Gabriel Mario Rodrigues
Presidente da ABMES
Secretário Executivo do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular
***Na semana passada, neste mesmo espaço, em razão do Projeto de Lei nº 4372/2012, que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes), comentei em artigo sobre a modernidade e os modelos de avaliação e que o novo organismo deveria pensar em inovar os seus processos de trabalho com o apoio dos avanços tecnológicos. Defendi na ocasião a extinção da avaliação presencial e sua substituição pela avaliação a distância como um desafio a ser enfrentado.
Em um dos comentários postados no blog sobre o artigo, um professor – que é avaliador – não concordou com a proposta. Ele questionou minha posição, dizendo que, normalmente, e com raras exceções, inclusive nas Universidades Federais, o que é comunicado pelas instituições nos formulários do e-MEC não corresponde com fidelidade à realidade e que nas visitas in loco são constatadas as disparidades entre o informado e o avaliado. “Imagine o que aconteceria se a avaliação presencial fosse totalmente extinta?” – ele perguntou.
Sem querer contradizer a afirmação do professor, enfatizo que o sistema educacional – instituições e governo – não poderá ficar preso a modismos do passado, preconceitos e desconfianças e sim deve enfrentar os desafios organizacionais no sentido de ser mais eficaz e de usufruir cada vez mais dos benefícios informacionais.
E o ponto de partida será verificar como as organizações privadas e públicas diferenciam os verbos “fiscalizar” e “avaliar”– formas distintas de atuação a separar comportamentos entre o passado e o presente. O primeiro verbo está ligado a conferir, controlar, guardar, vigiar, averiguar, censurar, punir. O segundo, a analisar, identificar, verificar, comparar, examinar, ponderar, esclarecer, observar, orientar.
O sentido de fiscalizar é policialesco e o de avaliar é educacional. Enquanto o MEC, de um lado, não reconhecer o setor particular de ensino superior como importante parceiro para colaborar na formação de recursos humanos para a nação e, de outro, as instituições não sentirem o peso de sua responsabilidade nesse propósito, os conceitos de “polícia” e “educação” estarão sempre permeando o relacionamento entre as partes.
Quando a Lei nº 10.861/2004 instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), todo o setor exultou, porque finalmente havia critérios claros para o processo de avaliação: o da autoavaliação institucional e de cursos; o da avaliação externa a ser realizada pelo MEC e pelo Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade). E o mais importante de tudo era o reconhecimento da diversidade e da heterogeneidade do sistema, de acordo com o que estabelece o art. 2° da mencionada lei:
O SINAES, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de desempenho dos estudantes, deverá assegurar:
I – avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos;
II – o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos;
III – o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;
IV – a participação do corpo discente, docente e técnico-administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representações.
No relatório final do seminário realizado pela ABMES em março de 2012 – “Erros e acertos da avaliação educacional no Brasil”, elaborado por Mauricio Garcia, Nadja Valverde Vianna e Letícia Suñé – está suficientemente bem demonstrado o valor da autoavaliação.A autoavaliação é um processo que foi concebido para que o corpo social da instituição fosse capaz de, por si próprio, identificar suas forças e fraquezas. Quando implementado de forma sincera e genuína, por meio de um projeto consoante com a base teórica e metodológica da avaliação, seria um passo importante no planejamento do crescimento sustentável da instituição. (Acesse aqui o documento)
Todavia, ao desprezar o papel central da autoavaliação nos processos de avaliação externa e ao vincular essa autoanálise à abordagem punitiva dos processos regulatórios, o MEC provocou/estimulou o natural recolhimento dessa iniciativa por parte das instituições. O temor de uma retaliação regulatória fez com que inúmeras instituições transformassem o fértil momento de autoconhecimento num procedimento superficial e burocrático – um procedimento que, muitas vezes, serviu apenas para ocultar os verdadeiros pontos fracos da instituição. Além disso, a própria avaliação in loco acabou por relegar a um segundo plano o processo de autoavaliação. Presos a um formulário e impedidos de emitir qualquer opinião, os avaliadores transformaram o que seria um rico processo de diálogo numa simples “inspeção de conformidade” em relação a padrões regulatórios. Em boa parte dos países, a visita in loco da equipe responsável pela avaliação externa é o momento da homologação do processo autoavaliativo, ou seja, da constatação da capacidade das instituições olharem para si mesmas e utilizarem os resultados desse processo para propor diretrizes e planos de melhoria contínua das práticas institucionais. Dentro desse pressuposto, o mais importante em uma avaliação é identificar a capacidade de autoanálise da instituição para corrigir seus rumos e obter subsídios para o seu fortalecimento e desenvolvimento. Lamentavelmente, houve um afastamento dessa concepção nos instrumentos de avaliação e nas orientações que são passadas aos avaliadores. Assim, a avaliação externa deixou de ser formativa e passou a ser regulatória, enquanto que a autoavaliação – feita por instituições temerosas de punições – tornou-se superficial num primeiro momento e, posteriormente, simplesmente passou a ser ignorada pelo próprio MEC. Defendo a tese de que a autoavaliação institucional e de cursos bem articulada detém todas as informações para acompanhar o desenvolvimento da instituição. Sua estrutura legal advém da Comissão Própria de Avaliação (CPA), órgão máximo e autônomo da instituição, estabelecido na lei, integrado por representantes de toda a comunidade acadêmica (administradores, coordenadores, professores e alunos) e pela sociedade civil, para desenvolver todo o trabalho. Acredito que, com toda a responsabilidade de acompanhar o que é realizado na instituição, uma plataforma eletrônica será o meio mais ágil que o CPA teria para se comunicar com os órgãos avaliadores, tornando desnecessária a visita presencial. É lógico que esta mudança não poderá ser feita em curto prazo, mas deverá estar nos planos do Insaes. Quanto a isso, não tenho dúvidas.




