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Celso da Costa Frauches Consultor educacional da Abmes e consultor sênior do Ilape ***A Secretaria de Educação Superior (Sesu) do Ministério da Educação (MEC) dispôs para consulta pública, em 29 de junho de 2009, em seu portal eletrônico, uma proposta identificada como “Projeto Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação”. A consulta deveria se estender até 31/7/2009, mas parece que foi prorrogada até 16 de outubro.
A Sesu justifica a sua proposta como sendo para “contribuir com a avaliação, a regulação e a supervisão dos cursos de graduação (bacharelado e licenciatura), com desdobramentos para a mobilidade e empregabilidade dos egressos desses cursos”. Vai além. Diz que tal instrumento “deverá constituir-se em referência para o aprimoramento dos projetos pedagógicos, para orientar estudantes nas escolhas profissionais e para facilitar a mobilidade interinstitucional, assim como propiciar aos setores de recursos humanos das empresas, órgãos públicos e do terceiro setor maior clareza na identificação da formação necessária aos seus quadros de pessoal”.
Convidado pela Abmes a participar, no último dia 3 (agosto), do Seminário “Referenciais curriculares nacionais e alterações nos instrumentos de avaliação – encontros e desencontros”[2], procurei verificar em que fase estava o tal “Projeto Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação”[3]. Para surpresa minha, não encontrei nenhuma referência no saite do MEC. Pesquisando no Google, encontrei três versões para os tais “referenciais”, uma de março, outra de abril e a última de maio de 2010. Encontrei a proposta mais recente – Brasília, maio de 2010 – no seguinte endereço eletrônico, com o registro de “Versão em homologação”, com acesso em 28/8/2010:
www.ufrgs.br/sai/RCN%20-%20V.%2001jul2010.doc.pdf
Analisei o documento, à luz das diretrizes curriculares nacionais para os bacharelados e licenciaturas, aprovadas pela Câmara de Educação (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE), e da legislação que regulamenta profissões de nível superior, para preparar a minha apresentação no evento. Pude identificar algumas incongruências e, pior, afronta à legislação vigente, em particular, a usurpação de competências da Câmara de Educação Superior do CNE, regulamentada pela Lei nº 9.131, de 1995, que altera dispositivos da Lei nº 4.024, de 1961, recepcionada pela Lei nº 9.394, de 1996, a atual LDB.
O documento analisado tem a apresentação do ministro Fernando Haddad, com algumas observações, no mínimo, estranhas. Destaco as transcritas em seguida:
Os Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura compõem uma das ações de sintonia da educação superior às demandas sociais e econômicas, sistematizando denominação e descritivos, identificando as efetivas formações de nível superior no Brasil.
Os principais efeitos dos Referenciais são: a facilidade de identificação de cursos e vocações para os jovens que buscam o ensino superior; para os pais, professores e gestores educacionais, uma melhor compreensão do alcance da educação superior; para o mundo do trabalho, uma melhor identificação de profissionais e suas formações.
Os Referenciais Curriculares não esgotam as possibilidades formativas, serão atualizadas segundo as novas demandas educacionais e ao aprimoramento dos perfis formativos, como um instrumento de consolidação da educação superior, preparando os alunos em bases científicas, tecnológicas e humanísticas que lhes permitam posicionar-se frente às transformações políticas e sociais e a incorporar-se na vida produtiva. (grifei)
Querer que tais “referenciais curriculares” estejam em sintonia com as “demandas sociais e econômicas” da nação brasileira, ou que proporcionem “uma melhor compreensão do alcance da educação superior” ou, ainda, que “sejam um instrumento de consolidação da educação superior” é uma afirmação impensável para um ministro da Educação, para quem lê, analisa e avalia os “referenciais”. A ação da Sesu lembra iniciativa idêntica da Setec (Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica) do MEC, ao elaborar o Catálogo nacional dos cursos superiores de tecnologia. Há, porém, uma diferença fundamental entre os dois documentos: os cursos superiores de tecnologia (CST) não tem diretrizes curriculares específicas e nem alcançam profissões regulamentadas, estas de nível técnico ou bacharelado. As diretrizes curriculares dos CST são genéricas e necessitam, essas sim, de referenciais curriculares, que jamais foram produzidos pelo MEC. Os “referenciais” apresentam um catálogo com a denominação dos cursos de bacharelado e licenciatura tendo, para cada um, os seguintes dados:- § Perfil do egresso.
- § Temas abordados na formação.
- § Duração.
- § Integralização.
- § Ambientes de atuação.
- § Infraestrutura recomendada.
| Perfil do egresso | Resoluções e pareceres da CES/CNE homologados pelo Ministro da Educação. |
| Temas abordados na formação | Resoluções e pareceres da CES/CNE homologados pelo Ministro da Educação. |
| Duração | Resolução CP/CNE nº 2/2002 e Parecer nº 28/25001; Res. CES/CNE nº 2/2007 e Parecer nº 8/2007; Res. CES/CNE nº 4/2009 e Parecer nº CP/CNE nº 2/2009. |
| Integralização | Resoluções CP/CNE nº 2/2002 e CES/CNE nº 2/2007 e 4/2009 e respectivos pareceres, homologados pelo Ministro da Educação. |
| Ambientes de atuação | Leis que regulamentam profissões. |
| DCNs – Res. 4/2005, art. 3º | Referenciais curriculares |
| O Curso de Graduação em Administração deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender as questões científicas, técnicas, sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento, observados níveis graduais do processo de tomada de decisão, bem como para desenvolver gerenciamento qualitativo e adequado, revelando a assimilação de novas informações e apresentando flexibilidade intelectual e adaptabilidade contextualizada no trato de situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários segmentos do campo de atuação do administrador. | O Bacharel em Administração ou Administrador atua no planejamento, organização, direção e controle das Instituições, gerindo as questões financeiras, materiais e de pessoas. Em sua atividade, utiliza as ferramentas científicas, técnicas, sociais e econômicas da produção e do gerenciamento. Nos processos de tomada de decisão, proporciona a circulação de novas informações, apresentando soluções flexíveis e adaptáveis ao contexto organizacional. Tem ainda como função fixar objetivos, organizar e alocar recursos financeiros e tecnológicos, liderar pessoas e equipes, negociar, controlar e avaliar resultados, compreendendo o contexto sociopolítico em que atua e exercitando a capacidade de comunicação e de relacionamento. Em sua atuação, considera a ética, a segurança e as questões sócio-ambientais. |
| Lei 4.769/1965, art. 2º | Referenciais curriculares |
| Atividade profissional do Administrador: a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior; b) pesquisa, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos. | O Bacharel em Administração ou Administrador atua no planejamento, organização, direção e controle das Instituições, gerindo as questões financeiras, materiais e de pessoas. Em sua atividade, utiliza as ferramentas científicas, técnicas, sociais e econômicas da produção e do gerenciamento. Nos processos de tomada de decisão, proporciona a circulação de novas informações, apresentando soluções flexíveis e adaptáveis ao contexto organizacional. Tem ainda como função fixar objetivos, organizar e alocar recursos financeiros e tecnológicos, liderar pessoas e equipes, negociar, controlar e avaliar resultados, compreendendo o contexto sociopolítico em que atua e exercitando a capacidade de comunicação e de relacionamento. Em sua atuação, considera a ética, a segurança e as questões sócio-ambientais. |
Art. 2º
I - ...
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III - os limites de integralização dos cursos devem ser fixados com base na carga horária total, computada nos respectivos Projetos Pedagógicos do curso, observados os limites estabelecidos nos exercícios e cenários apresentados no Parecer CNE/CES nº 8/2007, da seguinte forma:
a) CHM de 2.400h: limites mínimos para integralização de 3 ou 4 anos.
b) CHM de 2.700h: limites mínimos para integralização de três e meio ou 4 anos.
c) CHM entre 3.000h e 3.200h: limite mínimo para integralização de 4 anos.
d) CHM entre 3.600 e 4.000h: limite mínimo para integralização de 5 anos.
e) CHM de 7.200h: limite mínimo para integralização de 6 anos.
IV - a integralização distinta das desenhadas nos cenários apresentados nesta Resolução poderá ser praticada desde que o Projeto Pedagógico justifique sua adequação. (grifei)
Eis uma comprovação das distorções dos “referenciais”, tomando como exemplo alguns bacharelados com a duração mínima de 2.400h e o prazo mínimo de integralização de três anos, no cenário descrito no inciso III, art. 2º da Resolução nº 2/2007:| Bacharelados | Duração (h) | Prazo mínimo de integralização em anos | |
| Res. 2/2007 | “Referenciais” | ||
| Arqueologia | 2.400 | 3 | 4 |
| Artes Visuais | 2.400 | 3 | 4 |
| Biblioteconomia | 2.400 | 3 | 3 |
| Filosofia | 2.400 | 3 | 3 |
| Física | 2.400 | 3 | 4 |
| Letras | 2.400 | 3 | 4 |
| Teatro | 2.400 | 3 | 3 |
| Turismo | 2.400 | 3 | 4 |
- Ciências Aeronáuticas – 5.400h
- Ciências da Logística – 5.400h
- Ciências Militares – 5.400h
- Ciências Navais – 6.652
- Engenharia de Fortificação e Construção – 3.600h
- Engenharia Mecânica de Armamentos – 3.600h
- Engenharia Mecânica de Veículos Militares – 3.600h
[1] Consultor educacional da Abmes e consultor sênior do Ilape. [2] http://www.abmes.org.br/Home/index.asp. [3] A consulta pública voltou a ser inserida no portal eletrônico do MEC ao final da tarde do dia 3/8/2010, após a realização do Seminário, no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13812&Itemid=995 [4] Para este trabalho consultei também: CAMPANHOLE. Profissões regulamentadas – compilação dos textos, atualização e notas. São Paulo: Atlas, 1999; MARTINS, Sergio Pinto. Profissões regulamentadas. São Paulo: Atlas, 2007. [5] “Pessoa que faz parte do corpo de funcionários da burocracia” (Houaiss); “Empregado público, especialmente o das secretarias de Estado; Aquele que tem influência nas repartições públicas, de cujo pessoal faz parte” (Michaelis); “Funcionário que integra a burocracia” (Aulete).




