Antônio de Oliveira
Professor universitário e consultor de legislação do ensino superior da ABMES (1996 a 2001)
antonioliveira2011@live.com
***Etcétera é uma expressão que faz que diz mas não diz. Não enumera. Não determina. Por isso, em nenhum texto de lei se há de encontrar um etc. Tampouco na poesia. A não ser que seja um poema sobre etcétera. Em “ler pelo não, quem dera!”, Paulo Leminski propõe “ler pelo não, além da letra / ver, em cada rima vera, a prima pedra / onde a forma perdida / procura seus etcéteras”. E propõe ainda: “desler, tresler, contraler / elear-se nos ritmos da matéria / no fora, ver o dentro, e, no dentro, o fora / navegar em direção às Índias / e descobrir a América”.
Mas quem disse que a comunicação tem que se esmiuçar em detalhes? “O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.” “Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas”. Pelo menos não vale esmagar com palavras as entrelinhas de Clarice Lispector.
Na verdade, entrelinhas têm tudo a ver com etcétera, com o seu sentido implícito. Com aquela parte do leitor que completa o autor, ou do ouvinte que se antecipa à fala. É o leitor que quer escrever, é o ouvinte que quer falar. Ninguém acha que o outro escreveu tudo ou disse tudo. Tem sempre alguém querendo fazer um gancho, completar a fala de alguém. A informação do outro não é considerada completa sem meu aval ou minha contestação. É assim que funciona, tanto entre letrados como entre iletrados.
Aliás, não existe analfabeto de fala, a não ser o mudo que, mesmo assim, se comunica pela mímica e pela expressão corporal. O que pode haver é inibição por parte de um dos interlocutores, seja pelo distanciamento do mando de campo cultural, social ou hierárquico, seja por timidez. Quanto à discrição, essa é outra história, pois há quem monopolize a conversa, julgando-se dono da verdade, ou quem, carismático ou engraçado, chame mais a atenção. Mas não vale julgar sem ouvir todas as partes interessadas no litígio ou no processo.
O certo é que etcétera tem tudo a ver com o não dito ou o por dizer. É o espaço das entrelinhas, da distância que aproxima ou distancia os trilhos da comunicação. Comunicar-se pode ser dificultoso. Mas quem não se comunica não está com nada. Se complica. E não vale nhenhenhém nem etcétera e tal.
Ainda chego lá.




