A educação é, indubitavelmente, um direito social fundamental de toda a sociedade. E não à toa, a Constituição Federal do Brasil, uma das mais analíticas do mundo, muito pela realidade política pendular observada na história da nossa jovem república, optou por inserir direitos fundamentais e princípios como regras, isto é, positivou – tornou artigos escritos –, coibindo estratégias interpretativas que pudessem pôr em risco pilares tão caros para toda a sociedade.
No sistema tributário não é diferente. Dentre outras abordagens, temos as Instituições beneficentes de educação, saúde e assistência social que compõem um fundamental rol de protegidos contra a tributação como medida necessária a se garantir a comutatividade entre sociedade e cidadãos. Isto porque, na medida em que há uma promessa constitucional, é dever dos governantes cumpri-la. E uma vez havendo incapacidade pública de atender a integralidade da demanda, cabe à iniciativa privada ocupar o espaço deixado.
Em troca, em uma das vertentes, nós temos as chamadas imunidades tributárias, componentes das denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar, nomenclatura de autoria do saudoso Professor Aliomar Baleeiro. As imunidades, a exemplo de toda a realidade jurídica brasileira, passou e passa por turbulências graves, em claro desrespeito ao que determina à Carta da República.
Se isso não bastasse, no campo das Instituições privadas, temos uma reforma tributária em curso que põe em xeque a necessária preservação desses mesmos direitos fundamentais a que estamos nos referindo nesse artigo. Com especial foco no aumento da carga tributária no setor de serviços, temos na mira de alíquotas fixas que quase triplicam a carga, educação e saúde. A ABMES, por meio do seu Presidente, Prof. Celso Niskier, já alertou para o processo de elitização que ocorrerá caso a reforma tributária passe nesses moldes, na medida em que o encarecimento das mensalidades afastará a maior parte da sociedade do ensino privado. Aliás, a bem dizer, da educação, posto que as Instituições públicas continuarão sem vagas suficientes.
O setor de serviços, como é notório, não compartilha com custos e despesas comuns aos setores produtivos, isto é, não arcam com insumos e custos industriais que geram créditos e dedutibilidade. Aliado a tal fator, temos que o sistema atual, com exceção da lei do bem, que não garante a quem desenvolve tecnologia e inovação a justa contrapartida tributária, de modo que o peso acaba sendo quase que cumulativo sempre, afastando-se de margens líquidas e, portanto, da justiça fiscal.
Do ponto de vista de quem arca com custos educacionais, a possibilidade de se limitar a dedutibilidade do IR pessoa física é nefasta e vai na contramão dos anseios dos brasileiros, que buscam maiores benefícios frente aos custos com educação e saúde, custos esses que, somados à moradia, comprometem a integralidade – ou quase integralidade – das classes sociais brasileiras que consomem tais serviços.
E há mais. É de se indagar, em que pese a unânime compreensão no sentido de que o sistema tributário brasileiro é complexo e merece uma reforma, se estamos no melhor momento para promover qualquer alteração. A verdade é que o Brasil vem acumulando déficits primários nos últimos anos, ainda passando por uma pandemia que abalou o mundo e tendo pouco debatido com a academia e com a sociedade o melhor modelo de reforma. Tanto é verdade, que além da PEC n. 45, da PEC n. 110, temos o Simplifica Já, a PEC 7, a reforma do IR, além de outros projetos que se acumulam e escancaram cada vez mais um Congresso que não fala a mesma língua.
Daí surge a pergunta: não seria o caso de apenas simplificarmos o que já existe? Reduzir o custo de compliance fiscal e aprimorar mecanismos de segurança jurídica para os contribuintes?
Caso consideremos o ano eleitoral em curso, a chance de termos uma reforma aprovada a solavanco, sem o mínimo de debate e aferição de efeitos e que venha a gerar um abrupto aumento da carga tributária, é imensa.
Dito isso, não há de se estranhar o fato de que a maioria dos países confere algum tipo de redução ou isenção às instituições de saúde e educação. Logo, cogitar-se majorar a tributação de tais setores, em um país tão carente deles - educação e saúde – mostra o quão equivocados são os projetos até o presente momento.
A mudança é sim necessária. O mundo está em rápida e constante transformação. A digitalização da economia e a quebra das barreiras físicas, por meio da intangibilização, atingem às economias globais sem exceções. No entanto, é preciso se acertar nas escolhas e no tempo delas. Ao mesmo tempo que não podemos “perder o futuro”, como disse certa vez John Kennedy, também não podemos decidir por uma reforma tributária que nos movimente para trás, como a célebre frase da também norte-americana Ellen Glasgow: “Nem toda mudança é crescimento; nem todo movimento é para a frente.”
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Por Felipe Kertész Renault - Doutor em Direito. Professor do IBMEC/RJ e da ESA/OAB-RJ. Sócio do Renault Advogados
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