Wanda Camargo
Educadora e assessora da Presidência das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil
***A escritora Patrícia Secco está lançando uma versão de “O Alienista”, de Machado de Assis, com palavras que são consideradas mais difíceis trocadas por sinônimos mais simples e frases mais diretas. A “simplificação” de obras literárias, segundo ela, tem base na suposição de que os jovens não gostariam de Machado de Assis por não entenderem o que leem, em função de construções frasais muito longas e palavras que desconhecem.
A ideia de apresentar versões singelas de obras clássicas não é nova. O próprio Monteiro Lobato publicou versões infantis de diversos livros - seu “Dom Quixote das crianças” é uma interpretação livre da obra de Cervantes que agrada ao público infantil e lhe dá alguma noção do que é o “Dom Quixote”, uma das maiores realizações literárias da humanidade. A professora da UFPR, Liana Leão, acaba de lançar uma versão infantil de "A Tempestade", de Shakespeare, que atinge objetivo semelhante.
No entanto, muito diferente disso é pretender reescrever obras com o intento de “descomplicá-las”. Cada autor imprime às obras suas características próprias, vinculadas à sua época e contextos - e a permanência dessas obras será decorrência natural de sua qualidade e pertinência. Evidentemente, ao longo do tempo, as regras da Gramática e da Ortografia sofrem alterações, para melhor e para pior, e as novas edições de velhos livros devem acompanhá-las. Nunca, porém, com reduções de texto e modificações de estilo, essência e complexidade.
Não é fácil para o leitor iniciante o entendimento, até mesmo a leitura, de muitos dos melhores livros - são necessárias informações e contextualizações que nem sempre estão disponíveis. Os bons professores de Literatura as fornecem a seus alunos - em vez de lançá-los em um cipoal de citações datadas e referências anacrônicas, dão a eles um mapa simples e eficaz do que encontrarão na obra que estão propondo que leiam.
Por séculos, a injustiça social se perpetuou pela dificuldade de acesso à educação para grande parte da população. Proporcionar um tipo de educação para aqueles com boas referências culturais e outro para os que não as tem agrava este quadro. A função de um educador é contribuir para elevar o nível de percepção do educando - e não reduzir o nível do que deve ser percebido. Educar não é, nunca, simplificar o conhecimento - é simplificar a forma de adquiri-lo em totalidade.
Algo que todo bom professor reconhece: aprendizagem não é simples ou fácil, demanda resiliência, muitos reinícios e decepções, sacrifícios de horas de lazer para o estudo. O auxílio de pais, professores, jornalistas, escritores, são importantes e fazem a diferença, mas não será diminuindo o alcance das grandes obras do espírito humano que atingiremos a meta de um processo educacional de qualidade. Não podemos permitir a perpetuação de um sistema de castas, em que alguns terão conhecimentos e habilidades - e outros apenas um diploma. De quem serão as melhores oportunidades no competitivo mundo real?




