Como descreve o jornalista canadense Malcolm Gladwell no best-seller Tipping Point, ponto de inflexão é aquele momento mágico em que uma ideia, tendência ou comportamento cruza um limiar, tomba e se espalha como um incêndio. Se o cronograma de implementação do Novo Ensino Médio for realmente cumprido, 2022 poderá vir a ser um desses períodos, o momento de virada na educação brasileira. A partir do ano que vem, as redes públicas e particulares do país deverão fazer as mudanças previstas na lei que estabelece a reforma, aprovada em 2017. A reformulação vai começar pelo 1º ano do ensino médio; em 2023, contemplará o 2º ano; e, em 2024, os três anos da etapa deverão estar adaptados ao novo formato.
Resultado de anos de debate, essa reestruturação não podia mais esperar e veio em ótima hora. Já antes da pandemia, a taxa de conclusão do ensino médio antes dos 25 anos no país era de 58% – no Chile é de 86% e nos países da OCDE, de 79%. Ao final do ciclo, 37% dos alunos aprendiam o básico em português e 10% em matemática. O ensino médio, do jeito que está hoje, é uma autêntica jabuticaba brasileira. Somos o único país do mundo onde o aluno tem 13 disciplinas fixas e nenhuma liberdade de escolha, um modelo que está a anos-luz dos interesses dos jovens, da vida prática neste século e que tem consequências bem indigestas. Com a reforma, espera-se que muitas das paredes que nos aprisionam na mediocridade sejam, enfim, derrubadas.
A proposta considera três grandes frentes: a ampliação da carga horária, a incorporação da educação profissional como opção do currículo regular e a liberdade de o estudante optar por sua trilha formativa entre cinco opções - as quatro áreas do conhecimento (linguagem, matemática, ciências humanas ou ciências da natureza) e o ensino técnico. Dessa forma, os alunos cumprirão um currículo obrigatório de 1.800 horas e outro flexível, de 1.200 horas adicionais. Se a transição for bem feita, o estudante terá escolha e a chance de ter um ensino médio com sentido para sua vida, mais moderno, que leva em conta as vontades do jovem e em linha com as melhores práticas mundiais. Inúmeras mudanças, tanto de ordem estrutural como cultural, são necessárias para que a proposta deixe o universo das ideias e aterrisse nas salas de aula. A lei que institui a reforma estabeleceu o prazo de cinco anos para colocá-las em prática. A maioria dos estados avançou na definição e aprovação de seus currículos, cujo prazo expira no final do ano. Mas o processo de implementação vai muito além disso. As redes precisam tomar decisões sobre vários aspectos como, por exemplo, alocação de professores, sistema de matrícula e garantia de oferta de itinerários que estejam de acordo com os desejos dos jovens e com o que o mercado de trabalho está buscando. Segundo o Movimento pela Base, há cinco pontos principais a serem definidos para a implantação, o que foi feito só em Santa Catarina. Os outros estados concluíram uma ou duas dessas medidas. No entanto, em questões tão complexas como essa, há de se dar o devido peso aos processos. O mais importante, neste momento, é ter a certeza que os jovens tenham, de fato, seu direito de escolha respeitado, como prevê a reforma. O governo de São Paulo está trabalhando duro, em parceria com o Centro Paula Souza, para implementar uma reforma coerente e bem estruturada para atender a demanda dos alunos, inclusive por ensino profissionalizante, oferecendo itinerários técnicos de qualidade. Os cursos estarão disponíveis para alunos de todo o estado que vão ingressar no 1º e no 2º ano do ensino médio já em 2022. A falta de opções de formação técnica é, justamente, um dos gargalos da proposta. A geração de modelos de colaboração a fim de facilitar a oferta e a demanda educacional, que atenda às necessidades do mundo do trabalho e das comunidades onde os jovens estão inseridos, pode ser uma saída. Um município pequeno, por exemplo, pode se juntar a outro para definir trilhas de formação profissional em sintonia com as atividades econômicas da região. Já cidades com uma vocação mais clara, como o turismo ou saúde, podem oferecer cursos nessa área. E assim por diante.
O fato é que não há uma só fórmula e um só modelo para a implementação. Os estados, portanto, terão que dispor de muita criatividade para encontrar as melhores soluções e, ao mesmo tempo, ter muito rigor para manter a qualidade e assegurar que os jovens terminem o ciclo de educação básica com uma formação que lhes permita serem bem-sucedidos e felizes na profissão e na vida.
Ana Maria Diniz
Criadora do Instituto Península, que atua na formação de professores, e uma das fundadoras do Todos Pela Educação