Domingo Hernández Peña
Escritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi
***Um mundo de loucos: por um lado compartilhamos a certeza - o sentimento - de que o mais próximo é o melhor; por outro, nos dedicamos a explicar que tudo aquilo que é bom, começando pela felicidade, está longe ou chega de lugares remotos.
Ou seja: a melhor pessoa do mundo sou eu. A melhor mulher seria a minha mãe. O melhor homem, o meu pai. Depois viriam os meus filhos, os meus irmãos, os pais dos meus pais, os meus tios, os meus primos, os meus parentes e vizinhos, e assim por diante, até chegarmos aos forasteiros, aos estrangeiros, aos “asiáticos”, “africanos”, “mouros”, “emigrantes”, “desconhecidos”.
Da mesma forma, o melhor lugar do mundo seria a minha cidadezinha, depois a minha ilha, o meu arquipélago, a minha província, o meu país, o meu continente.
Só que, por uma estranha contradição, a lógica da felicidade funciona exatamente ao contrário: quanto mais longe a imaginemos, maior seria a chance de que ela seja mais intensa e mais satisfatória.
Estamos convencidos de que os desertos orientais não podem ser bons nem bonitos porque não são nossos, mas, por estarem longe, só por isso, é por eles que chegam os Reis Magos... Do outro lado do planeta encontram-se todos os infernos, mas, pela distância tão grande, também estão por lá as mulheres mais belas, as palmeiras mais altas e os manjares mais saborosos...
Assim, no meio dos localismos cegos e dos sonhos sem fundamento, o homem contemporâneo encontra-se perdido na ignorância de si mesmo. Na mesma escola que ele aprende a querer mais o que é mais seu, ele aprende a desejar mais o que é do mundo mais distante. Mas, como ninguém lhe ensina a descobrir e a entender o que leva dentro da sua própria alma, simplesmente não encontra o seu próprio caminho. O seu lugar amado nunca é a terra da felicidade completa. E quando vai à procura de outros lugares teoricamente mais felizes, a felicidade perseguida já fugiu ou desapareceu, deixando-o sem norte e sem raízes.
Mais que um discurso que não teria fim, o que mais me interessa é uma simples questão: de onde sai o medo a reconhecer e a ensinar que não há mais felicidade que a que cada pessoa possa construir com a sua própria iniciativa, lá, onde essa pessoa estiver por escolha ou por acaso?
E não pergunto por perguntar. Pergunto pela dor que me produz, cada vez mais, o que estamos fazendo com os nossos alunos. Não estamos trabalhando, muito pelo contrário, para que eles sejam felizes. Os estamos destruindo - mutilando - como seres vivos, únicos, diferentes, que sentem e que pensam, para que sejam o que não são nem deveriam de ser: simples ferramentas de trabalho, buscadores de emprego, conteúdo estatístico, massa consumista, matéria de debate, assunto de predicadores...
Agora mesmo, nas nossas escolas e universidades, os alunos não são, como seres humanos diferenciados, o que mais nos interessa. Cultivar cérebros inteiros, um por um, individualmente, deixou de ser negócio. Por isso nos estamos dedicando à especialização e ao atacado. Na especialização só temos que aproveitar e transformar pequenos pedacinhos das cabeças disponíveis. No atacado trabalhamos para os nossos verdadeiros clientes: a Produção, que nos pede mão de obra abundante e barata; a Economia, que nos pede consumidores compulsivos; o Estado, que nos pede contribuintes solventes; a Política, que nos pede militantes incondicionais; o Marketing, que nos pede mentirosos convincentes...
Essa monstruosidade poderia parecer coisa complicada, mas na prática não está resultando difícil: ensinamos a produzir com menos empregados, sem deixar de prometer a criação de mais emprego, e ninguém percebe a contradição; destruímos a personalidade de cada estudante, e os pais continuam pagando as mensalidades; reiteramos que as soluções sempre chegam do Céu, do Poder ou da Sorte, e não da capacidade de cada pessoa, e não sentimos vergonha; chamamos Ensino Superior ao que, no melhor dos casos, não passa de ensino médio, e somos badalados por isso; confundimos a massificação com a igualdade, e todos tão contentes.
A troca selvagem do individual pelo massificado é uma das causas, senão a principal, da crise profunda que a todos preocupa e que ninguém explica. Quando se aceita que cada vida não depende de quem a vive, e sim de um empregador ou de um mandatário fantasma que ninguém conhece, todos os valores pessoais e essenciais estão sendo desperdiçados. Quando o estudo não é livre e diversificado, e se impõe por necessidades ou conveniências quantitativas, o sonho da felicidade se transforma numa espécie de loteria. Quando milhões de alunos são submetidos, ao mesmo tempo, a métodos e a conteúdos idênticos, está se implantando a pior das ditaduras. A grandeza dos humanos está na sua desigualdade – na possibilidade de digerir o mesmo saber de forma diferente. Sem professores melhores e piores, sem inteligências maiores e menores, o progresso não teria chegado tão longe.
Há crise, a crise não acaba, porque o mundo está cheio de pessoas que não sabem o que fazer com as suas vidas. Elas foram preparadas para esperar, suplicar e depender, e, por isso, agora não entendem as enormes dificuldades do massificado e do globalizado, quando poderia ser tão fácil e tão divertido o individualizado.




