A questão do uso excessivo de celulares conectados, especialmente por jovens, é um fato. Realidade que demanda uma legítima preocupação de todos, principalmente de educadores. No entanto, dada a absoluta relevância do tema, temos que ser precisos e profundos. Soluções superficiais ou descontextualizadas podem agravar ainda mais esse problema complexo.
Tenho ouvido bem-intencionados educadores brasileiros tendendo a sugerir a proibição ou desestímulo à educação digital em sala de aula na educação básica. Citam com alguma frequência os exemplos suecos e holandeses, onde eles caminham para excluir os computadores/celulares das salas de aula. Basear-se em experiências exitosas em outras realidades pode ser similar, eventualmente, a prescrever um bom remédio para a doença errada. Ainda que bom, se aplicado errado, mata!
Nas citadas Suécia e Países Baixos, os índices de residências com computadores acessíveis com boa qualidade de conexão, com acesso pleno às crianças em ambientes domésticos, atingem quase 100%. Além disso, a escolaridade média dos pais é no mínimo o ensino médio, prevalecendo a formação de nível superior.
Vejamos algumas comparações simples com a realidade brasileira. Segundo pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), entre 2019 e 2021 (período pandêmico), a presença de computadores conectados nos lares com renda mensal superior a R$ 22 mil saltaram de 95% para 99% (universalização). Paradoxalmente (mas compreensível), na faixa de renda entre R$ 2 mil e R$ 7 mil, o percentual diminuiu de 44% para 41%. Mais grave ainda, nas residências com renda de até um salário-mínimo (quase um terço do país), a proporção caiu de 14% para 11%.
Em resumo, os mais ricos (em geral, com pais mais escolarizados) ficaram mais conectados e os pobres (lares com pais menos escolarizados) tornaram-se mais carentes ainda. Provavelmente, o acesso de qualidade à internet deve ter melhorado entre os de faixa de renda mais alta e nenhuma indicação de que o acesso de qualidade tenha se alterado para as faixas de renda menores. Ou seja, para estes não basta ter computador, pois mesmo quando ele existe a velocidade é lenta e intermitente, inviabilizando o uso educacional.
Quanto às escolas da educação básica, a recente pesquisa TIC Educação da CGI.br, mostra que apenas 58% das escolas contam com computadores e internet. Lembrando que mesmo entre essas instituições não necessariamente é o aluno que tem acesso adequado, podendo ser somente para efeitos administrativos. Tal qual é a realidade da escola pública minha vizinha aqui em Copacabana. Em resumo, não erra quem apostar que na imensa maioria das escolas públicas de Educação Básica os alunos, de fato, não têm educação digital incorporada plenamente ao processo de aprendizagem.
Atualmente, a última escala social (os mais excluídos mesmo entre os já desfavorecidos) são os analfabetos. Por não saberem ler e escrever não se comunicam adequadamente, não tem acesso aos empregos de qualidade e sequer conseguem usufruir dos serviços públicos, mesmo quando eles são universalizados. Este quadro é só uma fotografia porque a dinâmica mostra que, em breve, os mais excluídos de todos serão aqueles que não desfrutarem do acesso mínimo ao mundo digital. O analfabetismo digital será muito mais excludente do que o analfabetismo decorrente da falta de letramento clássico.
Para as crianças pobres e da classe média baixa (a imensa maioria deste país), na prática, a única esperança de letramento digital adequado é a escola. Em geral, seus pais passaram longe da possibilidade de uma formação superior (a maioria concluiu o Fundamental e não terminou o Médio). Portanto, mesmo que queiram, são incapazes de no ambiente doméstico suprir a ausência de um programa de letramento digital escolar.
Em suma, desestimular o uso frequente de celulares/computadores no ambiente escolar acho justificado/indicado para países mais avançados. Ou mesmo para as escolas de elite no Brasil, para as quais medidas similares, eventualmente, também se aplicariam. Por sua vez, aquilo que aparenta ser (e é!) uma ótima medida educacional naquelas contextos, pode constituir crime, em outros cenários. Na verdade, no caso, um crime educacional grave, no contexto amplo da educação pública brasileira.
Em tempo: educar digitalmente transcende, em muito, os usos passivos e viciantes de Face, Insta, Whatsapp e similares. Mais, é preciso educar digitalmente (também) para utilizarmos e entendermos adequadamente o conjunto de aplicativos disponíveis.
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