Wanda Camargo
Educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil
***Religião e ideologia têm muito em comum, fundam-se em fé, em convicções não necessariamente provadas racionalmente. De modo geral, a crença em divindade ou em ideias é benéfica, quando as pessoas acreditam em algo que as transcenda, que seja maior do que elas, tendem a viver mais harmonicamente. Mas o limite para essa prática é a própria sociedade, os outros; vemos quase diariamente as consequências trágicas dos fundamentalismos políticos e religiosos, os extremos a que podem chegar os incapazes de conviver não somente com opiniões diferentes das suas, mas com o simples fato de que essas existam.
No processo educacional a questão das opiniões e das discordâncias é de extrema gravidade. A certeza de que estamos absolutamente corretos quanto a determinados assuntos pode ser tão perigosa para os demais, quanto aquela de que estamos mentindo e enganando, para tirar vantagens e proveito próprio.
Ao observar a prova do Enem, vemos questões que testam mais a ideologia do que propriamente o conhecimento do candidato, permitindo aprovar e fornecer bolsas de estudo apenas àqueles que respondem de acordo com a cartilha oficial. Tais questões, cultivando opinião (o oposto de ciência, já disse Platão), feitas com intenção de orientar sobre a “melhor forma de pensar”, partem do bom pressuposto, da forma politicamente adequada de analisar os assuntos envolvidos: o discordante será punido com a impossibilidade de obtenção de bolsas, vagas e, no limite, da simples aprovação.
Isso penaliza a escola de onde veio este original, que não estará no rol daquelas melhores, ou seja, que atendem ao quesito de conformidade, por não conseguir enquadrar seus alunos. O agravante é que adolescentes aprendem – e muito rápido – a oferecer a resposta esperada pelos adultos, mesmo que esta nada tenha a ver com seus valores, com sua convicção profunda, e isso pode se tornar um péssimo caminho para a formação do caráter.
É possível, sim, elaborar questões que não apelem à opinião do discente, muitas delas presentes nesta mesma prova mostram isso, o problema é que alguns organizadores parecem não resistir à oportunidade de impor seus dogmas, com isso confundindo suas perspectivas pessoais com o conhecimento indispensável à formação do cidadão.
O bom professor certamente não faz discursos sectários; no máximo, se for da área de humanas, poderá apresentar diversos pontos de vista, deixando ao aluno a conclusão, valorizando sua autonomia e discernimento. Aquilo que ensina, quando nem pensa em ensinar nada, prevalecerá: o bom senso, o cumprimento da palavra dada, a forma como corrige provas e trabalhos, a reação às pequenas desavenças escolares é que serão lembradas pelos estudantes.
Pretender a “construção do conhecimento” não pode confundir-se com a imposição do que se julga conhecimento, até porque muito destes pretensos ideários não foram testados na prática, ou seja, valem até que os interesses individuais sejam prejudicados.
Grandes filósofos já declararam a escola como o lugar do passado, onde se ensina o que pode evitar erros já cometidos, mas também a criar o futuro. O novo de cada indivíduo comporá a inovação de toda a sociedade, não será tentando criar um exército de iguais que melhoraremos o sistema educacional brasileiro. Com ou sem Enem.




