Cecília Eugenia Rocha Horta
Diretora Acadêmica da ABMES
Professora aposentada da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG
abmes@abmes.org.br
***Recebi com grande tristeza, no dia 2 de dezembro, a notícia do falecimento da Professora Vera Costa Gissoni, chanceler da Universidade Castelo Branco e membro do Conselho da Presidência da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
Tal como destacou o presidente Gabriel Mario Rodrigues em seu artigo publicado no dia 9/12 no blog abmeseduca.com (Veja aqui), Vera desempenhou um papel fundamental na concepção e na criação da ABMES.
Sobre isto, ela disse recentemente: “32 anos se passaram e conquistei o meu objetivo. Meu sonho se concretizou. Hoje tenho absoluta certeza de que tudo valeu a pena e que o esforço empreendido em prol da educação não foi em vão”.
Vera era uma educadora ímpar, forte, lutadora, corajosa e extremamente rigorosa na defesa de seus princípios e valores. Assim ela fará imensa falta no cenário educacional brasileiro. Ela deixa um legado de amor, de dedicação e de crença no poder da educação para transformar as pessoas e a sociedade em que vivemos. Conservou essa crença e lutou por ela até o fim de seus dias.
Por admirar profundamente Vera Gissoni, por ter compartilhado inúmeras vezes de suas ideias e crenças e por conhecer a sua natureza e o seu nobre coração, decidi republicar na íntegra uma crônica (ainda atual) – “A fábula dos anos noventa”– que escrevi em 1993 para o ABMES Notícias (n.º 14,1993) sobre o sequestro a que ela foi submetida em 1993, no Bairro Realengo, na cidade do Rio de Janeiro.
Este ato violento roubou-lhe temporariamente um bem precioso, a liberdade, mas não a sua crença no ser humano. “Essa era a sua natureza”.
A fábula dos anos noventa O circuito de cinema de Brasília exibiu, recentemente, o filme “Traídos pelo Desejo” produção inglesa dirigida pelo irlandês Neil Jordan, recebido como grande sensação pela crítica e pelo público. O ator Stephen Rea é Fergus, voluntário do Exercício Republicano (IRA) encarregado de vigiar durante três dias o soldado negro inglês Jody (Forest Whitaker), que fora capturado para ser trocado por um dos líderes do grupo que estava em poder do exército britânico. O sufocante capuz que cobria o rosto de Jody durante os três dias de cativeiro, conforme observa Ana Maria Rossi do Jornal de Brasília (26.03.1993), é o primeiro dos muitos disfarces que Fergus usou durante o filme. Vigiando o prisioneiro 24 horas por dia, o terrorista irlandês vê nascer um estreito veículo entre os dois. Eles conversam durante horas, trocando revelações sobre suas vidas e seus sentimentos. E Jody conta a seguinte fábula a Fergus: depois de dar carona ao escorpião, carregando-o nas costas na travessia de um rio, a rã sente uma picada mortal quando está chegando à outra margem. Diz a rã: você prometeu que não faria isso. Agora nós dois vamos morrer. O escorpião respondeu eu não quero morrer... mas essa e a minha natureza. Com esta fábula o diretor irlandês questiona as crenças e as tradições que submetem o homem desde final de século a padrões de comportamento contrários à sua natureza. Se é esta a condição do homem, o que acontecerá daqui a frente? A propósito dessa questão, Cristovam Buarque observou: “uma violenta luta de classe já se manifesta nas ruas das cidades brasileiras. Os ricos e quase-ricos veem cada pobre como um possível violentador da ordem; os pobres quase-pobres veem os consumidores com esbanjadores de direitos alheio. Os primeiros se defendem se apartando da maioria, fogem e se isolam em condomínios, ruas fechadas, shopping centers, protegem-se com elaborados equipamentos e serviços de vigilância. Os demais, poucos a pouco, passam assumir a violência pessoal como caminho da sobrevivência, a delinquência individual contra a delinquência política e econômica, e exercem o poder individual para compensar a fragilidade social”. É nesse contexto, e não por questões ideológicas (e não menos violentas) como é o caso do IRA, que se enquadram os homens que sequestram e matam no Brasil e os que sequestraram Vera Costa Gissoni, Diretora das Faculdades Integradas Castelo Branco, no Rio de Janeiro e a mantiveram no cativeiro. Para tanto, usando de sofisticação e requinte, os sequestradores se infiltraram na sua escola e a sequestraram, cobriram seu rosto com um sufocante capuz (como no filme), causaram-lhe grande sofrimento, retratado com toda a sua crueza nas imagens da televisão, no momento de sua libertação. Sozinha, trancada num banheiro de uma casa comum, Vera deve ter tido oportunidade de fazer uma reflexão sobre a vida, sobre a questão do sofrimento, sobre nossa impossibilidade individual de lutar contra a violência, sobre a condição humana, sobre a submissão do homem a padrões de comportamento contrários a sua natureza. Após 15 dias de intenso sofrimento Vera foi libertada e está de novo entre nós. Ela é forte e corajosa e declarou ainda acreditar no homem deste final de século. Para reverter esse quadro de violência, Vera dá sua própria contribuição: investe na qualidade de sua escola, luta, trabalha e acredita nas possibilidades de transformação do nosso País pela educação. Essa é a natureza de Verinha.




