Domingo Hernández Peña Escritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi ***

Sou um velho aficionado à equitação. Já tive cavalos, tratados com respeito, carinho e admiração na belíssima Serra de Gredos. São muitas as vezes que já foi a Jerez de la Frontera, e a Viena, só para emocionar-me com o artístico trotar dos cavalos mais elegantes e “educados” do mundo. Porém, atualmente moro numa espécie de inferno cultural: uma conhecida rua de São Paulo ocupada de lado e lado por um colégio público, uma universidade particular e uma dúzia de bares miseráveis dedicados a despachar todo tipo de bebidas de alta graduação. Desde a minha mesa de trabalho posso ver com todo detalhe o que acontece no colégio: o porteiro indolente que não para de fumar, a meninada histérica, as montanhas de lixo antigo na calçada, nos telhados, nos pátios... Da universidade, o que me chega é uma comoção: apitos, gritos, músicas baratas, bêbados cantando, brigas, tubos de escape a toda mecha, trânsito parado, mais lixo, lixo, lixo... Vinha suportando tudo isso porque, na verdade, a minha casa não é uma casa – é uma bela vila restaurada e ajardinada, que, com muitas obras de arte e o portão bem fechado, me permite imaginar, com frequência, que estou vivendo em algum lugar parecido a Sintra ou a Estoril... Aconteceu, porém, um dia destes, uma coisa bestial chamada “trote” – a rua inteira transformada num cemitério da inteligência e da razão. E, mais que medo físico, perfeitamente justificado, senti vergonha de pertencer à classe dos humanos. Na minha vida, que já é longa e experimentada, a maior degradação coletiva que já tinha conhecido era aquela dos “botellones” (dos garrafões) quando, não faz muito tempo, nas principais vias públicas dos melhores bairros das cidades espanholas, multidões de jovens ricos e escolarizados se reuniam simplesmente para embriagar-se em grupo, por milhares, transformando os espaços abertos em verdadeiros cemitérios sujos e perigosos. Daí que os modernos rolezinhos me pareçam a coisa mais civilizada, divertida e inocente... Mesmo assim, eu nunca antes pude imaginar que a falta de autoestima dos humanos pudesse levá-los (animados pela sua condição de universitários!) a protagonizar o delirante espetáculo (a plena degeneração) que viram meus olhos, na minha rua paulistana. No meu velho dicionário, trote não é outra coisa que “andadura de cavalo e de certos quadrúpedes entre o passo ordinário e o galope”. Pergunto: os universitários são quadrúpedes? Os animais que me fizeram sentir vergonha na minha própria rua merecem a mesma consideração e o mesmo respeito que os cavalos de Jerez ou de Viena? Pergunto isso, só isso, por não perguntar pela responsabilidade da universidade que não se sente implicada no escândalo dos seus alunos, nem mesmo quando os bombeiros precisam acudir generosamente para levá-los, como mortos, para os hospitais mais próximos...