Toda forma de aprendizagem é bem-vinda. Informação é melhor do que ignorância. Da mesma forma, uma escola com deficiências contribui mais do que sua ausência. Mesmo assim, nem todas as aprendizagens são iguais, bem como todas as escolas são diferentes entre si.
Uma questão educacional muito relevante é o que se pretende com o conhecimento adquirido. Até recentemente, formar um profissional dominando certo conteúdo e os principais procedimentos e técnicas a ele associados costumava ser satisfatório. Tarefas previsíveis e de vieses não originais podiam, em geral, ser desenvolvidas por trabalhadores especializados com certa qualidade.
O século passado se foi, novos tempos chegaram e muita coisa mudou drasticamente. A partir dos tempos atuais, a capacidade de prever com antecedência as tarefas e as demandas vai se tornando cada vez mais difícil. Ousar delimitar conteúdo vai se mostrando um jogo de azar que, na maioria das vezes, se perde para o inevitável imprevisto.
As escolas, de uma maneira geral, fruto do sucesso do passado, têm demorado a perceber que a realidade do mundo do trabalho e o escopo de oportunidades de novos negócios se alteraram profundamente. Algumas instituições educacionais já se deram conta, porém, a ausência de receitas prontas acaba sendo um obstáculo adicional, além delas terem que enfrentar uma forte cultura interna saudosista de um passado que insiste em não ir embora. Em suma, destravar o sistema estabelecido, promover metodologias inovadoras e incorporar novas e abundantes tecnologias são tarefas tão indispensáveis como desafiadoras.
A melhor definição acerca da ruptura em curso é a migração de uma aprendizagem superficial em direção à aprendizagem profunda (embora com similaridades, não se trata aqui de “deep learning”, em geral associado a máquinas). De alguma forma refletindo em substituir os postulados cognitivos (ênfase no aprender conteúdo, em termos simples) por abordagens metacognitivas (prioridade para despertar para a capacidade de aprender continuamente ao longo de toda a vida).
Fato é que, de forma resumida, as principais tarefas e demandas do mundo clássico costumavam ser previsíveis (território do enfoque cognitivo) e agora estão sujeitas a serem substituídas por processos baseados em automação e inteligência artificial, movidas pela ciência dos dados e por máquinas que aprendem, dispensando, praticamente, intervenções humanas diretas.
Restarão sim alguns bolsões de atividades, ancoradas na força humana, em geral, em ambientes insalubres e onde os investimentos em máquinas (ainda) não se justificarem aos olhos dos frios e calculistas tomadores de decisão. O que já sabemos é que, certamente, serão empregos desprestigiados, mal remunerados e pouco estimulantes.
Quais os principais desafios dos ambientes educacionais neste contexto? Em primeiro lugar, há de ser a escola (física ou virtual) o espaço que, prioritariamente, explora o estado da arte dos contextos que precedem as máquinas, formando pessoas que constroem, estudando e projetando essas máquinas e todo o conhecimento envolvido. As instituições educacionais continuarão sendo também onde se formam cidadãos, conscientes e atualizados, que não temem novidades e desafios, sejam eles quais forem, sendo capazes de se adaptarem continuamente, sendo produtivos e satisfeitos em seus exercícios profissionais.
Educar não está ficando mais simples, ao contrário, cada vez mais complexo. Há e haverá uma miríade de ocupações para atender as novas demandas e as possibilidades de inventar outras oportunidades inéditas. Embutido o desafio de que, desta vez, nossa visibilidade do futuro é muito menor do que costumava ser no passado. Mesmo assim, ainda que mediados por novas ferramentas (ciência dos dados, analítica da aprendizagem etc.) e fantásticos ambientes virtuais de aprendizagem (simulações, realidades múltiplas, mundo dígital etc.), os papeis dos educadores e dos educandos, curiosamente, ainda se assemelham, em suas relações típicas, lembrando, nas suas essências, as realidades educacionais a que nos acostumamos a presenciar no presente e no passado recente.
A ausência de educação ou sua má qualidade sempre tiveram consequências perversas a quem a elas foi submetido. O futuro é mais devastador ainda, gerando o risco de uma indesejável sociedade ainda mais excludente que a atual. A surpreendente e positiva diferença é que, em tese, pela primeira vez podemos conjugar qualidade com quantidade. Mais do que isso, só haverá qualidade onde houver escala. É da natureza das novas tecnologias e das pedagogias inovadoras implicar que só haverá qualidade se for para muitos. Quantidade é essencial para gerarmos, com qualidade, um ensino híbrido (incorporando os predicados das modalidades presencial e a distância), flexível (adaptável aos diversos contextos e propósitos educacionais) e, principalmente personalizado (customizável, via trilhas de aprendizagem individualizadas, a partir das características específicas de cada educando).
Trata-se de uma história ainda não contada e a ser construída. São caminhos ainda não trilhados e encruzilhadas que ainda não enfrentamos plenamente. O que podemos antever é que aprendizagens superficiais apontam para um grande desastre, com massas de desempregados ou subempregados, num mundo hostil e excludente. O cenário da aprendizagem profunda é o remédio. É o antídoto que dispomos e que permitirá, ousadamente, sabermos moldar nossos futuros, onde educação será, como sempre foi, nossa maior ferramenta.
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