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“Ensinar exige rigorosidade metódica” (Paulo Freie) “Avaliar também” (Paulo Cardim)
A publicação dos resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, o Enade, no último dia 7, como nos anos anteriores, gerou debates, discussões e explicações políticas sobre os objetivos reais desse tipo de exame, suas consequências e os seus reflexos sobre a comunidade acadêmica e a Lei nº 10.861, de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o Sinaes.
Quando as mídias divulgam os resultados do Enade e, em seguida, os “conceitos” CPC (Conceito Preliminar de Curso) e IGC (Índice Geral de Cursos), instituições e cursos são demonizados ou endeusados, como se esse processo, realmente, avaliasse a qualidade da educação superior brasileira. Ledo engano.
O desconhecimento da Lei do Sinaes e de seus antecedentes, como o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras, o Paiub, nos idos de 90, do século passado, pelo Ministério da Educação e pela mídia em geral, banalizam o debate e o diálogo em torno da avaliação de qualidade da educação superior, instituída pela referida lei, regulando o art. 209 da Constituição.
A avaliação instituída pela Lei nº 10.861, de 2004, tem como base o processo de autoavaliação institucional, promovido pelas próprias instituições e que deveria ser avaliado, periodicamente, pelo Ministério da Educação. Esse tipo de avaliação jamais foi desenvolvido pelo MEC. Qualquer expert em avaliação da educação superior, independente, que analise os instrumentos de avaliação institucional e a metodologia do Enade à luz da citada lei poderá confirmar essa afirmativa.
Essa conclusão é feita com fundamento no inciso I, do art. 2º: “avaliação institucional, interna e externa” (grifei) contempla “a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos”. Em hipótese alguma, as avaliações de cursos e de IES divulgadas pelo MEC, com base no Enade, atendem a esse dispositivo legal. Todo o processo tornado público pelo Ministério, anualmente, é marginal à Lei do Sinaes, sem qualquer amparo legal. Mas é apresentado à sociedade como uma avaliação de qualidade de IES e de cursos superiores.
Outro dispositivo básico dessa lei, que é totalmente desprezado pelo MEC, é o inciso II do referido art. 2º, que torna obrigatório “o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos”. São divulgados publicamente exclusivamente os resultados do Enade e o seus descendentes, o CPC e o IGC, que não são previstos em nenhuma lei. Não são tornados públicos os resultados das avaliações in loco institucionais e de cursos de graduação, estas previstas na Lei do Sinaes.
O inciso III do mesmo art. 2º determina “o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos”. Ou seja, a universidade, o centro universitário e a faculdade devem ter avaliações específicas, diferentes, tendo em vista as normas legais que disciplinam cada tipo de organização universitária, no Brasil. A diversidade regional, neste Brasil continental, também é ignorada solenemente pelos instrumentos de avaliação do MEC.
A avaliação institucional, que gera o Conceito Institucional (CI), segundo o art. 3º, tem por objetivo identificar o perfil da instituição “e o significado de sua atuação, por meio de suas atividades, cursos, programas, projetos e setores, considerando as diferentes dimensões institucionais, dentre elas obrigatoriamente” onze dimensões. O IGC (Índice Geral de Cursos) que o MEC divulga como indicador de qualidade das IES não contempla nenhuma dessas dimensões na forma prevista nesse dispositivo.
Os instrumentos de avaliação in loco dos cursos de graduação contemplam mais de 35 indicadores, em cumprimento ao disposto no art. 4º da Lei do Sinaes, que “tem por objetivo identificar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, em especial as relativas ao perfil do corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica”. O CPC, que o MEC divulga com estardalhaço como indicador de qualidade dos cursos, contempla única e exclusivamente dois desses indicadores, entre os 35 resultantes de lei.
Resta o Enade, previsto no art. 5º, que tem por objetivo “a avaliação do desempenho dos estudantes dos cursos de graduação”. Esse mesmo dispositivo, no § 4º, diz que “a aplicação do Enade será acompanhada de instrumento destinado a levantar o perfil dos estudantes, relevante para a compreensão de seus resultados”. Trata-se do questionário que os participantes do Enade devem responder e entregar no momento do exame. Esse instrumento, “destinado a levantar o perfil dos estudantes”, é, contudo, transformado, pelo MEC, em instrumento de avaliação da organização pedagógica e da infraestrutura acadêmica do curso, em dois únicos quesitos.
As instituições de educação superior mantidas pela livre iniciativa, por seus representantes legais, têm demonstrado, ao Ministério da Educação e à sociedade, que respeitam e desejam a aplicação integral da Lei nº 10.861, de 2004, que institui o Sinaes. Mas o MEC resiste em aplicá-la, preferindo atalhos sem qualquer embasamento legal. A conclusão cristalina é a de que a Lei do Sinaes “não pegou”. Mais uma.