Ditados populares consistem em uma das maneiras mais eficientes de transmissão de sabedoria de geração em geração. Com suas frases simples, mas de grande impacto, são uma fonte quase inesgotável de conhecimento tácito, ou seja, aquele adquirido com a experiência e que não somos capazes de documentar.
Um dos meus ditos preferidos é o que intitula este texto. De forma lúdica, ele passa uma mensagem essencial: preocupe-se apenas com o que lhe diz respeito. Contudo, o que parece uma lição fácil de ser compreendida e aplicada, tem sido sistematicamente – e estrategicamente – ignorada pelos conselhos profissionais do Brasil.
Criadas para defender e disciplinar o exercício profissional, essas instituições têm buscado, cada vez mais, agir em uma esfera que não lhes compete: a educação superior.
De acordo com o marco jurídico vigente, a regulamentação da educação superior no país é atribuição exclusiva do Poder Executivo, por meio do Ministério da Educação (MEC). Todavia, sob o pretexto da “garantir a qualidade” do ensino ofertado pelas instituições educacionais, os conselhos têm buscado colocar em prática sua pauta corporativista que, na verdade, tem como único objetivo barrar a formação de novos profissionais, reduzindo a concorrência e valorizando o “passe” daqueles que já se encontram no mercado de trabalho.
Ao contrário da agenda que eles vêm tentando impor, não é atribuição dos conselhos profissionais estabelecer o que deve ou não ser ensinado nos cursos de graduação. Também não cabe a eles dizer a forma como o processo de ensino e aprendizagem deve ocorrer. Caminhar nesse sentido consiste em uma ingerência absurda nas competências do Ministério da Educação, que conta com ampla estrutura regulatória voltada para garantir a qualidade da oferta educacional, e do Conselho Nacional de Educação (CNE). Inclusive, a educação superior brasileira é uma das mais reguladas de todo o planeta.
Na escalada corporativista dos conselhos, o caminho para garantir a qualidade da graduação passa por medidas como acabar com a educação a distância, barrar a abertura de novos cursos e dar a eles o poder de definir os conteúdos que devem – ou não – ser incluídos nos currículos.
Além de se tratar de uma medida desumana, por querer retirar de milhares de brasileiros a oportunidade de cursarem uma graduação e alçarem voos profissionais e pessoais mais altos, a postura dos conselhos profissionais deveria ser considerada criminosa por tentar impedir a formação de novos profissionais em um país que corre o sério risco de sofrer com um apagão de mão de obra, o que comprometeria o desenvolvimento e o bem-estar da população por décadas.
Aliás, os impactos desse posicionamento tacanho dos conselhos já se fazem presentes na sociedade brasileira. Não foi à toa que a pandemia de covid-19 atingiu números estratosféricos por aqui, evidenciando a gravidade da falta de médicos durante a maior crise sanitária e hospitalar enfrentada pelo Brasil. Desde 2013, novas graduações voltadas para a formação de médicos estão condicionadas a chamamentos públicos feitos pelo governo federal.
Estamos diante de uma situação inaceitável sob qualquer perspectiva que se analise. Tanto é que o Poder Judiciário tem reiterado, em diversas decisões, a autonomia do Ministério da Educação e das instituições de educação superior. Agora, cabe ao MEC assumir o seu protagonismo na política educacional e repelir qualquer tentativa de cercear sua soberania. Passou da hora de mostrar que os limites de cada galho estão muito bem estabelecidos, e que não há espaço para dois macacos no galho da educação superior brasileira.
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