Por que os brasileiros se endividam muito? Quais são os motivos de muitas empresas pedirem falência com pouco tempo de atividade? De que forma podemos desenvolver uma cultura de investimentos mais rentável e eficiente? Poderiam ser várias perguntas para o título, mas todas as respostas passam pela democratização da educação financeira.
Trata-se de um problema que impacta toda a sociedade, de pessoas físicas a empresas de todos os portes e ramos de atividade. Muitos empreendedores, por exemplo, não separam suas contas bancárias de pessoa física daquela utilizada nas suas empresas e acabam perdendo o controle das vendas, de quanto deve ser destinado ao pagamento de fornecedores e o valor dos gastos com a família. Essa má gestão financeira pode causar consequências financeiras para o negócio e para a vida pessoal do empreendedor.
Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em 2020, apontam que os microempreendedores individuais apresentam maior taxa de mortalidade dos negócios (29%) em até cinco anos. Quando se trata de microempresas, a taxa cai para 21%, e no segmento de pequenas, é 17%. Mais uma vez, a incapacidade de gestão e também a falta de conhecimento do ramo do negócio são os principais motivos. Na pandemia, é notório que a situação do segmento das MPMEs se agravou e o fator “gestão financeira” foi considerado o maior desafio para todos os empreendedores.
Do lado do cidadão, embora o endividamento seja baixo, o comprometimento de renda com pagamento de juros e amortizações é o dobro da média registrada em 17 países analisados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2019. Isso acontece porque as dívidas são feitas no curto prazo com juros elevados, ainda que existam diversas alternativas mais adequadas no mercado. Em 2021, esse cenário se deteriorou ainda mais. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), quase 70% das famílias ficaram endividadas no primeiro semestre.
Somado a isto, nos últimos 10 anos, enfrentamos mudanças na nossa economia e política, com efeitos que impactaram, principalmente, o comportamento do consumo das famílias. O Brasil registrou queda no PIB, mudou o sistema previdenciário e, desde o ano passado, está enfrentando uma grande pandemia.
Neste período, o setor financeiro também passou por grandes transformações - se desenvolveu e tornou-se mais sofisticado. Passamos a oferecer mais acesso a crédito, produtos e a serviços mais diversificados. Aceleramos em volume e em tempo as transações bancárias, nos tornamos mais digitais e disponibilizamos aos consumidores facilidades no dia a dia.
Sabemos que no Brasil ainda existem 34 milhões de pessoas que não têm conta bancária, ou seja, que ainda não estão inseridas no sistema financeiro. O número de bancarizados aumentou na pandemia, abrangendo, principalmente, as classes mais baixas da sociedade, que tiveram acesso aos auxílios emergenciais. Com isso, uma grande questão emergiu: “mas e depois?” Essas pessoas têm conhecimento de como podem se aproximar dos bancos e usufruir de recursos com consciência?
Portanto, nunca foi tão fundamental colocarmos na nossa pauta a educação financeira e o consumidor no centro da discussão. Na definição da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), esta é uma ferramenta para orçar e gerir renda, poupar e investir, além de evitar que pessoas se tornem vítimas de fraudes. Todos os agentes deste mercado têm o papel de construir pontes e caminhos pelos quais as pessoas continuem a consumir de forma segura e as empresas prosperem, com consciência, qualidade e sustentabilidade.
À luz deste contexto, ainda em 2005, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a OCDE decidiram oficializar em um documento recomendações sobre os princípios e as boas práticas de educação e conscientização financeira. Um dos tópicos menciona que “deve-se promover o papel das instituições financeiras na educação financeira e esta deve se tornar parte da boa governança, no que concerne a seus clientes”. Cita também que essas empresas devem incentivar a conscientização financeira dos clientes.
Precisamos fomentar cada vez mais o assunto como parte da nossa responsabilidade e governança, atingindo todos os níveis de público - os que querem fazer investimentos mais arriscados, os que precisam encaixar sua renda no orçamento de gastos mensais ou aqueles que buscam organizar suas dívidas e renegociá-las.
Hoje, existe uma grande mobilização do mercado para orientação financeira e que foi intensificada no período da crise, com engajamento significativo dos consumidores. As redes sociais, inclusive, ajudaram bastante a expandir o conhecimento e devem continuar prestando esse serviço para a população.
Educar é algo que nunca termina, mas que é capaz de transformar pessoas e sociedades. No entanto, o acesso à educação está intrinsecamente relacionado a políticas públicas e a iniciativas privadas. Cabe a cada pessoa e cada líder incorporar esta frente de atuação em sua companhia e sua família e sensibilizar seus parceiros e criar uma grande cadeia voltada à educação. Afinal, é isso que construirá uma sociedade mais justa e próspera.
Pedro Coutinho
CEO da Getnet Brasil