Nessa semana, meu desejo era escrever sobre o legado que a educação deve deixar na sociedade. Para tal, me dispus a analisar de que forma trabalhamos em sala de aula e se o que estamos (re)produzindo têm chance de deixar um legado ou não. Nesse sentido, recorri a umas das maiores filósofas do século XX. Hannah Arendt, e as suas definições sobre o que é trabalho e sobre o que é obra. A reflexão sobre o ambiente educacional, especificamente a sala de aula, sob a luz dos conceitos de trabalho (labor) e obra (work) de Hannah Arendt, oferece um olhar profundo sobre a natureza e os objetivos da educação. Arendt, em seus textos, faz uma distinção clara entre trabalho, obra e ação, que podem ser explorados para entender melhor a dinâmica e a finalidade da educação contemporânea.
Na filosofia de Hannah Arendt, "trabalho" (labor) refere-se às atividades necessárias para a manutenção da vida biológica, caracterizadas pela repetitividade e impermanência. Por outro lado, "obra" (work) está associada à criação de um mundo durável, através da construção de artefatos e instituições que perduram no tempo. Essa distinção é essencial para compreendermos como diferentes atividades educacionais se alinham com esses conceitos.
A sala de aula pode ser vista como um espaço onde o "trabalho" ocorre de várias maneiras. O ensino e a aprendizagem diárias muitas vezes envolvem atividades repetitivas e necessárias para a aquisição de conhecimento básico e habilidades fundamentais. A memorização de fatos, a prática de cálculos matemáticos e o domínio da gramática são exemplos de trabalho educativo, pois são atividades que sustentam o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, mas não necessariamente criam algo duradouro por si mesmas.
Contudo, a educação não se limita ao “trabalho”. Quando analisamos a sala de aula sob a perspectiva da "obra", consideramos aquelas atividades que contribuem para a formação de indivíduos capazes de interagir com o mundo de forma significativa e duradoura. Projetos de pesquisa, criação de arte, elaboração de ensaios e debates filosóficos são atividades que transcendem o trabalho diário e contribuem para a construção de um mundo comum e compartilhado. Essas atividades engajam os estudantes na produção de obras que podem influenciar sua visão de mundo e sua capacidade de ação no espaço público.
A integração de “trabalho” e “obra” na prática educacional é fundamental para uma educação completa e significativa. Enquanto o trabalho assegura que os estudantes adquiram os fundamentos necessários para sua sobrevivência e participação básica na sociedade, a obra os prepara para serem criadores e participantes ativos no mundo.
Na sala de aula, isso pode ser realizado através de uma pedagogia que valorize tanto a repetição e a prática quanto a inovação e a criatividade. Por exemplo, um currículo que inclua leitura e análise de textos clássicos (trabalho) juntamente com a produção de projetos originais ou participações em eventos e congressos (obra) oferece um equilíbrio saudável entre os dois conceitos.
E em relação ao professor? Suas atividades, atualmente estão mais focadas no “trabalho” ou na “obra”? Atualmente, o papel do professor parece estar predominantemente focado no "trabalho". As pressões do sistema educacional, especialmente em termos de preparação para exames padronizados e avaliações de desempenho, exigem que os professores dediquem grande parte do seu tempo a atividades repetitivas. Além disso, as demandas administrativas e burocráticas consomem uma parte significativa da energia dos professores, deixando menos espaço para a criação de obras duradouras. Por exemplo, professores do ensino médio e superior frequentemente passam horas preparando os alunos para exames nacionais, preenchendo relatórios de desempenho e participando de reuniões de planejamento, atividades que são essenciais para o funcionamento do sistema educacional, mas que não necessariamente contribuem para a criação de um legado intelectual duradouro.
Para integrar “trabalho” e “obra” de maneira equilibrada, é necessário repensar as políticas e práticas educacionais. Reduzir a ênfase em avaliações padronizadas e valorizar metodologias de ensino inovadoras pode ajudar a liberar os professores das tarefas mais repetitivas e permitir que se dediquem mais à criação de experiências educacionais significativas.
No entanto, apesar das pressões, existem espaços e momentos em que os professores podem se engajar na "obra". Projetos interdisciplinares, atividades criativas, iniciativas de pesquisa e oportunidades para discussões profundas sobre temas complexos permitem que os professores e alunos transcendam as tarefas cotidianas e participem de um processo educacional mais significativo e duradouro. Essas atividades criam um legado intelectual e cultural que contribui para a formação de indivíduos capazes de atuar de maneira crítica e inovadora no mundo.
Conclusão
A sala de aula, sob a perspectiva de Hannah Arendt, é um microcosmo onde as atividades de “trabalho” e “obra” devem se encontrar e se complementar. Ao reconhecer e valorizar essa dualidade, podemos desenvolver estratégias educacionais que não apenas preparem os alunos para a vida cotidiana, mas também os capacitem a contribuir de forma duradoura e significativa para a sociedade. Assim, a educação se torna um processo contínuo de construção do mundo, onde cada geração de alunos participa da criação de um legado comum que transcende o tempo.
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