Paul Ivan Vadas
Professor, palestrante, escritor e consultor em educação para instituições de ensino superior no Brasil e nos EUA
***Relatório recentemente publicado pela ABMES[1] aponta para os riscos de sobrevivência que as pequenas e médias instituições de ensino superior (PMIES) estão enfrentando e, concomitantemente, para seus efeitos negativos sobre a economia brasileira, em geral, e as economias das comunidades interioranas do País, em específico.
O relatório, rico em informações e sugestões, expõe claramente a importância das PMIES (Instituições de Ensino Superior com menos de 3 mil alunos) tanto para a sociedade brasileira, contribuindo para o desenvolvimento social, a renda local e a fixação do jovem na região onde atuam, como para o setor da educação superior brasileira, onde elas “representam 63% do total de IES no Brasil e 67% do total de IES privadas”,[2] e para a economia brasileira, gerando uma massa salarial de R$ 4 bilhões por ano.[3]
Nos últimos anos, no entanto, as PMIES não tem conseguido acompanhar o ritmo de crescimento das universidades públicas e privadas e centros universitários. Pelo contrário. “Entre 2008 e 2012, enquanto o total geral de instituições de ensino superior cresceu 5%, as unidades com menos de 3 mil alunos – que somam 1.419 unidades num universo de 2.416 instituições – encolheram 8%.”[4] Quais as razões desta disparidade?
Dentre os vários fatores que põem as PMIES em risco, o relatório aponta para “uma série de dificuldades resultantes da competição e da dinâmica do sistema de ensino e das características do mercado, além da inadequação das normas de avaliação e de regulação oficiais à realidade dessas instituições.”[5]
Em relação à inadequação das normas de avaliação e de regulação oficiais, o modelo de regulação e supervisão da qualidade de ensino tende a “avaliar os desiguais em igualdade de condições”[6], prejudicando as PMIES em relação a critérios de avaliação[7] que as colocam em desvantagem frente as universidades e centros universitários.
Sem dúvida, o governo deve considerar que "desiguais" não devem ser avaliados "em igualdade de condições" e os critérios de avaliação devem considerar essas diferenças. Porém, no meu entender, outros fatores são mais ameaçadores à sobrevivência das pequenas IES do que a avaliação da qualidade de ensino - até porque avaliação é resultado e, antes dela, outros fatores fazem parte da composição das ameaças e barreiras que as pequenas IES enfrentam.
Dentre esses outros fatores destaco as restrições regulatórias de caráter anticompetitivo impostas pelo MEC que, desde o momento da criação de uma faculdade prejudica sua capacidade de concorrer no mercado educacional em igualdade de condições com Universidades e Centros Universitários particulares do Brasil e outras de nível internacional[8]. Trata-se de restrições da autonomia na criação de novos produtos (cursos), de restrições/limitações da oferta de vagas, e de restrições pedagógicas referentes a oferta de cursos online[9].
Não existe lógica na falta de autonomia das faculdades particulares oferecerem cursos sem a prévia autorização do MEC, quer seja em espaço físico, quer seja em espaço virtual. Com a demora na aprovação de cursos, além de incapacitá-las de agir com rapidez para atender as demandas locais, a restrição cerceia a capacidade da livre concorrência de mercado e a oferta de mais opções para as comunidades que servem, prejudicando a melhoraria da qualidade da força de trabalho e restringindo o crescimento necessário para incrementar as receitas que garantem a sustentabilidade da Instituição e, muitas vezes, a redução dos valores das mensalidades em função do aumento de escala.
O mesmo em relação às limitações de vagas. A imposição de limites no número de vagas que as faculdades podem oferecer é discriminatória, anticompetitiva e, em muitos casos, impede a instituição de obter receitas suficientes para garantir sua sustentabilidade, além de limitar o acesso de alunos em locais onde há pouca oferta de cursos – o que é inconstitucional.[10]
Com relação às restrições de oferta de cursos online, há que se rever às restrições impostas pelo Art. 80 da LDB[11], referentes à educação a distância. Uma leitura mais detalhada do artigo e dos seus parágrafos indica que os autores da LDB não estavam se referindo à internet quando determinaram que a educação a distância merecia um regime especial e credenciamento específico. Em 1996, quando a LDB foi promulgada, a internet ainda estava na sua infância. Sua utilização na educação era ainda incipiente, inclusive nos países mais avançados: em 1994, apenas 3% das salas de aula estadunidenses tinham internet, enquanto em 2002 esse índice saltou para 92%.[12]. Arrisco a dizer que, no Brasil, na época da promulgação da LDB, a internet ainda nem era pensada enquanto ferramenta instrucional e, por isso, não fazia parte das considerações dos idealizadores da Lei[13].
A necessidade de obter credenciamento adicional nos dias de hoje para a oferta de cursos online é um absurdo e uma clara violação do princípio constitucional de pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas[14]. A LDB[15], e o MEC, ao regulamentar o Art. 80 de forma inapropriada, no meu ver, colocam um peso desnecessário às PMIES, onerando-as de forma a prejudicar suas capacidades de competir em mercados onde as concorrências, hoje, são de nível internacional.
PROPOSTAS
- Em relação à autonomia na criação de novos cursos as faculdades devem ter total liberdade de criar seus cursos e se submeter aos processos de avaliação para o reconhecimento desses cursos, nos moldes em que ocorrem hoje para as universidades e os centros universitários. Uma vez reconhecida e credenciada pelo MEC para atuar como Instituição de Educação Superior, independente da sigla “Faculdade”,”ou “Universidade”, ou “Centro Universitário”, ou “Escola Superior”, etc., e para garantir os preceitos constitucionais da livre iniciativa,[16] e preservar sua capacidade competitiva, a IES particular deve ter a possibilidade de competir livremente no mercado educacional em igualdade de condições.
- No caso das vagas, elas devem ser limitadas ao tamanho da sala de aula, e não a um número arbitrário que nunca fez sentido em termos de mensuração de qualidade. É uma mania que tem que acabar no Brasil: achar que qualidade depende de quantidade – quantidade de mestres, quantidade de doutores, quantidade de alunos, quantidade de horas/aula, quantidade de créditos, quantidade de livros, etc. Não existe nenhum trabalho científico que comprove a inter-relação entre quantidade e qualidade, principalmente quando a aprendizagem depende muito mais da qualidade do aluno e da sua vontade de aprender, do que do número de companheiros que ele tem em uma determinada sala de aula.
- Com referencia aos cursos online, nos dias de hoje, quando as tecnologias da informação e da comunicação reduziram as distâncias entre interlocutores que estão em localidades distintas, o conceito de educação a distância precisa ser revisto e atualizado. Ao mesmo tempo, a incorporação de metodologias educacionais online deve ser determinada pelas respectivas IES como parte dos seus direitos constitucionais de “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.[17]
Em um futuro muito, muito, mas muito próximo, as IES que não incorporarem metodologias online não terão chance de concorrer. Com tecnologia educacional literalmente nas pontas dos dedos, o conceito de “distância” mudou de significado e tem outra conotação.
Há que se adequar a legislação e os regulamentos aos tempos atuais e, ao mesmo tempo, conscientizar as PMIES que elas também precisam se modernizar para poder concorrer e sobreviver. É uma condição sine qua non.
- Caso haja resistências por parte do MEC em atender as determinações constitucionais e rever seus conceitos, as PMIES, individualmente ou em grupo, podem recorrer à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, criada pela Lei No. 12.529, de 30 de novembro de 2011, justamente para garantir a livre concorrência. No caso, as PMIES podem solicitar que a Secretaria atenda à sua competência de:
“VI – propor a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País.”
EPÍLOGO
A Constituição Federal, Carta Magna, lei das leis brasileiras, determina no Art. 170.
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (grifei), tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
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IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileira e que tenham sua sede e administração no País”
E no Art. 179.
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributária, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.
Enfim, concordamos plenamente com o Ministro Carlos Velloso que
“a livre concorrência é um postulado que exclui qualquer outro (exceto nas situações predeterminadas pela própria Carta, como é o caso do petróleo e dos minerais nucleares e radioativos, conforme previsão do art. 177) não afeito com este paradigma. Assim, em face ao § 4º, do art. 173, a legislação infraconstitucional deve não apenas reprimir o abuso do poder econômico que vise à eliminação da concorrência, como, o que é a melhor constatação, deve estimular a livre concorrência.[18]
As autoridades governamentais devem respeitar a Constituição Federal e se ater ao fato que IESs particulares são empresas privadas e não concessões, autarquias ou instituições públicas. Como empresas privadas, elas devem ter a liberdade de concorrer e crescer em condições de igualdade com qualquer outra empresa do mesmo ramo de atividades. No momento em que faculdades particulares não têm a mesma liberdade de criar e oferecer produtos educacionais nos mesmos moldes e critérios estabelecidos para as Universidades e os Centros Universitários, a livre concorrência é cerceada e, por não ter oferta adequada para suprir suas demandas, o povo é prejudicado.
A função do MEC de garantir qualidade é função de avaliação a posteriori, e não de restrição a priori . A Constituição e as Leis brasileiras permitem ampla atuação das entidades governamentais para garantir a qualidade dos produtos, principalmente em se tratando de qualidade no setor privado. Além de atender aos critérios do MEC, em sendo consideradas empresas, as PMIES particulares são regidas também pelo regime jurídico próprio das empresas privadas, respondendo às normas e regulamentos do Código de Defesa do Consumidor[19]
Já passou da hora das PMIES terem seus direitos constitucionais respeitados. Elas devem se apropriar do que dita o inciso IX do Art. 170 da CF e terem suas amarras liberadas para que possam concorrer livremente no mercado e garantir capacidade de competir em um mercado que já está globalizado.
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[1] “Diagnóstico das pequenas e medias instituições de ensino superior privadas no Brasil: Indicações para melhoria da competitividade”, ESTUDOS, Ano 29, No. 41, Março de 2014
[2] Censo educacional de 2012, Inep/Mec, conforme referenciado em ESTUDO, op. cit., P 15
[3] Andrea Jubé, “Faculdades privadas pequenas e médias estão em risco, diz estudo”, VALOR, 20 de agosto de 2014, P A12
[4] Andrea Jube, op. cit.
[5] Gabriel Mario Rodrigues, in ESTUDOS, op. cit., P 13
[6]Andrea Jube, op. cit.
[7] No caso, os indicadores de qualidade: Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos Avaliados (IGC), cujas composições e formas de pontuação não consideram as diferenças institucionais e os contextos locais e regionais
[8] Com a introdução das MOOCs (Massive Online Open Courses) em 2012, o raio de ação das universidades se tornou global. Nenhuma instituição de marca internacional (MIT, Harvard, Yale, Cambridge, Oxford, Stanford e, logo mais, IES da China, India, Malasia, etc.) estarão atuando em cada canto do Brasil – e não há nada que o MEC pode fazer para impedi-las
[9] Constituição Federal, Art. 206, III
[10] Constituição Federal, Art. 206, I e II; ver também, Lei No. 12.529 de 30 de novembro de 2011, Art. 1º.
[11] Lei 9394/96, (LDB), Art. 80
[12] Internet Access in U.S. Public Schools and Classrooms: 1994–2005 Highlights, National Center for Educational Statistics, U.S. Department of Education (NCES 2007-020), November 2006. Retrieved 22 January 2014.
[13] No meu entendimento, o Art. 80 da LDB, quando trata da “educação a distância” se refere aos meios e as tecnologias anteriores ao advento da internet, como podemos atestar pelos seus incisos e parágrafos:
§ 4º. A educação à distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá:
I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas;
III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais.
[14] Constituição Federal, Art. 206, III
[15] Lei 9394/96, (LDB), Art. 80
[16] Ver, inter alia, Constituição Federal Art. 170, IV; Art. 209;
[17] Constituição Federal, Art. 206, III
[18] Ministro Carlos Velloso, STF, MS No. 22323-5/SP
[19] LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.