Iniciei minha vida profissional voltada para educação em 1988, ano que foi promulgada a Constituição Federal. Antes tive experiência dando aulas de Mobral (alfabetização de presos) em Ferraz de Vasconcelos, município pertencente a Zona Leste de São Paulo, e em um colégio localizado em Osasco. Ambas foram, por um período curto de tempo, pois o delegado de polícia restringiu minha atividade e o colégio de Osasco era muito longe de Ferraz de Vasconcelos, município em que morava.
Refletindo sobre a década seguinte, 1990 foi marcada pelo conflito das relações contratuais entre alunos e instituições em relação aos valores de mensalidades escolares. Me lembro que para o ensino superior somente existiam mantenedoras sem fins lucrativas. Como diretor das Faculdades Associadas de São Paulo participava das assembleias do SEMESP e, em 1994, vivenciei a maior participação de mantenedores em assembleias até hoje, pois decidiu-se ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confenen contra a Medida Provisória que alterava as condições das mensalidades escolares, desrespeitando os contratos firmados. Registro que já havia o Código do Consumidor publicado por intermédio da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Não tinha a menor ideia que muitos anos depois, como sócio da Covac Sociedade de Advogados, seria contratado para defender as instituições mantedoras de ensino superior contra Leis Estaduais criadas para desrespeitar os contratos de prestação de serviços educacionais.
Foram três ações diretas de inconstitucionalidades: ADI 6192 contra Lei Estadual de São Paulo, ADI 6614 contra Lei estadual do Rio de Janeiro, e ADI 6333 contra Lei Estadual de Pernambuco e promovidas pela Confenen, defendidas pela Covac Sociedade de Advogadas, e apoiadas respectivamente pelo Semesp, Semerj e Sinep PE. As leis, em síntese, estabeleciam que os descontos dados a um aluno, seriam extensivos a todos os alunos com contratos preexistentes.
Em sustentação oral feita no Supremo Tribunal Federal defendi que a inconstitucionalidade da Lei estadual que estabelece a obrigatoriedade de os fornecedores de serviços prestados de forma contínua estenderem o benefício de novas promoções aos alunos preexistentes usurpou competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da CF/1988). Ainda que se tratasse de competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V, CF/1988) ou sobre educação e ensino (art. 24, IX, CF/1988), haveria a incompatibilidade com a Lei Federal nº 9.870/1999, a qual estabelece normas gerais para fixação de anuidades escolares no país e conta com vasta regulamentação acerca do tema, em especial no que tange as limitações e autonomia contratual das entidades privadas prestadoras de serviço público de educação. Desta sorte, é certo que inexiste espaço para a regulamentação da matéria em âmbito estadual, principalmente quando não se constata conduta abusiva por parte do prestador.
Aleguei que a manutenção dos efeitos da Lei, objetos das ADINs, sem o devido cotejo com a Lei Federal n.º 9.870, arde 1999, a Lei das Mensalidades Escolares, implicaria em uma repercussão social bastante negativa, pois passa a inviabilizar com que as instituições privadas de ensino concedam qualquer tipo de desconto, uma vez que esse fatalmente teria o condão de retroagir para todos os demais contratos já firmados anteriormente. Importante constatar que os descontos concedidos pelas instituições privadas de ensino objetivam estimular condições sociais favoráveis ao desenvolvimento educacional em todos os seus níveis, a exemplo dos diversos tipos de descontos praticados pelas instituições privadas de ensino.
No STF
Como nem todos têm conhecimento de como funciona o processo judicial que tramita no Supremo Tribunal Federal, há necessidade do advogado após ingressar com ação, despachar com cada Ministro, além apresentar os memoriais. Os memorias também são importantes, pois além da ADIN proposta, há necessidade de apresentar um resumo da tese. Esse é o nosso trabalho.
Claro que sustentação oral é imprescindível, pode ser feita presencialmente ou on-line pela plataforma do Zoom por meio de um link disponibilizado pelo Supremo Tribunal Federal.
Como todo julgamento precisamos utilizar todos os recursos. Não há dúvida que a sustentação oral é o último ato, que, inclusive, o advogado pode pedir questão de ordem.
Como optei por fazer a sustentação oral, loguei por 10 vezes em dias diferentes, acessando sempre a sessão e ingressando às 13h15. Infelizmente, nada acontecia num enorme tempo perdido. Porém, quando achei que não aconteceria a sustentação oral, logo após o início do intervalo do STF, e como ainda tinham duas ADINS, fui para o Aeroporto de Brasília sem estar mais logado na Plataforma do STF, acreditando que novamente não iria ter julgamento.
Para minha surpresa, quando atravessei a esteira do aeroporto, o assessor do Plenário do STF me ligou avisando que tinha uma inversão de pauta e seria chamado para fazer sustentação oral, porém não estava logado. Rapidamente consegui um local para fazer a sustentação oral e acabou dando certo. O Procurador Geral da República Dr. Augusto Aras fez sua sustentação oral e deu-se por encerrada a sessão. Jamais iria imaginar fazer uma sustentação oral no aeroporto e o importante é que não perdi o voo.
No dia seguinte, o julgamento continuou e encerrou-se com o seguinte resultado
“É inconstitucional lei estadual que impõe aos prestadores privados de serviços de ensino e de telefonia celular a obrigação de estender o benefício de novas promoções aos clientes preexistentes”
Como dizia o meu amigo Dr. Gabriel Mario Rodrigues: “o fácil todo mundo faz, o difícil é encontrar alguém para fazer”.
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