Sumário executivo
Este texto destaca a necessidade de aumentar a taxa de escolaridade superior no Brasil, observando que o modelo atual de crescimento do país está esgotado tanto no setor público quanto no setor privado. Apesar do aumento no número de alunos matriculados nos últimos 40 anos, a taxa de escolaridade superior no Brasil ainda é baixa em comparação com países desenvolvidos, bem como com nações de condições socioeconômicas similares. Além disso, o modelo de crescimento parece estar em declínio, com uma queda nas matrículas nos cursos presenciais compensada apenas pelos cursos a distância.
Diante desses desafios, o texto propõe uma reestruturação do sistema de ensino superior, com a criação de dois tipos de cursos de graduação: Cursos Superiores de Formação Vocacional (CFV) e Cursos Superiores de Formação Profissional (CFP). Os CFVs seriam cursos de curta duração que visam proporcionar uma rápida colocação no mercado de trabalho, enquanto os CFPs seriam cursos avançados para a formação profissional. A proposta também inclui a criação de um Exame Nacional Pré- Profissionalizante (Enap), que ofereceria aos candidatos uma rota alternativa para ingresso nos CFPs, sem passar antes num CSV. O exame seria elaborado pelo Inep/MEC, mas aplicado por certificadoras privadas.
Essas mudanças visam resolver os problemas causados pela redução da demanda, limitações no acesso e dificuldades na permanência dos estudantes. A proposta busca reduzir a evasão escolar, facilitar o acesso ao ensino superior, ampliar a oferta de vagas e melhorar a qualidade da educação. A implementação da proposta exigirá ajustes nos dispositivos regulatórios e demandará esforços para adaptar o atual marco legal. No entanto, acredita-se que a proposta trará benefícios, como a redução da evasão escolar, maior flexibilidade na oferta de cursos pelas instituições públicas e privadas, e incremento na média geral de capacidade crítica e densidade intelectual da população.
Em resumo, a proposta busca modernizar o sistema de ensino superior no Brasil, tornando-o mais adequado às demandas da sociedade e do mercado de trabalho, bem como mais acessível aos estudantes, a fim de promover o desenvolvimento educacional e reduzir a desigualdade social.
O problema
O Brasil precisa aumentar a taxa de escolaridade superior, mas seu modelo de crescimento dá sinais de exaustão, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada.
Nos últimos 40 anos, o Brasil multiplicou por cinco a quantidade de alunos matriculados na Educação Superior (graduação), enquanto a população em idade universitária (18 a 24 anos) apresentou um ligeiro crescimento até 2007, depois começou a cair e deverá continuar caindo (Figura 1).
Figura 1 – Evolução das matrículas no ensino superior e da população em idade universitária no Brasil, em milhões (fonte: INEP
Essas matrículas estão principalmente alocadas nos cursos bacharelados tradicionais (Administração, Direito, Engenharia, Medicina etc.), com 5 milhões das matrículas, em um total de 9 (59%). Todavia, tem se observado uma queda nessa proporção, que já foi de 65% em 2015. Já os cursos de curta duração, majoritariamente os Cursos Superiores de Tecnologia, têm aumentado essa proporção, indo de 14% em 2015 para 19% em 2021 (Figura 2).
Figura 2 - Evolução das matrículas no ensino superior no Brasil, conforme o tipo de curso, em milhões (fonte: INEP)
Todavia, mesmo com esse bom resultado de inclusão, o Brasil chegou a um impasse. Apesar do aumento, o Brasil continua com uma taxa de escolaridade superior muito baixa, bem atrás dos países desenvolvidos, mas também inferior à de países com condições socioeconômicas similares, tais como Colômbia, Chile, Peru, México, Costa Rica e Turquia[2] (Figura 3).
Figura 3 - Taxa de Escolaridade Superior em países selecionados (fonte: OCDE, 2021)
Além disso, o modelo de crescimento parece ter se esgotado. De acordo com os dados do Censo da Educação Superior, do INEP/MEC, desde 2015 o ritmo de crescimento está se arrefecendo. Nos cursos presenciais tem havido queda nas matrículas, sendo que o aumento tem se mantido apenas pelos cursos a distância (Figura 4), cujo valor de mensalidade mais acessível tem suprido a redução do FIES[i], que chegou a 731 mil bolsas em 2014, baixando para 85 mil em 2019[3].
Figura 4 - Evolução das matrículas no ensino superior no Brasil, conforme a modalidade de oferta, em milhões (fonte: INEP)
Na perspectiva do financiamento do segmento, estima-se ao redor de R$ 150 bilhões o gasto no Ensino Superior Brasileiro por ano, dos quais R$ 80 bilhões são oriundos dos orçamentos públicos (federal, estadual e municipal) e R$ 70 bilhões vêm da cobrança de mensalidades (Quadro 1).
Quadro 1 – Orçamento e valor médio das mensalidades em instituições de ensino superior no Brasil, conforme sua natureza administrativa
A partir desses dados, pode-se depreender que é muito custoso para o Estado aumentar expressivamente o número de matrículas, considerando-se um custo mensal de R$ 3 mil por aluno e, na perspectiva do setor privado, não há mais pessoas com capacidade de pagar suas mensalidades, além das que já estão dentro do sistema.
O fato é que Brasil tem um volume insuficiente de recursos para a Educação Superior, a considerar os custos do modelo atual. Apenas para se ter uma referência, todo o orçamento brasileiro para o ensino superior, incluindo o das instituições públicas (federais, estaduais e municipais) e privadas (com e sem fins lucrativos), é equivalente à soma de apenas quatro importantes universidades americanas (UCLA US$ 9 bilhões[4], Stanford US$ 7 bilhões[5], Harvard US$ 5 bilhões[6] e MIT US$ 4 bilhões[7]).
Ou seja, o Brasil ainda não chegou aonde deveria em termos de escolaridade superior, mas seu modelo de crescimento está esgotado.
Na base desse problema, há um conjunto de causas, que podem ser agrupadas em três categorias (Figura 5):
Figura 5 – Causas da baixa taxa de escolaridade superior no Brasil
- Redução da demanda: conforme sinalizado anteriormente (Figura 1), desde 2007 a população em idade universitária no Brasil está reduzindo. Segundo projeções do IBGE[8], até 2060 o Brasil terá 5 milhões de jovens a menos do que em 2007, uma redução de 30%. Além disso, a evasão no Ensino Médio agrava o problema. A cada ano, 500 mil jovens maiores de 16 anos abandonam a escola no Brasil, e apenas metade dos jovens brasileiros terminam o ensino médio até os 18 anos[9]. A taxa de graduação do ensino médio no Brasil é de 60%, inferior à do México, Costa Rica, Colômbia e Chile[10].
- Limitações no acesso: as universidades públicas nunca tiveram condições de absorver a quantidade de egressos do ensino médio, o que tornou seu acesso historicamente elitista. De cada quatro alunos matriculados no ensino superior no Brasil, apenas um está em uma universidade pública. Além disso, conforme apresentado no Quadro 1, o modelo brasileiro de universidade pública demanda um volume recursos ao qual o orçamento do Estado não consegue suportar aumentos expressivos. Do lado da iniciativa privada, há limitada capacidade dos próprios alunos e suas famílias custearem suas mensalidades, já que programas como FIES e PROUNI não dão conta de acomodar todos, exceto em cursos de baixa demanda.
- Dificuldades na permanência: da mesma forma que ocorre no Ensino Médio, a evasão é um ponto importante no Ensino Superior. O estudo realizado pelo SEMESP[11] aponta 34% de evasão, ou seja, de cada 3 alunos que se matriculam em uma instituição de ensino superior no Brasil, apenas 2 se formam. Na base dessa evasão estão desde questões financeiras, até dificuldades de aprendizado e falta de aderência com o curso escolhido.
Propostas que tenham por objetivo aumentar a taxa de escolaridade superior no Brasil precisam ter em conta as causas sinalizadas nessas categorias.
Educação Básica ou Superior: qual deve ser a prioridade?
Muito se discute a respeito das prioridades das políticas públicas em educação, sobretudo em termos de investimento, e não é raro encontrar argumentos que o foco deve ser a Educação Básica. Todavia, os parágrafos a seguir irão demonstrar que não é possível separar a Educação Superior da Educação Básica e é um equívoco escolher prioridades com base nos níveis educacionais.
O Fullerton Longitudinal Study (FLS)[12] é um estudo contínuo de quatro décadas sobre o desenvolvimento humano desde a infância até a idade adulta. É um estudo colaborativo de pesquisadores de várias universidades e seu sucesso se deve ao empenho e dedicação dos participantes e das suas famílias. Periodicamente publica resultados de suas análises e, dentre eles, está um estudo feito ao longo de 28 anos que correlaciona a quantidade de tempo em que mães leem para seus filhos pequenos, com o desempenho educacional na idade adulta[13]. As conclusões são muito simples: quanto mais leitura nos primeiros anos, mais benefícios educacionais são obtidos no longo prazo.
Em outras palavras, a capacidade cognitiva de jovens na universidade depende dos estímulos que recebem nos primeiros anos de vida, mesmo antes do ingresso na educação básica. Esses achados são corroborados por inúmeros outros estudos. Em outro estudo[14], foi feita uma revisão crítica de 38 estudos sobre os efeitos de longo prazo de programas para a primeira infância em crianças em situação de pobreza e destacou os efeitos persistentes no desempenho e no sucesso acadêmico de adultos. Para o autor, os achados oferecem caminhos para investimentos públicos visando melhorar o desenvolvimento cognitivo de longo prazo e o sucesso acadêmico de crianças pobres.
No Brasil também há estudos desse tipo. Em um deles[15], foi feita uma profunda análise do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e demonstrou a influência do nível socioeconômico do aluno em seu desempenho, afirmando que a renda familiar, a escolaridade dos pais e outros fatores socioeconômicos explicam 80% das notas obtidas. Em outro estudo[16], os autores analisaram a influências desses fatores na mobilidade social e concluíram que os casamentos seletivos desempenham papel relevante na persistência da renda familiar, e a renda dos pais está fortemente associada a vários resultados importantes de longo prazo, como educação, gravidez na adolescência, ocupação, mortalidade e vitimização.
Esses achados demonstram a íntima relação da Educação Superior com a Educação Básica. Usualmente, essa relação é analisada apenas de forma progressiva, ou seja, na perspectiva da influência que tem a Educação Básica na Educação Superior. Todavia, os achados descritos demonstram haver também a relação inversa, ou seja, o impacto que a Educação Superior (dos pais) tem na Educação Básica (dos filhos). Em resumo, lares com baixa escolaridade têm estatisticamente mais dificuldade em ter filhos com melhor desempenho acadêmico na idade adulta.
Ainda que existam outliers, quais sejam, pessoas oriundas de famílias menos abastadas, mas que conseguem bons resultados acadêmicos na idade adulta, a grande maioria não consegue. Não é possível, assim, pensar em melhoria da educação no Brasil apenas de baixo para cima, ou seja, começando com a Educação Básica. Os estudos demonstram que o problema está em um ciclo vicioso: quanto pior a escolaridade dos pais, pior a performance acadêmica dos filhos, e quanto pior essa performance, pior a sua escolaridade enquanto pais. É como se fosse uma corrente. Não basta fortalecer apenas alguns elos, deixando outros mais frágeis. A força da corrente é medida por seu elo mais fraco. A Educação Básica depende da Educação Superior, e vice-versa.
Fortalecer a Educação Superior não é apenas uma forma de desenvolver profissionais para o mercado. Mais do que isso, é investir no desenvolvimento de pais e mães, que terão mais condições de estimular o desenvolvimento de seus filhos e filhas. Nenhuma política pública terá sucesso se não encarar o cenário como um todo e na perspectiva de gerações.
Modelos de Educação Superior em outros países
Modelo norte-americano
Nos EUA, os cursos superiores são divididos em “undergraduate” e “graduate”. Os cursos undergraduate, por sua vez, são divididos em “associate” e “bachelor”, enquanto os graduate são divididos em “master” de “doctorate”. Apesar de alguns traduzirem para o português os undergraduate como “graduação” e os graduate como “pós-graduação”, essa é uma equivalência imprecisa, posto que o modelo americano tem diferenças importantes[17]. Por exemplo, um curso de graduação em medicina nos EUA é classificado como graduate / doctorate, enquanto um curso de administração pode ser tanto undergraduate / bachelor quanto graduate / master[18]. O master e o doctorate nos EUA não são equivalentes ao “mestrado” e “doutorado” no Brasil, exceto quando são especificamente designados como “Master of Science (MSc)” ou “Philosophy Doctor (PhD)”.
São critérios um pouco confusos, ainda mais considerando particularidades de cada estado. Mas o importante aqui é entender a divisão do undergraduate em associate e bachelor. Dos cerca de 20 milhões de alunos que cursam cursos superiores nos EUA, mais de 10 milhões estão em cursos associate, principalmente nos chamados “community college”, um tipo de instituição capilarizada no território americano e que representa um primeiro acesso à Educação Superior em muitos casos[19]. O primeiro community college nos EUA é o Joliet Junior College[20], fundado em 1901 e tem como origem os junior colleges criados pelos land grant colleges, a partir do Morris Act de 1862[21].
Modelo europeu
Na Europa, os cursos superiores de graduação tradicionalmente eram bacharelados de longa duração e foi com base nele que o modelo brasileiro foi inspirado, principalmente na segunda metade do século XX. A maioria das universidades públicas do Brasil adotaram esse sistema, o qual depois veio influenciar fortemente o modelo empregado nas instituições privadas.
Todavia, a própria Europa vinha criticando esse modelo, a ponto de, em 1999, os ministros da educação de 29 países assinarem a “Declaração de Bolonha”[22], reformando e padronizando a educação superior, permitindo a mobilidade e intercâmbio de estudantes através do chamado “Programa Erasmus”[23]. Atualmente, 48 países fazem parte desse acordo[24], que dividiu os cursos superiores em ciclos de 2 a 3 anos (“bachelor”, “master” e “doctoral”).
Todavia, vale notar que, da mesma forma que ocorre nos EUA, o master e o doctoral na Europa não equivalem necessariamente ao mestrado e doutorado no Brasil. Na maioria dos casos, são aprofundamentos profissionais em determinadas áreas. A estrutura básica do modelo de Bologna é o 3-2-3, ou seja, bacharelado em 3 anos, mestrado ou qualificação profissional em mais 2, e formação avançada – doutorado, medicina – em mais 3.
Modelo asiático
Na China, a Educação Superior possui quatro estágios [25] [26]:
- zhuanke(专科): non-degree, 2 a 3 anos
- benke (本科): bachelor, 4 a 5 anos
- shuoshi (硕士): master, 2 a 3 anos
- boshi (博士): doctor, 3 a 4 anos
O modelo, ainda que longo, permite articular os níveis[27]. Por exemplo, concluintes de cursos zhuanke podem obter um diploma benke com mais 2 a 3 anos.
Na Coreia do Sul, o modelo é semelhante ao norte-americano, com o junior college (2 a 3 anos) como nível de entrada[28]. A Índia, por sua vez, segue um modelo similar ao europeu pós Bolonha, com bachelor (3 a 5 anos), master (1 a 2 anos) e doctoral (3 a 6 anos)[29].
A proposta
O texto a seguir apresenta uma proposta que consiste em separar os cursos superiores de graduação em dois ciclos: formação vocacional e formação profissional, de forma semelhante ao que é feito nos EUA, na Europa e na Ásia. Também é sugerida a criação de um exame para validação de conhecimentos básicos adquiridos (Enap). A proposta traz diversos benefícios, tais como democratizar o acesso à Educação Superior e fomentar a qualidade da educação em todos os níveis (Figura 6).
Figura 6 – Esquema da proposta para o novo modelo da Educação Superior no Brasil
* Enem = Exame Nacional do Ensino Médio
* Enade = Exame Nacional de Desempenhos dos Estudantes
* Enap = Exame Nacional Pré-Profissionalizante (ver detalhes adiante)
Conceito geral
Atualmente, o Brasil possui a seguinte estrutura em termos de cursos superiores[ii]:
1. Cursos de graduação:
- Cursos Superiores de Tecnologia (“Tecnológicos”)[iii]
- Licenciaturas
- Bacharelados
2. Cursos de pós- graduação:
- Pós-graduação Lato Sensu (especializações, MBAs etc.)
- Pós-graduação Stricto Sensu (mestrado e doutorado)
Pela proposta aqui apresentada, a estrutura passaria a ser a seguinte:
1. Cursos de graduação:
- Cursos Superiores de Formação Vocacional (CFV)
- Cursos Superiores de Formação Profissional (CFP)
2. Cursos de pós-graduação
- Pós-graduação Lato Sensu (especializações, MBA etc.)
- Pós-graduação Stricto Sensu (mestrado e doutorado)
Notar, assim, que a proposta se refere especificamente aos cursos de graduação. A pós-graduação permanece como está. Isso não impede, que todavia, o modelo da pós-graduação seja revisto oportunamente. A distinção entre pós-graduação Lato e Stricto Sensu, exclusiva do Brasil, poderá ser revista, no sentido de se inspirar em modelos mais avançados adotados em outros países.
Cursos Superiores de Formação Vocacional (CFV)
- São cursos com carga horária de 1200 a 2400 horas[iv] totais, que buscam uma rápida colocação do egresso no mercado de trabalho, em atividades não regulamentadas.
- Os atuais cursos tecnológicos estão abrigados nessa categoria e continuam seguindo as mesmas definições que constam no Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia do MEC.
- Também estarão nessa categoria os cursos de formação genérica, similar aos cursos em “liberal arts” dos “community colleges” dos EUA, tais como os “bacharelados interdisciplinares” atualmente existentes em algumas instituições.
- Os cursos podem ter percursos flexíveis, que permitam o aluno completá-lo em diferentes instituições e mesmo criando formações ainda inexistentes, que possibilitem capturar rapidamente novas demandas da sociedade e do mercado de trabalho.
- Processos regulatórios:
- Os processos regulatórios são simplificados, é feito cadastro prévio no eMEC e anualmente a instituição passa por auditoria independente, privada, credenciada e supervisionada pelo Inep. Essa auditoria substitui os atuais processos de autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento.
- Não há diferenças regulatórias para as modalidades presencial e a distância. As condições de oferta são auditadas em função do que se encontra apresentado nos projetos pedagógicos.
- Alunos dos CFVs não fazem Enade, portanto não há indicadores como CC e CPC[v] para esses cursos, porém será feito o controle da qualidade acadêmica no âmbito institucional, por ocasião da auditoria anual descrita anteriormente.
- Poderá haver um credenciamento institucional diferenciado, para instituições que queiram ofertar apenas CFVs, ou seja, não ofereceriam CFPs.
- Nesse caso, o credenciamento é simplificado, sendo feito um cadastro prévio no eMEC, sendo que a instituição é submetida à auditoria anual citada acima.
- Instituições com credenciamento diferenciado não possuem indicadores como CI e IGC, mas a qualidade é assegurada através da auditoria anual descrita anteriormente
- Instituições com credenciamento diferenciado podem oferecer cursos de pós-graduação lato sensu, mas não stricto sensu.
Corpo docente:
- Professores dos CFVs seguem necessitando de diploma de pós-graduação, mas serão também aceitos docentes sem esse diploma, desde que possuam ao menos 180 horas em curso de extensão em formação para o magistério.
- Ainda que o foco do corpo docente dos cursos com terminalidade vocacional seja a experiência de trabalho, a exigência mínima de formação para o magistério seria uma transição mais segura com relação às atuais exigências de pós-graduação.
- Professores graduados em licenciaturas estão dispensados desse curso de formação para o magistério.
- A própria instituição pode oferecer esse curso de formação para o magistério.
Cursos Superiores de Formação Profissional (CFP)
- Os atuais bacharelados e licenciaturas são considerados como CFPs, porém só podem admitir alunos que tenham feito previamente um CFV, ou seja, o processo passa a ser dividido em dois ciclos.
- A carga horária dos CFPs seria bem flexível, conforme a natureza de cada curso, a partir de 2400 horas totais. Por exemplo, um CFV inicial de 1600 horas em ciências sociais poderia ser complementado com um CFP de 2400 horas que daria um título de economista ou sociólogo. Isso também vale para as engenharias, com um CFP de 2400 horas precedido por um CFV de 1600 ou 2400. A Medicina, por sua vez, seria um CFP de 3200 horas ou mais.
- Aqui também vale a possibilidade de percursos flexíveis, que permitam o aluno completar o curso em diferentes instituições e/ou criando formações ainda inexistentes, desde que entre instituições credenciadas para a oferta de CFPs.
Processos regulatórios:
- De maneira geral, os processos regulatórios dos CFPs continuam da mesma forma que atualmente, sejam institucionais (credenciamento e recredenciamento), sejam de curso (autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento). Permanecem os atuais indicadores CC, CI, Enade, CPC e IGC, ressalvados os comentários anteriores sobre uma eventual reforma no processo de avaliação atualmente vigente.
- Todavia, deixam de existir as diferenças as diferenças regulatórias para as modalidades presencial e a distância. As condições de oferta são auditadas em função do que se encontra apresentado nos projetos pedagógicos.
Corpo docente:
- Os professores dos CFPs continuam precisando ter pós-graduação, mas as instituições poderão admitir até 10% de professores sem pós-graduação, desde que possuam ao menos 180 horas em curso de extensão em formação para o magistério ou sejam licenciados.
- A CAPES deve recomendar a inclusão de 180 horas de formação para o magistério, especialmente nos mestrados acadêmicos.
Exame Nacional Pré-Profissionalizante (Enap)
O presente texto também propõe a criação de um exame para a validação de conhecimentos básicos adquiridos que poderá ser usado pelas instituições como critério opcional de admissão aos CFPs, o “Exame Nacional Pré-Profissionalizante” (Enap). Seria um percurso alternativo de acesso aos CFPs, dispensando a necessidade prévia de um CSV.
Atualmente, existem dois exames realizados pelo Inep/MEC relacionados à Educação Superior:
- ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio (realizado antes do início da graduação)
- ENADE: Exame Nacional de Desempenhos dos Estudantes (realizado ao fim da graduação)
A proposta é criar um terceiro exame, intermediário aos existentes, passando a ficar dessa forma:
- ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio (realizado antes do início da graduação)
- ENAP: Exame Nacional Pré-Profissionalizante (realizado antes do início dos CFPs)
- ENADE: Exame Nacional de Desempenhos dos Estudantes (realizado ao fim da graduação)
A prova do exame seria elaborada pelo Inep/MEC, a partir de um banco de questões por ele criado. Mas a sua aplicação seria feita por certificadoras privadas, credenciadas e fiscalizadas pelo Inep/MEC. As certificadoras pagariam taxas ao Inep/MEC, suficientes para custear a elaboração do banco de questões e as despesas com fiscalização. As certificadoras, por sua vez, cobrariam das pessoas que querem se submeter ao Enap, o qual seria realizado em fluxo contínuo, a qualquer momento.
As pessoas portadoras de um certificado de aprovação no Enap poderiam apresentá-los às IES, as quais poderiam ou não o aceitar para fins de admissão em seus CFPs, dispensando a necessidade de prévia conclusão de um CFV. Guardadas as devidas proporções, o Enap seria uma espécie do antigo “supletivo” para a educação superior.
Novamente, no caso de se considerar oportuna a discussão da reforma do processo de avaliação atualmente existente sob a égide da Lei do SINAES, incluindo os exames ENEM e ENADE, a conveniência de se introduzir um novo exame deve ser revista. Todavia, deve ser preservada a essência desse novo exame, enquanto instrumento para facilitar o acesso à educação superior.
Como essa proposta ajuda a resolver os problemas citados
No início desse texto foram sinalizados três grupos de causas que limitam a expansão do acesso à educação superior no Brasil: redução da demanda, limitações no acesso e dificuldades na permanência.
Quanto à redução da demanda, obviamente não há o que ser feito em termos demográficos, já que o envelhecimento das populações é um fenômeno mundial. Todavia, essa proposta traz avanços no sentido de reduzir a evasão do ensino médio. O recente estudo FIRJAN/PNUD9 aponta um conjunto de recomendações com “potencial para combater a evasão escolar entre jovens brasileiros”. Dentre elas está a interação com o mundo do trabalho e separar a etapa da graduação em ciclos vocacionais e profissionais é um grande passo nesse sentido. Da forma como o sistema está estruturado hoje, há uma grande distância entre a conclusão do ensino médio e a conclusão da graduação superior, especialmente sob a perspectiva da visão de curto prazo típica dos jovens. Os CFVs representam uma aproximação entre esses dois níveis educacionais, ajudando-os no planejamento da escolha dos itinerários formativos e da carreira profissional pós-ensino médio. Além disso, os jovens ganham mais tempo para tomar a decisão em qual profissão seguir e decidirão em idade com mais maturidade. Dois anos nessa idade, por exemplo, fazem muita diferença.
Outro ponto importante é que os CFVs podem aliviar a pressão no vestibular/Enem, permitindo que as escolas de ensino médio possam ser mais criativas e inovadoras em seus modelos pedagógicos, sem ter a pressão de formar para uma prova. Essas escolas podem, por exemplo, focar mais na formação para a cidadania, bem como estimular a recuperação das aprendizagens para evitar a reprovação, outra importante recomendação da FIRJAN/PNUD9.
Também é importante considerar os benefícios na Educação Básica como um todo, decorrentes da ampliação do acesso ao Ensino Superior. Mais escolaridade superior significa pais com mais repertório e com mais capacidade de impactar positivamente o desenvolvimento de seus filhos nos primeiros anos de vida, o que traz benefícios cognitivos de longo prazo, conforme mencionado anteriormente.
Sob a ótica da limitação do acesso, seria possível expandir consideravelmente a oferta de vagas nas instituições públicas, já que a natureza dos CFVs, menos complexa, permite um modelo mais escalável e mais eficiente na alocação dos recursos. Por exemplo, a criação de “institutos federais de formação vocacional” poderia viabilizar uma rápida expansão de vagas, sem o peso do atual modelo das universidades públicas, as quais, por sua vez, manteriam sua missão científica e profissional, recebendo alunos mais qualificados, permitindo uma melhor aplicação de seu orçamento.
Nas instituições privadas, os CFVs poderiam ser oferecidos com valores de mensalidade mais acessíveis e ao chegar aos CFPs, os alunos já teriam uma formação vocacional prévia, permitindo melhores empregos e mais condições de custear suas mensalidades, para aqueles que trabalham enquanto estudam.
Além disso, a possibilidade do ingresso em etapas mais adiantadas através do Enap, ainda que seja opcional para as instituições, permitirá o surgimento de inúmeras iniciativas de inclusão. ONGs, coletivos em comunidades, igrejas, municípios e diversos tipos de organizações poderão oferecer programas de formação para o Enap, sem onerar o orçamento público. O Brasil tem quase seis mil municípios. Se em cada um houver ao redor de 200 alunos nesses programas de formação, em um piscar de olhos, haverá mais de um milhão de alunos estudando, sem que governo precise gastar um tostão.
Quanto às dificuldades na permanência, além das vantagens no custeio das mensalidades citadas no ponto anterior, haveria mais engajamento dos alunos por conta da perspectiva mais curta de obtenção de um diploma. Todos os que evadem hoje na Educação Superior saem de mão vazias. Pela proposta apresentada, boa parte deles teria ao menos um diploma de um CFV.
Outro ponto importante destacar é a possibilidade de haver percursos flexíveis, mencionada nessa proposta. Com ela, as instituições podem ter uma oferta adaptativa, considerando não apenas o interesse e afinidade de cada aluno, mas também suas dificuldades e necessidades em termos de aprendizado, com substancial impacto na sua permanência.
Além disso, nos CFPs, cursos como Medicina, Enfermagem, Direito, Psicologia, Engenharia, entre outros, teriam a vantagem de receber alunos melhor preparados e com mais maturidade.
Marco regulatório
A implantação da presente proposta demandará alteração em diversos dispositivos regulatórios e será necessária uma força-tarefa para organizar e encaminhar as necessárias mudanças. Dentre outros, necessitarão de ajustes os seguintes dispositivos:
Lei 9.394, de 20/12/ 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
Lei 10.861, de 14/04/2004 Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES
Resolução CNE/CES 2, de 18/06/ 2007 Carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação
Portaria Normativa MEC 8, de 28/04/2016 Indicadores de qualidade para a Educação Superior
Decreto 9.057, de 25/05/2017 Dispõe sobre a Educação a Distância
Decreto 9.235, de 15/12/2017 Regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior
Portaria MEC 23, de 21/12/ 2017 Fluxo dos processos institucionais e de cursos na Educação Superior
Como pode ser observado, essas mudanças irão demandar um esforço razoável para adaptar o marco regulatório existente, bem como para criar mecanismos de transição. Todavia, a atual sobrecarga de processos será drasticamente reduzida, posto que haverá o suporte de auditorias e certificadoras independentes, desafogando boa parte dos gargalos que existem historicamente.
Conclusões
O mundo está evoluindo rapidamente. Os avanços tecnológicos estão mudando a forma como as pessoas se relacionam entre si e com as diferentes organizações, sejam elas empresas, institutos ou mesmo escolas. Não resta dúvida que diversas ocupações deixarão de existir. Segundo estudo da Mckinsey[30], o mix de ocupações deverá mudar nos próximos anos, com pouco crescimento de empregos em ocupações de baixa remuneração. As exigências aumentaram, a barra subiu, e o ingresso no mercado de trabalho demanda cada vez mais qualificações, em especial na área de tecnologia.
Isso significa que países que não ampliarem o acesso à educação superior verão o fosso da desigualdade social aumentar. Por outro lado, são notórias as limitações de orçamento e as dificuldades com inflação e desemprego por que todos os países passam. Mais do que nunca são necessárias ideias criativas para soluções inovadoras que sejam possíveis de serem implementadas nesse cenário.
O Brasil possui uma arcaica estrutura monolítica em sua educação superior, algo que foi abandonado por praticamente todos os países desenvolvidos há muito tempo. Os cursos tecnológicos não resolveram essa situação, pois não há articulação com os bacharelados, ou seja, não há garantias de aproveitamento dos créditos cursados.
Se o modelo da educação superior no Brasil deixar de ser um conceito binário (cursou ou não cursou), será possível capilarizar sua estrutura, criando escadas para ampliar, facilitar e estimular o acesso a diferentes níveis, permitindo diferentes arranjos e percursos. Notar que, à parte o esforço regulatório descrito, essa é uma proposta de implantação simples, sem ônus adicional ao Estado.
Na perspectiva das instituições públicas, será possível criar estratégias para que os níveis mais altos da hierarquia acadêmica fiquem no âmbito federal e a capilaridade dos níveis mais baixos seja oferecida pelos demais âmbitos, em especial os municipais. Atualmente, universidades públicas federais, estaduais e municipais possuem a mesma estrutura e desempenham o mesmo papel no ecossistema. Isso não faz sentido.
Do lado da iniciativa privada, as instituições terão mais flexibilidade para escolher sua vocação, seja ela em ensino de massa para os primeiros níveis, seja ela em estudos avançados e pesquisa. Essa flexibilidade permitirá a definição de modelos financeiros mais sustentáveis. Algumas instituições, por exemplo, poderão focar na educação de massa, principalmente no nível de acesso com ampla oferta de CFVs. Já outras instituições poderão se concentrar em cursos mais avançados, com ênfase nos CFPs.
Importante destacar que os mecanismos de controle de qualidade apresentados, baseados em auditorias regulares, vão evitar problemas que existem hoje, em que por vezes uma grande entrada de estudantes deixe ônus de uma formação ruim com o aluno, enquanto o bônus do aumento no faturamento fique apenas para a instituição. Esse é um vício que existe no modelo atual, em que instituições ruins que têm afluxo grande de estudantes, tenham como prioridade o próprio lucro, enquanto o estudante com uma formação insatisfatória não se insere no mercado de forma equilibrada com o diploma que ele tem.
Por fim, mais gente estudando, não importa o nível, significa um incremento na média geral em termos de capacidade crítica e densidade intelectual. Isso representa famílias mais escolarizadas, o que é uma etapa fundamental para que as futuras gerações possam crescer em lares mais escolarizados, desenvolvendo sua capacidade cognitiva. Apenas através da educação é possível conquistar o desenvolvimento de uma nação, sua soberania e justiça social. Não há outro caminho.
Agradecimentos
As pessoas abaixo assinaladas contribuíram para o aperfeiçoamento desse documento. Isso não significa, todavia, que necessariamente apoiam ou concordam com a redação final, no todo ou mesmo em parte. A menção desses nomes tem apenas o objetivo de expressar gratidão pelo tempo que dedicaram para analisar, criticar e propor alterações ao texto original.
- Ana Garcia
- Carmen Luiza da Silva
- Celso Niskier
- Dâmares Ferreira
- Geraldo Magela Moraes Jr.
- Henrique Sartori
- Ig Ibert Bittencourt
- João Vianney
- Marcelo Sansini
- Paula de Santis Bastos
- Simone Benck
- Simon Schwartzman
- Thais Reis
- Victor Loyola
Notas
[i] FIES: programa de financiamento estudantil mantido pelo Governo Federal
[ii] Não estão considerados os cursos sequenciais, que estão praticamente em extinção no Brasil
[iii] O termo “tecnológico” se aplica aos cursos desse tipo. Já o termo “tecnólogo” refere-se à pessoa egressa desses cursos.
[iv] Nesse texto, todas as referências à expressão “horas” significam horas-relógio de 60 minutos
[v] Essa proposta não inclui uma revisão do sistema de avaliação atualmente existente sob a égide da Lei do SINAES. Isso não impede, todavia, que uma discussão mais ampla inclua esse assunto na reforma.
Referências
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