Declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) beneficia pessoas como “o filho de um porteiro que tirou zero” no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostra duas faces de quem costuma criticar o programa: o desconhecimento das regras para acesso e o preconceito com a ascensão social promovida pela educação superior.
Desde 2015, quando foi reformulado, o programa vem perdendo força ano a ano. Menos vagas e menos contratos tem sido o roteiro recorrente, resultado direto de medidas como o fim do financiamento de 100% da mensalidade e o aumento das exigências em relação ao desempenho do estudante no Enem. Hoje, quem tira zero na prova não pode sequer concorrer a uma das vagas ofertadas pelo Fies. São requisitos mínimos não zerar a redação e tirar pelo menos 450 na avaliação.
Estamos passando pela maior crise do século e a falta de profissionais de nível superior qualificados para atender às demandas da população nunca ficou tão evidenciada. O colapso da área da saúde, a dificuldade de setores essenciais se reinventarem para continuarem operando e o agravamento da crise econômica, em maior ou menor medida, foram potencializados pela falta de gente preparada para lidar com situações adversas e propor alternativas e soluções.
Se antes da pandemia, e das consequências trazidas por ela, todos os caminhos apontavam para a educação como rota essencial para o desenvolvimento do país, essa realidade não foi enfraquecida. Pelo contrário. Mais do que nunca, precisamos de pessoas preparadas e comprometidas com a construção de uma nação mais justa, solidária e igualitária.
Mas como alcançar esse novo patamar com a intensa desidratação das políticas de acesso à educação superior que vem acontecendo nos últimos anos? E isso em um país no qual 76% dos estudantes estão matriculados em instituições particulares, que está entre os mais desiguais do planeta e cuja taxa de desemprego não para de crescer?
Há algum tempo caiu em desuso uma expressão bastante utilizada por décadas e que tinha sido criada na medida exata para manter a população brasileira esperançosa de que dias melhores chegariam. “O Brasil é o país do futuro”, diziam. Afinal, uma nação como a nossa, com tantas riquezas e um povo trabalhador, haveria de dar certo. Na base para esse salto, a educação seria a protagonista.
O tempo passou e o tal futuro ainda não chegou. Seguimos sendo um país com grandes desafios socioeconômicos e um dos mais desiguais do planeta. Tampouco a educação foi efetivada como guia-mestra das políticas desenvolvimentistas, e os resultados em relação às metas do Plano Nacional de Educação (PNE) estão aí para comprovar.
Apesar disso tudo, na última década o Fies foi o instrumento que permitiu a centenas de milhares de estudantes terem acesso à graduação. Pessoas de baixa renda que, muitas vezes, foram as primeiras da família a ter um curso superior, e que hoje contribuem para fazer girar o ciclo virtuoso da economia.
São pessoas como o tal filho do porteiro à que se referiu Guedes que, dificilmente, conseguiriam cursar uma graduação nas instituições públicas. As universidades federais e estaduais seguem elitistas, apesar do esforço que tem sido feito nas últimas décadas para mudar esse cenário.
Mais do que nunca o momento pede uma séria reflexão sobre o futuro do que já foi o maior programa de acesso à educação superior do país. Além de não ser uma solução para a política educacional, seguir com a inviabilização do Fies apenas aprofundará a crise e nossos indicadores socioeconômicos. Mais do que nunca, o país precisa rever as bases sobre as quais quer se reerguer.
A educação superior não pode continuar sendo privilégio de poucos. Ela precisa ser acessível a todos, inclusive para filhos e filhas de porteiros, domésticas e todos os outros trabalhadores que, em geral, não conseguiram ir muito longe nos estudos. Baixa escolaridade não pode continuar sendo herança no Brasil. É urgente romper com esse ciclo que há décadas tem se perpetuado entre famílias brasileiras.
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