Gabriel Mario Rodrigues
Presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e Secretário Executivo do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular
***Nas grandes e médias cidades, o nascer da manhã é percebido pelos milhares de carros, de ônibus e de motocicletas que trafegam em todas as direções por ruas e avenidas levando pessoas para o trabalho. Da mesma forma, durante o dia, os aeroportos, as estações de metrô e as ferroviárias despejam centenas de milhares de trabalhadores das mais diversas profissões com vistas ao mesmo objetivo – perfazer a sua jornada laboral.
São bilhões de seres humanos interagindo nesta fabulosa rede de bens e serviços que funcionam 24 horas por dia e 52 semanas por ano, formando o mecanismo da engrenagem que move o mundo, que é a economia global. É a luta de cada dia, com suas glórias, dissabores e infortúnios, onde cada um cumpre o “castigo” de trabalhar imposto pelo Criador, segundo dizem, ao expulsar os nossos ancestrais do paraíso terrestre. E na maioria das vezes, o trabalhador, esteja onde estiver na estrutura organizacional, cumpre completamente descontente e desacorçoado o que faz.
O sociólogo italiano Domenico De Masi é professor da Universidade La Sapienza, de Roma. Tornou-se famoso após publicar, em 1995, o livro “O ócio criativo”. Na obra, Masi defende uma vida mais equilibrada entre trabalho, estudo e lazer. “Às vezes, as pessoas fazem confusão. Ócio criativo não significa fazer nada. É o trabalho prazeroso, que aliado ao estudo e ao lazer, torna-se uma tarefa alegre e criativa”. De Masi morre de amores pelo Brasil.
As ideias contidas neste artigo são de uma entrevista com o sociólogo feita no início deste ano no programa “Roda Viva”, da TV Cultura[1]. Ele disse que o Brasil não é o melhor mundo possível, mas é um dos melhores mundos existentes. Diante dessa afirmação, além da entrevista, resolvi comprar o livro e comentar suas ideias.
“O ócio criativo”
Quem ler “O ócio criativo” verá que os pensamentos ali contidos apresentam-se perfeitamente viáveis para uma aplicação no atual momento da humanidade. Mas como falar sempre foi mais fácil do que fazer, o livro não cai na tentação de mudar o mundo, apenas se limita a mostrar o presente torto como está sugerindo novas ideias para endireitá-lo.
Neste momento estamos trabalhando e estudando, mas não estamos nos divertindo. Pelo contrário, muitos estão até sofrendo. O livro ensina que podemos ter as três coisas juntas, de maneira prazerosa por meio do ócio criativo. Ou seja, desenvolver um profissional capaz de, simultaneamente, criar riqueza, conhecimento e bem estar, nada a ver com o tempo livre nem com o desemprego. Chegou a hora de devolver algum modelo de vida que sirva a tornar toda a humanidade mais feliz. Este poderia ser um caminho para definir a missão de uma universidade.
O novo trabalho
Em 1930, Keynes afirmou que se diminuíssemos a carga de trabalho aumentaríamos o tempo livre. Mas isto não aconteceu. Com as sucessivas introduções das novas tecnologias deveríamos, gradativamente, reduzir as horas dedicadas ao trabalho e aumentar a quantidade de horas livres e dar oportunidade para mais pessoas trabalharem. Não fizemos e sem perceber, fomos criando um monstro: o desemprego.
Keynes também afirmava que, com o passar dos anos, cada indivíduo deveria trabalhar menos e menos, para que o mercado pudesse absorver toda a mão de obra disponível. Parece que ainda não aprendemos, pois, atualmente, cada empregado trabalha mais e mais para manter o seu emprego. Ficamos totalmente viciados em trabalho, aumentando o desinteresse pela família e filhos, e nos desmotivando pelas atividades culturais e de lazer e pelo lazer deixamos de ser inventivos e felizes.
Com os profissionais empregados exercendo as suas funções 10, 12, 14 horas por dia, as chances de um novato, de um recém-formado ingressar no mercado de trabalho são escassas. Esse é um dos maiores problemas que a Universidade vem enfrentando em um mundo em plena crise de identidade que afeta, principalmente, a Europa e os Estados Unidos. E que também respinga no Brasil. De acordo com De Masi a solução existe e é muito simples: diminuir as horas na empresa e desenvolver o teletrabalho. Profissionais exercendo as suas funções em casa, sem ter de comparecer fisicamente na empresa e sem enfrentar congestionamentos absurdos de duas, três até quatro horas desperdiçadas no trânsito. Tecnologia para o emprego do teletrabalho o mundo tem de sobra. A solução poderia ser posta em prática já amanhã pela manhã. Sem exageros.
Os Estados Unidos da América, tal como o conhecemos, tornou-se o país mais poderoso do mundo porque ganhou três guerras seguidas, praticamente. A Guerra da Secessão, uma guerra civil, a Primeira Guerra Mundial, fornecendo armamento, e a Segunda Guerra Mundial, participando diretamente. Muita coisa em menos de 100 anos. Diante do sucesso, exportou para todo o Ocidente um modelo que foi copiado por todos, Europa incluída, mas que agora padece do seu próprio sucesso.
O Brasil, como ideia, nasceu para ser um eterno fornecedor. De matérias primas e de mão de obra. Os portugueses, na sua maioria, para cá vieram com o objetivo de trabalhar a terra e de extrair as suas riquezas naturais. No idioma português, a terminação “eiro” significa trabalhador. Exemplos: padeiro, leiteiro, faxineiro, enfermeiro, açougueiro, camareiro e mais uma dezena delas. No que toca às nacionalidades, a palavra brasileiro é a única no idioma com essa terminação. Isso já diz tudo.
Mas apesar da nossa vocação servil, o Brasil de hoje se tornou uma democracia de fato. De Mais observa: “é o País onde há um crescimento da economia muito grande e, a distância entre ricos e pobres decresce; é uma democracia que vive em paz com os 10 países limítrofes”.
O Brasil atingiu um estágio que não precisa mais copiar o modelo americano. Tem condições para formar cientistas e intelectuais capazes de criar um modelo próprio e oferecê-lo à toda humanidade.
A formação já poderia estar mais desenvolvida nas universidades brasileiras. O Ensino a Distância, tal como o teletrabalho, pode ser uma ferramenta útil, para dar maior suporte ao ensino presencial. Não fosse a nossa teimosia em ministrar o ensino universitário como se estivéssemos ainda em pleno início do século XX, poderíamos estar um bocado mais à frente.
A boa nova, a graça
Nas sociedades cristãs, “graça” quer dizer “boa nova”. Foi por meio da “graça”, da notícia da ressurreição de Cristo que o cristianismo se disseminou pelo mundo ocidental.
Há uma revolução global em curso nos mundos do trabalho, do ensino e do bem-estar, pois os modelos utilizados até ontem e anteontem apresentam-se exauridos.
Com a introdução de novas tecnologias, como observa De Masi, “é preciso saber que graças a elas, irá se reduzir o tempo dedicado ao trabalho e aumentará o tempo livre Teremos então que educar o jovem ao tempo livre e fazer com que ele não fique desempregado, mas se recicle para um novo trabalho”. Detalhe: o Brasil é jovem. E o sociólogo continua: “portanto, acredito que possamos ser otimistas na ética, pois a sociedade pós-industrial vive sob alguns valores: o da criatividade, o valor da vida intelectual, da subjetividade, da emotividade, da estética”.
Nesse contexto o Brasil é a bola da vez. Estamos diante da oportunidade de contribuir para a formação de um novo modelo para a sociedade. Podemos dar um enorme passo, um pulo. Como fez o Japão no final do século XIX, que passou do feudalismo para a modernidade queimando as etapas do Renascimento e do Iluminismo. Se o Brasil não o fizer outros países o farão por ele.
Podemos dar graças por termos nascido nesta época e não em épocas anteriores. Ensinar que trabalho, educação e felicidade são compatíveis – e possíveis – deve ser o objetivo fundamental da universidade emergente.
[1] A entrevista com Domenico de Masi pode ser conferida nos links abaixo. Assista à entrevista. E leia o livro. O livro é muito melhor.
Bloco 01
http://www.youtube.com/watch?v=mfc67MO9NpI
Bloco 02
http://www.youtube.com/watch?v=MuYBxqJrjhA
Bloco 03
http://www.youtube.com/watch?v=JfAghDMUe74
Bloco 04
http://www.youtube.com/watch?v=R0g-gU7oUyw
Transcrição do programa
http://www.abmes.org.br/abmes/public/arquivos/compartilhamentos/transcricao_roda_viva.doc




