Wanda Camargo
Educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil
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Qualquer radicalismo funda-se em convicções tão arraigadas que não deixam espaço para o pensamento, aparentemente o radical descobriu uma verdade e parou de raciocinar. Esse o seu perigo, que o faz pouco adequado para o convívio social, e essa a sua força, a qual, às vezes, o faz necessário para a sociedade. As ideias, preconceitos, práticas, costumes estabelecidos, não mudarão apenas por via da argumentação racional; são aceitos como se fossem eternos e apenas serão modificados após o confronto com algo que tenha igual força.
O movimento feminista nasceu radical porque era preciso que o fosse. Sua gênese deu-se quando as mulheres eram pouco mais do que propriedade de homens, não herdavam bens, não tinham direito a voto quando havia democracia, não escolhiam com quem casar, não escolhiam casar ou não, não podiam trabalhar fora de casa ou estudar sem permissão masculina, quando trabalhavam recebiam salários inferiores ao de homens em mesma função (isso ainda não mudou muito), sua cidadania era de segunda classe, quando existia.
As sufragistas do final do século XIX aprenderam, dolorosamente, que o discurso e as ações pelos direitos das mulheres deviam ser tão duros quanto o discurso e as ações que lhes negavam esses direitos. As lutadoras posteriores já sabiam a lição, foram tempos de som e fúria, significando muito. Desde Betty Friedan, e das muito necessárias carbonárias dos anos 1960 e 1970, até as batalhadoras de nossos dias, que defendem com maturidade e paixão a existência de espaços iguais para gêneros e pessoas diferentes, as mulheres fizeram um longo percurso.
Mesmo na área acadêmica, mais inovadora e vanguardista que a maior parte das demais, pouco se tem a celebrar, apesar dos muitos artigos e pesquisas dedicados ao estudo da violência exercida contra a mulher, seu direito à cidadania nos âmbitos econômico, jurídico, sexual e de trabalho. A exclusão feminina não tem raízes meramente econômicas, está profundamente ligada aos interesses prevalecentes nos fundamentos de nossa sociedade, pensada pelo homem e para seus próprios valores.
No entanto, o paradigma republicano implica em solidariedade, e a exclusão começa a ser encarada como a perda do vínculo entre sociedade e indivíduo, merecendo a atenção de homens e mulheres, rompendo a bipolaridade de suas relações, em favor de uma integração que permita a sobrevivência de nossos melhores valores.
Embora longe do ideal, algum progresso foi feito. Os cenários mudaram: das manifestações em praça pública aos tribunais, aos Congressos, às universidades. Atingimos, em grande parte do mundo, o reconhecimento formal dos direitos da mulher, explícito na legislação e até mesmo em artigos de Constituições.
O passo seguinte é o real e total cumprimento dessas leis. Há nem tantos anos assim, um homem que agredisse uma mulher podia contar com a tolerância da sociedade; hoje, as agressões continuam existindo, e permanece certa condescendência com algumas delas, porém é mais ampla a consciência de que esses agressores são criminosos e precisam ser punidos.
Em um bom dia futuro, a maioria dos transgressores será penalizada; em um dia ainda melhor, as violações de direitos serão apenas lamentáveis exceções.




