O ensino superior brasileiro, a exemplo de todos os demais níveis educacionais, está em eterna dinâmica de transformação. Porém, tendo em vista a velocidade das mudanças em curso nas demais áreas da sociedade contemporânea, seu ritmo está bem aquém.
José Ortega y Gasset, pensador espanhol, fez uma surpreendente comparação ao destacar a semelhança entre as dificuldades em modificar uma universidade e mover de endereço um cemitério. A analogia, segundo ele, é que os que lá residem ajudam pouco nas mudanças.
De fato, no que concerne às aulas tradicionais, especialmente as atividades presenciais, pouco tem se alterado ao longo de décadas. Salvo powerpoints e equivalentes, em geral. O mundo extra educação tem se alterado com rapidez e profundidade absurdas, enquanto as metodologias educacionais adotadas têm se mantido, na prática, na maioria dos casos, essencialmente as mesmas.
O que esperar de um profissional, egresso de um curso superior, é tudo menos o mesmo, se compararmos décadas atrás com os tempos atuais. Um grande complicador é que o que se espera atualmente, em termos de competências, inclui os requisitos de ontem, demandando novos atributos sem renunciar aos anteriores.
Um resumo de todas as mudanças está na diferenciação entre competência técnica e competências múltiplas. Houve um período que era quase suficiente o domínio de um conjunto razoavelmente delimitado de conhecimentos, associado a um elenco restrito de técnicas e procedimentos básicos contidos nos currículos padrão definidos para cada profissão.
Cumpridos os créditos previstos, estava o formando preparado para aprender mais no exercício profissional, completando sua formação. Era dessa maneira pela simples razão que funcionava. O dilema atual é que simplesmente não funciona mais.
A radicalidade das mudanças necessárias invade todos os aspectos e ambientes, incluindo o espaço físico. No entanto, a sala de aula é sempre a mesma e reproduz e reforça o padrão do bom comportamento desejável do estudante calado. Sentado em fileiras, invariavelmente bem separadas e organizadas tal que, dispostos um atrás do outro, estejam maximamente distanciados. Preparados para copiar a fala do professor e estudar depois, tal como previsto e apregoado. O espaço organiza a não interação, o não discurso entre os pares, em total não sintonia com o mundo do trabalho em que os estudantes, no futuro, estarão imersos em suas vidas profissionais.
Em complemento à competência técnica, existem múltiplas habilidades a serem desenvolvidas e estimuladas. Entre elas, destaco as habilidades metacognitivas (tratadas mais diretamente em outros artigos), a competência emocional, a capacidade de trabalhar em equipe e a vivência em laboratórios no enfrentamento de situações problemas, elementos em geral inexistentes, ou pouco explorados, nos currículos típicos.
O aspecto comportamental é absolutamente crucial quando um profissional se depara com um problema inédito, um tema inovador ou tecnologias recentes. Se ao longo do período escolar, o qual é rigorosamente infindo, essas emoções, que preparam para enfrentar desafios, não foram trabalhadas, este suposto cidadão, ainda que dominando as técnicas convencionais, terá enorme chance de fracasso.
Outra capacidade associada às novas competências é o trabalho em equipe. No passado recente os exercícios profissionais eram atos majoritariamente isolados, à semelhança dos processos avaliativos típicos, onde a relação básica era entre um problema discreto e um indivíduo. No futuro próximo, a imensa maioria dos desafios, em qualquer profissão, envolve um grupo de atores e um somatório de questões complexas e inter-relacionadas.
Não é mais aceitável que a preparação para ambientes tão distintos, o passado e o futuro, seja a mesma. No entanto, em que pesem boas iniciativas recentes, em boa parte das práticas educacionais, os processos avaliativos ainda se baseiam em relações simples e singulares entre um educando isolado e um problema discreto e dissociado.
A competência de liderança dos estudantes, a capacidade de tomar iniciativa, a habilidade gerencial, a valorização do potencial criativo e da sensibilidade quanto ao ambiente em que estão imersos são atributos que raramente estão presentes nas avaliações, tanto de ingresso como de saída, dos estudantes de graduação.
O papel síntese das experiências em laboratórios, o incentivo aos trabalhos em grupo, a valorização do hábito de estudar antes das aulas, o estímulo à criatividade e o despertar da sensibilidade que reconhece no outro, e em si mesmo, as qualidades, peculiaridades e limitações são práticas pouco, ou nada, exercitadas nas metodologias clássicas adotadas.
Para tratar do avesso do avesso, insisto que nada disso isenta a necessidade de profundo conhecimento dos aspectos técnicos específicos (capacidade técnica). Os estímulos às novas competências não menosprezam o conhecimento tradicional e mesmo os procedimentos padrão de avaliação. Não se trata de substituir, mas sim de agregar. Ensinar não ficou mais simples, transformou-se em mais complexo, como a vida e o mundo do trabalho que nos cerca.
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