Com o envelhecimento cada vez mais acelerado da população, o país não pode deixar de aproveitar a oportunidade única e histórica de educar melhor crianças e jovens para fazer frente aos desafios do futuro. Mas para virar vantagem, é preciso qualificar e capacitar os jovens de hoje, pois se não o fizermos estaremos desperdiçando o bônus demográfico, último das próximas décadas. (Elza Berquó)Época de férias escolares é tempo de fazer reformas, reparar instrumentos de laboratórios e pintar fachadas dos prédios escolares. Numa dessas ocasiões, estando eu na Universidade Anhembi Morumbi, fui procurado num final de tarde por um rapaz que desejava falar com o reitor. Ele então me disse: – Sabe, peguei de empreitada a pintura da fachada e estou trabalhando desde dezembro. Terminei o colegial há quatro anos e quero voltar a estudar. Como a minha família não tem condições de pagar a faculdade, quero fazer um trato com vocês. Dou um desconto nos serviços e em troca recebo uma bolsa para entrar na engenharia, caso passe no vestibular. Ele passou e ganhou 40% de bolsa. Já relatei em artigos neste blog outros casos de pessoas humildes que conseguiram bolsas em instituições particulares. Escrevi sobre a diarista portuguesa que trabalhou em minha casa e que conseguiu formar seus dois filhos em engenharia. Escrevi ainda sobre a empregada doméstica, moradora de favela do bairro, que me trouxe o convite de formatura da única filha que conseguiu completar um curso superior. Infelizmente não existem pesquisas para mostrar as centenas de milhares de alunos advindos das classes sociais menos favorecidas que cursaram faculdades graças às bolsas integrais e/ou parciais concedidas pelas escolas particulares. Pedro, ex-pintor, é hoje engenheiro da Companhia Vale do Rio Doce. Dos filhos da Maria portuguesa, Valter é engenheiro no Espírito Santo e Luiz é comerciante em Minas Gerais. Geralda, filha da Maria paraibana, é diretora de Recursos Humanos de empresa paulista. De acordo com informações recentes, os filhos de todos eles cursam ou cursaram colegiais de alto padrão e aqueles que continuam os seus estudos estão matriculados nas universidades federais. Reconhecemos o grande esforço de cada um, mas gostaríamos de ver reconhecido o papel de ascensão social também propiciado pelas instituições particulares de ensino superior, ao concederem bolsas para que os alunos de classes menos favorecidas possam chegar à universidade. Este aspecto importante, sempre negligenciado, precisa ser destacado para que a sociedade possa perceber seu valor. Num país ideal, o Estado deve responsabilizar-se por tudo, inclusive pela preparação de todos os seus recursos humanos. Como esta não é a realidade brasileira, torna-se imprescindível a participação do setor particular para atender o desenvolvimento do país. O ensino particular precisa ser pago, o ensino público, não. O primeiro é pago pela família do aluno, diretamente à instituição; o segundo é viabilizado por todos os contribuintes, por meio de impostos. As classes mais altas investem nas melhores escolas de segundo grau para que seus filhos possam cursar o ensino superior gratuito. As classes “C” e “D” fazem o contrário e não conseguem que seus filhos cursem a universidade. É o raciocínio do poder dominante, o mesmo da “Casa Grande e Senzala”: camarotes para os afortunados e as arquibancadas para os outros. O Programa Universidade para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criados nos governos Lula e Dilma, têm caráter social de grande impacto, ao permitir que milhares de estudantes possam completar seus estudos universitários, ascender socialmente e melhorar o nível de vida de suas famílias. Nesse sentido, esses programas, se desenvolvidos de acordo com os objetivos para os quais foram criados, serão legados da história política de Lula e Dilma como estadistas. Importante lembrar que as propostas dos programas em questão foram amplamente discutidas com a iniciativa privada visando alcançar completo acerto na operação. No caso do Fies, por exemplo, houve empenho pessoal do ex-ministro Henrique Paim para que fosse utilizado por todo o sistema. Embora na ocasião poucas instituições acreditassem no Fies. A ABMES, como parte do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, em dois ofícios enviado ao MEC, lamentou a expedição das Portarias Normativas MEC nº 21, 22 e 23/2014 e deixou clara sua posição com respeito à falta de sensibilidade da burocracia estatal em não perceber que os grandes prejudicados com as mudanças introduzidas pelas normas foram os alunos de famílias desprotegidas de recursos que estarão impedidos de ingressar no ensino superior. Além disso, alertou sobre a necessidade de adoção, por parte do MEC, de medidas corretivas em curto prazo, tendo por base, entre outros, os seguintes aspectos:
- o Governo Federal está retirando a prioridade para a educação indo na contramão dos compromissos assumidos durante a última eleição presidencial;
- as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) não serão alcançadas sem o financiamento para os alunos das classes “D” e “E” ingressarem no ensino superior;
- as disposições das portarias destroem de forma contundente um importante mecanismo da inclusão social;
- a nota de corte de 450 pontos no Enem precisa ser analisada com mais critério ou, por outro lado, se seria mais justo reduzir a renda máxima do candidato ao Fies;
- as medidas afetam também as pequenas e médias instituições de ensino superior (PMIES) que têm papel muito importante nas regiões distantes dos centros mais desenvolvidos onde se concentram elevados graus de pobreza;
- as pessoas que têm mais recursos se preparam melhor para o Enem e vão para as universidades públicas, enquanto as que têm menos condições financeiras, nem ao menos ao Fies poderão mais ter acesso. Para estas últimas é mais importante completarem seus cursos superiores com alguma limitação do que serem deixadas à margem deste importante fator para sua educação e para o exercício pleno da cidadania. Sem Fies e sem vagas nas universidades públicas, qual o destino dos candidatos ao ensino superior provenientes das classes “D” e “C”?
- as medidas lamentavelmente implicam na perda das bandeiras sociais de Lula e Dilma de propiciar ensino superior para as classes desprotegidas;
- a total insensibilidade do órgão público e a demora em sanear uma decisão totalmente equivocada produzem sérios impactos nas escolas, impedidas que estão, no momento atual, de se organizarem para oferecer os seus serviços por desconhecerem o número de alunos que deverão matricular;
- os recursos emprestados pelo Fies aos alunos, embora com juros subsidiados, serão pagos após a formatura.Com o correr do tempo, há outra compensação, por que como profissional mais qualificado pagará valor maior de impostos, e, finalmente;
- se houvesse de fato uma avaliação mais criteriosa no orçamento fiscal, comparativamente, o investimento em educação seria mais significativo do que muitas despesas que não geram valor.