Uma honra contar com a confiança dos ex-ministros Fernando Haddad e Henrique Paim para contribuir com sugestões preliminares (Grupo Técnico de Especialistas) ao futuro titular do Ministério da Educação, ainda a ser indicado.
Aceitei com a clareza de que isso não implica (no meu caso específico, sem tal intenção) na participação na gestão a partir de janeiro de 2023. Felizmente, Educação é área em que há abundância de profissionais competentes, mais jovens e com determinação e vontade necessárias ao exercício das funções, as quais sabemos, por experiência, são tão exaustivas quanto urgentes e complexas.
Penso ser imprescindível aos membros da nova equipe de gestão do MEC que reafirmem a crença em estabelecer políticas públicas educacionais como sendo um direito de todos, constituindo um dever do Estado e da família. Neste sentido, educação é um bem público e cabe ao Estado assegurar acesso universal, permanência e qualidade em sua oferta, em todos os níveis. Tal como estabelecido em nossos marcos legais vigentes no país, visa o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Dentro de sua reconhecida complexidade, a política educacional deve ser concebida como um todo, das creches à pós-graduação. O fato de, conjunturalmente, se priorizar, do ponto de vista operacional, níveis ou aspectos educacionais, não deve jamais afetar a necessidade de que todos os programas contemplem a imprescindível visão sistêmica. Ou seja, enxergando educação enquanto processo permanente, ao longo de toda a vida, sendo, no limite, aquilo que permanece, mesmo quando o que se “aprendeu” é, eventualmente, esquecido.
Ao contrário de estarmos começando do zero, de fato, trabalhamos sob a inspiração dos apaixonados por educação que nos antecederam, com destaque ao Manifesto dos Pioneiros de 1932, calcado na esperança, no respeito e na consideração dos saberes e experiências culturais de crianças, jovens e adultos.
Temos elementos balizadores acerca do que demanda ser feito na área. O mais relevante deles é, por certo, o Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela Lei Nº 13.005 e sancionado em 25 de junho de 2014, o qual estabelece vinte metas para garantir acesso à educação de qualidade no Brasil até 2024. O plano apresenta estratégias para assegurar o cumprimento de objetivos em todos os níveis da educação, lembrando que o PNE foi elaborado com foco em conter as desigualdades sociais e econômicas que persistem há décadas no Brasil em relação ao aprendizado e às oportunidades de crianças, jovens e adultos.
Há que se levar em conta que, desafortunadamente, o PNE cumpriu, até aqui, muito pouco dessas metas previstas para serem atingidas até 2024. Assim, a educação brasileira está em desacordo com o previsto em lei, como destacam vários relatórios, incluindo os divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A crise do coronavírus e o descrédito em políticas públicas federais , marca dos tempos mais recentes, foram agravantes deste cenário. Na prática, há áreas em que o Brasil retrocedeu nos últimos anos, com destaque para os números do ensino integral, alfabetização infantil e capacitação de professores.
Dispomos atualmente de novas ferramentas que, em tese, permitem conjugar escala com qualidade. Nessa linha, as tecnologias digitais têm sido elementos chave na criação de um modelo de escola contemporânea. Elas contribuem com remodelar as instituições, quebrando o paradigma anterior de que qualidade só é possível para poucos. Na verdade, na educação que contempla também a versão digital a quantidade é, em si, geradora de qualidade, viabilizando uma educação híbrida, flexível e personalizada, centrada no educando.
Porém, as novas tecnologias por si só não são suficientes, é preciso cultivar a mudança de paradigma de transmissão simples de conteúdo em direção a enfatizar, ao mesmo tempo, a aprendizagem permanente ao longo de toda a vida, centrado no aprender a aprender, contínua e progressivamente. Ademais, as escolas devem experimentar novas estruturas organizacionais, formas inovadoras de governança, com uso de tecnologias educacionais e administrativas projetadas para refletir a fluxo constante da sociedade moderna. A educação deve estar na vanguarda das mudanças sociais, se sobrepondo aos imperativos mercantis na educação e garantindo qualidade, acessibilidade em grande escala e respeito a princípios éticos.
Sobre investimentos na área, o relatório da OCDE de 2019, analisando a educação dos seus trinta e seis países membros e de mais dez países parceiros, entre eles, Brasil, Argentina, China e Rússia, chama atenção de que o Brasil, é um dos que menos gasta anualmente com alunos da rede pública de ensino. Além disso, o salário médio dos professores está entre os mais baixos dos países analisados. Apesar do percentual do PIB ser relativamente elevado (5,6%), o valor investido por aluno no Brasil, particularmente na educação básica, é ainda bem abaixo da média dos países da OCDE.
Há muitas tarefas a serem cumpridas e o tempo é curto para tantos desafios. A Academia Brasileira de Educação, a exemplo de várias outras entidades do setor, sistematizou as mais relevantes em documento a ser entregue ao novo Presidente da República. Neste breve texto, sem prejuízo aos demais pontos igualmente relevantes, enfatizo alguns desses tópicos, especialmente aqueles que, ao meu olhar, poderiam caber neste insuficiente e despretensioso espaço.
Entre eles, ampliar e dinamizar programas nacionais existentes para promover cursos e aperfeiçoamento para professores, envolvendo novas práticas pedagógicas, uso de novas tecnologias e plataformas educacionais. Ao mesmo tempo, implementar a conectividade nas escolas, viabilizando pleno acesso aos alunos e apoiando a formação dos professores da educação básica, garantindo a instalação de bibliotecas físicas e virtuais nas redes de educação básica e fundamental. Destacaria também a necessidade de instalação de laboratórios de ciências da natureza nas escolas de educação básica, além de estimular feiras de ciências e a produção de conteúdos digitais de qualidade.
Devemos ter como meta garantir a escola em tempo integral de forma a posicionar o Brasil ao lado das nações mais desenvolvidas, permitindo uma jornada escolar plena e repleta de atividades extraclasse, atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência na escola seja estimulante.
No ensino superior, garantir a oportunidade de acessibilidade para todos, especialmente aos mais carentes e às minorias, contribuindo com reduzir desigualdades e ampliando as possibilidades, especialmente despertando os mais variados talentos, visando diminuir o permanente desperdício de tantas riquezas humanas. Há que se rever a legislação da educação brasileira para contemplar diferentes modelos de universidades e de vocações específicas de instituições de ensino superior, explorando sua rica e desejável diversidade, tanto no setor público como, especialmente, no privado.
Na pós-graduação, há que se reafirmar os papeis primorosos e insubstituíveis da CAPES, enquanto garantidor da qualidade e fomentador da produção de conhecimento de fronteira, elemento imprescindível para uma nação soberana se desenvolver economicamente, com visão social e respeitando e preservando o meio ambiente.
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