Discutir a qualidade no ensino superior não é apenas um exercício técnico. Trata-se de uma questão essencialmente política e formativa, que diz respeito aos sentidos atribuídos à educação universitária e aos projetos de sociedade que orientam o funcionamento das instituições. Ao se questionar o que é uma universidade de qualidade, está-se, ao mesmo tempo, decidindo o que se espera da formação de seus estudantes, de seus docentes e da produção de conhecimento que ali se desenvolve.
Em avaliações institucionais, especialmente em contextos regulatórios nacionais, a qualidade costuma ser medida por dois grandes conjuntos de indicadores: os orientados a processos e os orientados a resultados. Embora operem de maneiras distintas, ambos são expressões de diferentes modos de compreender a missão institucional da universidade e os efeitos esperados de sua atuação.
Os indicadores orientados a processos focalizam os meios utilizados pela instituição para realizar suas atividades. São observadas variáveis como a qualificação docente, a infraestrutura física e tecnológica, os documentos institucionais que regem os cursos, além das metodologias e políticas internas. O pressuposto aqui é que, ao garantir boas condições de funcionamento, aumenta-se a probabilidade de que a formação ocorra com qualidade. Esses indicadores são úteis, especialmente em cenários de expansão rápida do ensino superior, pois ajudam a controlar a entrada de instituições que operam com estruturas precárias ou frágeis.
Contudo, quando a avaliação se concentra exclusivamente nesses indicadores, há o risco de se promover uma visão reducionista da qualidade, centrada na conformidade com normas e procedimentos. Cumprir requisitos formais pode se tornar um objetivo em si mesmo, em detrimento da reflexão crítica sobre os efeitos formativos da instituição. A qualidade, nesse caso, corre o risco de ser tratada como um conjunto de exigências burocráticas, e não como um compromisso com a formação humana e com a transformação social.
Já os indicadores orientados a resultados direcionam o olhar para os efeitos concretos da formação universitária. São considerados dados como o desempenho dos estudantes em exames externos, a taxa de conclusão dos cursos, a inserção profissional dos egressos, a produção científica com participação estudantil, e o impacto social de projetos de extensão e inovação. Esses indicadores apontam para uma concepção de qualidade que não está apenas nos meios, mas nos efeitos do processo educativo — ou seja, no que os estudantes são capazes de fazer, transformar e construir a partir da formação recebida.
Essa abordagem coloca a universidade diante de uma responsabilidade mais ampla: não basta apenas oferecer boas condições — é preciso demonstrar que aquilo que se oferece resulta, de fato, em experiências formativas relevantes, em produção de conhecimento significativa e em contribuição efetiva à sociedade. Avaliar resultados, portanto, é também um gesto ético, pois torna visível o impacto da educação na vida das pessoas e na dinâmica social.
No entanto, avaliar resultados também implica desafios. Muitos dos efeitos da formação universitária são de natureza complexa e se manifestam em prazos longos. Há ainda fatores externos que influenciam esses resultados — como o contexto econômico, as redes sociais dos estudantes, a realidade regional — o que torna difícil isolar o impacto exclusivo da formação acadêmica. Por isso, a leitura dos dados de resultado deve ser sempre crítica e contextualizada, evitando conclusões apressadas ou descoladas da realidade institucional.
Quando se insere a perspectiva da inovação nesse debate, os indicadores orientados a resultados ganham ainda mais importância. Inovar, no campo da educação, não é apenas aplicar novas tecnologias ou mudar metodologias, mas criar condições para que novas formas de pensar, agir e transformar possam emergir. São os resultados — e não os protocolos — que indicam se uma instituição é capaz de responder aos desafios do presente com criatividade, criticidade e compromisso social.
Uma universidade que forma sujeitos capazes de intervir com consciência em seus territórios, que promove práticas de ensino que articulam teoria e realidade, que desenvolve pesquisas conectadas com problemas concretos e que estabelece relações produtivas com a comunidade, é uma universidade que inova — mesmo que seus processos institucionais ainda sejam marcados por limitações. A inovação está menos na forma do que no efeito: menos no que se declara e mais no que se realiza.
Ainda assim, processos bem estruturados são indispensáveis. A inovação e o impacto social sustentado não se constroem sobre bases frágeis. É por isso que se deve compreender que indicadores de processo e de resultado não competem entre si: eles se complementam. Um processo robusto favorece a obtenção de bons resultados. E os resultados, por sua vez, ajudam a retroalimentar a melhoria dos processos. A qualidade, portanto, deve ser vista como um campo de articulação entre condições e efeitos, entre meios e fins, entre intenção e realização.
Ao fim, a universidade de qualidade não é aquela que apenas cumpre os requisitos exigidos por órgãos reguladores, tampouco a que acumula índices isolados de desempenho. A universidade de qualidade é a que consegue produzir relevância pública, formar pessoas para a vida em sua complexidade e contribuir para o desenvolvimento social com compromisso ético e espírito transformador. Essa qualidade é viva, dinâmica, e se revela não apenas nos indicadores que a medem, mas nas experiências formativas que transforma.
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