Nada mais difícil para iniciar, mais perigoso de conduzir, ou mais incerto no seu sucesso, do que assumir a liderança de uma nova ordem de coisas. Porque o inovador tem como inimigos todos aqueles que se saíram bem nas condições antigas e como defensores apáticos, aqueles que poderiam se sair bem nas novas. (Maquiavel, 1513.)O Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou em audiência pública realizada no início de novembro passado a versão preliminar das Diretrizes para a Educação a Distância (EaD) no ensino superior. O Projeto de Resolução – preparado por comissão instituída na Câmara de Educação Superior, integrada pelos Conselheiros Luiz Roberto Liza Curi, Luiz Fernandes Dourado, Gilberto Gonçalves Garcia, Márcia Ângela da Silva Aguiar e Sergio Roberto Kieling Franco – recebeu uma série de críticas de natureza técnica e legal. As de ordem legal referem-se às competências incluídas no texto que são de responsabilidade do Congresso Nacional e não do CNE. A fundamentação teórica é extensa e repetitiva. A introdução contém um breve histórico da implantação da EaD no Brasil e um acurado estudo entre os conceitos legais da educação superior presencial presentes na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e os de EaD. Verifica-se uma concepção viciada de origem. Há um equívoco espantoso em entender a EaD como uma modalidade da educação. Sabemos que não existe dicotomia entre ensino presencial e a distância. Existe ensino. No primeiro, o conhecimento é transmitido diretamente por um professor aos alunos. No segundo, pela introdução de diversas mídias, a transmissão é feita aos alunos, que estão em diferentes lugares, sem a presença do professor. A esse respeito, Paulo Vadas, observa: “a educação é um processo multimediado de comunicação entre o emissor de informações e o receptor das informações”. Portanto, a “educação” é um processo composto de três fatores distintos e interrelacionados: a) ensino (transmissão de informações); b) aprendizagem (captação e internalização de informações que resultam na construção dos conhecimentos de cada indivíduo); e c) meios de comunicação (que possibilitam a transferência das informações). Sabemos também que os conselheiros do CNE, educadores com longos anos de experiência na área da educação, valem-se das contribuições de consultores especializados da academia e das entidades representativas do ensino superior para propor modificações nas regras da EaD. Nesse sentido, o CNE não pode incorrer no grave equívoco – técnico e legal – de criar “diretrizes para a educação superior a distância”, ignorando o que acontece em todos os países do mundo. Legislação específica para a EaD, por mais incrível que pareça, só existe na China e no Brasil.[1] O Projeto de Resolução parte de uma concepção errônea, que diferencia o ensino a distância do ensino presencial e que, consequentemente, resultará numa aplicação distanciada dos fatos, considerando que o princípio é o mesmo: um emissor (professor presencial e/ou a distância) e um receptor (o aluno).A questão não é pontual como pensa o CNE e se este quiser inovar deverá seguir outro caminho, isto é, estudar as formas de adequar o ensino superior à realidade dos novos tempos. Há necessidade de uma mudança radical na educação para atender às expectativas do país, das empresas, das famílias e dos estudantes. O principal desafio para os estudiosos é o anacronismo dos sistemas educacionais do mundo moderno e a morosidade da universidade em adequar-se às mudanças rápidas e profundas em todas as áreas do conhecimento e às demandas da sociedade em constante transformação. Em todos os ambientes de atuação profissional, a expectativa é da formação de cidadãos globais para contribuir positivamente, para a construção de um mundo melhor. É voz corrente em todos os congressos mundiais de educação que “as novas tecnologias com velhas pedagogias não servem para nada”. Pesquisas feitas no Canadá, de acordo com Frederic Litto revelam que num curso universitário online bem estruturado, a aprendizagem dos estudantes é mais eficaz do que na modalidade presencial. Isto porque o curso a distância é o resultado do trabalho de uma equipe de profissionais, e não de um único profissional, o professor (como no presencial). Assim, o trabalho em equipe garante um produto de maior qualidade em termos de elaboração e de produção. Enfim, a rede www nos leva a qualquer lugar onde está a informação. O grande desafio para atender as metas do Plano Nacional de Educação (2014-2024) é elevar a taxa bruta de universitários para alcançar 50% da população até 62 anos. E este percentual só poderá ser conseguido atraindo parcela das 20 milhões de pessoas que cursaram até o ensino médio. Para isto acontecer, as novas tecnologias de comunicação e informação serão imprescindíveis. Não adianta o CNE querer entrar nos aspectos operacionais do processo de transmissão do conhecimento, visando estabelecer procedimentos baseados nos “polos”, quando estes se aplicam unicamente à transmissão via satélite e não aos acessos via internet que são de caráter individual. Não é demais lembrar que a aprendizagem a distância no ensino superior começou há mais de um século e meio no Reino Unido, quando a Universidade de Londres criou o sistema de cursos por correspondência, via correio postal. Estados Unidos, Canadá, Rússia e países de grande extensão territorial repetiram, com sucesso, o modelo. Esta área então se aperfeiçoou de forma notável com a adoção de novas formas de comunicação. No Brasil, os primeiros cursos superiores se iniciaram na metade da década de 1990, apesar do descrédito das comunidades acadêmicas e do conservadorismo das burocracias, avessas a todo tipo de inovação. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) há mais de 1 milhão de alunos no ensino a distância com avaliação positiva no Exame Nacional de Avaliação dos Estudantes (Enade). Respeitada a avaliação, com base na Lei do Sinaes, o que vai valer é a competitividade entre as instituições, tendo como referência a qualidade dos cursos. Mais do que ninguém, o estudante saberá escolher o melhor. Deste veredicto, dependerá a sobrevivência das organizações educacionais. [1] No nosso país as disposições foram estabelecidas pelo Decreto n.º 5.622/2005, que regulamentou o artigo 80 da LDB.