Solange Pereira Pinto
Arte-educadora, arteterapeuta e coach
sollpp@gmail.com
*** Hoje fui ajudar minha filha no dever de casa (tem coisa mais “agressiva” do que esse nome “dever de casa”?) e vou comentar a experiência. Aliás, acho muito chata e até mesmo descabida essa mania de algumas escolas mandarem deveres para serem realizados junto à família, ultrapassando inclusive a capacidade da criança de entendimento e execução. Oras quem precisa criar a autonomia é o aluno e ponto final. Penso assim.
Simplesmente aconteceu o seguinte: ela teria que ler um livro para desenhar a personagem principal. Ela leu o livro. Ela não achou a personagem principal. Eu pedi para me contar a história e ela não conseguiu (logo, não entendeu). Eu li o livro para ela. Ela continuou sem saber achar a personagem principal. (Eu também achei difícil adivinhar qual era a resposta certa para o caso). Enfim, sabe dever de casa modalidade ficha de leitura? Daqueles que tanto faz ler uma bula de remédio ou um conto da carochinha que vão perguntar quem é personagem principal (será que no caso da bula personagem principal é o doente?)
Então, o livro se chama "Diferentes: Pensando Conceitos e Preconceitos", da Liana Leão (superlindamente ilustrado por Marcia Szeliga). Ocorre que a obra é de difícil compreensão para uma criança de 7 anos (acho que até mais do que isso). Eu, particularmente, achei o livro o máximo! (aos 40 anos, é claro). Tanto que vou comprar um para mim (ele veio da biblioteca para o tal dever de casa).
Sabe, livro bom (dizem) é aquele que não envelhece, que permanece atual apesar da passagem do tempo. Se esse é o critério, o livro é realmente bom; o problema é o nível de compreensão que vai mudando de tempos em tempos.
Certamente, daqui a alguns anos, a minha filha entenderá o que o livro quis dizer (inclusive do quanto ele é utópico). Já eu, adoro um livro infanto-juvenil! E resolvi recolher umas frases no melhor estilo ctrl-c/ctrl-v para vocês:
"E esquece que entre as pontas há muitas outras combinações possíveis, pois vida rima com variedade e um mundo só de gente espelhada ia ser mesmo uma maçada!"
"Se a gente é fanático por um time, perde a paixão pelo futebol"...
"Um dia, a gente descobre que o mundo inteiro é inventado, e que o preconceito é uma jaula que prende o amor"...
"Crescer é descobrir que podemos torcer por um, vários ou nenhum time. Que podemos caminhar pelo mundo no nosso passo, do nosso modo. E assim vamos nos inventando, desenhando um pouquinho de nós a cada dia." (eu diria que a gente inventa mesmo vários “nós” impossíveis de desatar quando a gente tenta ser um desenho original)
"Não precisamos ser o sonho que a mamãe sonhou, ou o sonho que o papai, o vovô, a professora, ou até a televisão sonhou pra gente."
E, assim, se foi mais um domingo e mais uma lição de casa. A menininha vai dormir com a tarefa feita, ainda que incompreendida, e a mãe dormirá incompreendida, ainda que com a tarefa feita. Até chegar a próxima lição à procura de mais um personagem principal, que nem sempre é o aluno.




