil-China, intitulado: “Para Além da Complementaridade”.
No intuito de estimular as empresas chinesas a conhecerem mais o Brasil e a se interessarem em investir no País, um conjunto de eventos sociais foram organizados. Entre eles, um jantar com o prestigiado Mr. Terry Gou e sua equipe. Por ser físico e para viabilizar a comunicação, tive o prazer de me sentar ao lado daquele que, para mim, era uma referência relevante. Entre outros motivos, por ser considerado a pessoa do planeta com o maior número de patentes registradas.
Perguntei a ele qual seria a razão de tantas patentes. Para minha surpresa, ele foi extremamente direto: “para processar os outros”. Na verdade, ele explicou melhor: “o que importa é o que ainda não foi patenteado e a capacidade de inovar o tempo todo, porém, frequentemente somos acionados na justiça”. Segundo ele, tendo milhares de patentes é mais fácil negociar na justiça, onde o final feliz, em geral, envolve os dois lados abrirem mão, amigavelmente, dos processos. Confesso que, perante minha visão ingênua, quase romântica, acerca de patentes, foi um primeiro e inequívoco aprendizado da noite.
No decorrer do jantar, ele solicitou que pesquisadores da “Tsinghua University”, uma das melhores da China, viessem ao restaurante especialmente para nos mostrarem os avanços ainda sigilosos (antes das patentes) em telas de grafeno para celulares, prováveis protótipos de dispositivos flexíveis chegando ao mercado somente agora. As conversas acerca do promissor presente logo apontaram para o futuro e, necessariamente, sobre o Brasil visto pela Foxconn, aos olhos de seu chefe maior.
Mr. Gou se mostrou animadíssimo com o Brasil e, curiosamente, menos otimista com a China. Bom lembrar que naquele momento éramos a sexta economia do mundo e a taxa de desemprego era de 4%, sendo que hoje somos a décima terceira economia e a taxa de desemprego é de 14%, aproximadamente. Sobre o crescimento da China a partir daquele período comentários podem ser dispensados.
Enfim, ele percebia no Brasil, naquele especial momento, um possível paraíso para seus investimentos. Ele expressou que as conquistas trabalhistas e democráticas já haviam sido estabelecidas no Brasil. Já a China e outros países do oriente, provavelmente, ainda teriam um caminho a trilhar, eu deduzi de suas palavras.
Na prática, ele enxergava Jundiaí (SP) e outras unidades no Brasil como promissores centros de fabricação de produtos Apple para toda a região. Ele se referia, especialmente, a telas sensíveis ao toque para iPhones, tablets e PCs. Em breve resumo, de imediato pretendiam capacitar 200 engenheiros brasileiros na China para ajudar na implantação do projeto e o investimento total, segundo ele, seria da ordem de US$ 12 bilhões e mais de 100 mil empregos seriam criados no País.
Infelizmente, aquelas minhas ilusões de um jantar de primavera não se materializaram. Seis anos depois, a unidade de Jundiaí foi sendo aos poucos desativada, sendo mantida apenas a modesta produção destinada para outras empresas, na forma de entreposto de serviços. Posteriormente, li nos jornais comentários pouco favoráveis da parte do Mr. Gou aos profissionais brasileiros atuando em suas unidades.
Por outro lado, mesmo sem que o projeto Foxconn no Brasil tenha atingido o sucesso previsto, a China findou se confirmando, ano após ano, como nosso principal parceiro comercial. Da minha parte, por outros caminhos, findei, logo em seguida, saindo do MCT e indo para o exterior. Curiosamente, mais tarde, acabei fazendo parte da Comissão de Especialistas estrangeiros no processo de avaliação das universidades chinesas, em especial do “Beijing Institute of Technology/BIT”, em Pequim, e da “Nankai University”, em TianJin.
Sabemos que as estações entre as nações passam por primaveras, verões, outonos e invernos. Além disso, a primavera de uma é o outono daquela no hemisfério oposto. Importante é que elas se respeitem sempre, que cada uma delas saiba muito bem o que quer e explorem muito bem os pontos em comum, onde todas possam sair ganhando.
Pessoalmente, ganhei muito naquele jantar. Adquiri mais uma experiência acerca dos múltiplos caminhos que um projeto, por mais auspicioso que seja, pode tomar ao longo do processo. Principalmente, fica o aprendizado das noites especiais de primavera, mesmo que o verão seguinte não seja tão intenso e que depois venha o outono e, por fim, o inverno. Afinal, lembremos que o inverno sempre aponta para uma nova primavera.
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