Gabriel Mario Rodrigues
Presidente da ABMES e Secretário Executivo do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular***
O desenvolvimento da pessoa e a formação para o exercício da cidadania são deveres da família em parceria com a escola. A qualificação para o trabalho, competência dos diversos sistemas educacionais em que se divide a educação brasileira, não tem entre si uma articulação consistente, efetiva e permanente.Em belo artigo publicado no blog ABMESeduca no dia 26 de fevereiro, “Pátria educadora: não é só mensalidade, Maurício Garcia aborda o sistema de avaliação das instituições de ensino superior (IES) brasileiras. O autor deixa claro que o maior desafio da educação superior particular é superar as lacunas cognitivas causadas ainda na tenra idade, nos jovens oriundos de famílias de nível social, cultural e econômico de menos recursos que constituem, em maioria, os nossos estudantes. Enfatiza que o grande equívoco da avaliação é presumir que qualidade se mede pelo Exame Nacional de Cursos (Enade) e utilizar como parâmetro a universidade pública para a qual vão os melhores alunos sem carência de formação. Garcia diz que as melhores práticas de aprendizado deveriam ser estimuladas – e nós complementamos afirmando que o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC) devem ser exterminados por serem simples arranjos matemáticos que viraram normas legais – e, conclusivamente, ele pergunta: “ o que é mais importante, a instituição que recebe alunos com nota 4 e os transforma em alunos com nota 5, ou aquela que os recebe com nota 1 e os eleva a 3”? É lógico que a segunda opção vale mais. É necessário, porém, explicar o critério com o qual são aplicadas as notas e deixar claro que a qualidade só pode ser aferida por comparação a um modelo ideal. Assim, a avaliação dever ser referenciada por alguns aspectos entre os quais: os serviços oferecidos (instalações, professores, programas e outros); os processos (como as ações são realizadas), o produto final (o que o aluno aprendeu) e as suas finalidades (se as competências adquiridas pelo aluno são úteis para ele, para a empresa ou para o país). Podemos também ter oferta e processos perfeitos e o aluno nada ter aprendido e vice-versa. A formação do cidadão e do profissional é princípio consagrado na Constituição Federal pelo artigo 205 que estabelece:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.O desenvolvimento da pessoa e a formação para o exercício da cidadania são, portanto, deveres da família em parceria com a escola. A qualificação para o trabalho, competência dos diversos sistemas educacionais em que se divide a educação brasileira, não tem entre si uma articulação consistente, efetiva e permanente. Para o sociólogo francês Philippe Zarifian,[1] competência é tomar a iniciativa e assumir a responsabilidade diante das situações profissionais com as quais nos deparamos. É um entendimento prático de situações que se apoia em conhecimentos adquiridos e os transforma à medida que aumenta a diversidade de situações. Para ele, competência engloba habilidade, mas não se restringe a ela, ultrapassando a capacidade de operacionalização. Da mesma maneira, competência engloba atitude, mas não se restringe a ela, pois competência pressupõe ação adequada e não simplesmente ação. Assim, podemos entender o conceito de competência como articulação e mobilização de saberes:
- saber – conhecimento correspondente aos conteúdos conceituais, fatos, princípios e técnicas;
- saber fazer – habilidades correspondentes ao conteúdos procedimentais (técnicas, estratégias, maneira de ser realizada uma ação);
- saber ser e conviver – valores e conteúdos atitudinais.
Os cursos avaliados pelo Enade versam sobre o domínio destas três competências: saber; saber fazer e saber ser e conviver.
Nesse sentido, a avaliação do estudante nunca poderia ser complementada por índices estabelecidos pelo MEC para expressar a avaliação de um curso ou instituição (CPC e IGC). Por incrível que pareça a avaliação brasileira é feita assim, por um arranjo matemático.
Sabemos que todas as instituições se preocupam em oferecer conhecimento e atividades mas poucas se preocupam com as competências atitudinais. O profissional pode saber uma fórmula, pode conhecer uma lei, e não saber como aplicá-las.
Hoje em dia perseverança, criatividade, responsabilidade, foco, determinação, relações humanas, entre outros, são atributos desejados para identificar a “personalidade” e para contratar funcionários pela empresas.
Apenas como exemplo mostramos pesquisa realizada pela Hart Research Associates com apoio da Association of American Colleges and Universities para perceber como os universitários e as empresas pensam a respeito. (clique na imagem para ampliar)
Assim, “saber”, “saber fazer” e “saber ser e conviver” são valores atitudinais ligados à personalidade e adquiridos na convivência e nas experiências pessoais que vão se formando desde a primeira infância até a juventude.
No ensino médio americano há escolas que privilegiam o aprendizado de habilidades como determinação, autocontrole, curiosidade como componentes curriculares. Para os cientistas, a personalidade pode ser mais importante que a inteligência.
Ser diligente, perseverante e criativo é melhor indicador para prever o rendimento escolar dos alunos do que ser inteligente. Porém diligência, perseverança e criatividade são pouco estimuladas porque na hora da avaliação privilegia-se a nota 10 em matemática.
Enquanto convivemos compulsoriamente com este atrofiado sistema de “notas MEC” avaliativas, a preocupação mundial com a transformação da educação superior está em outro patamar, isto é, os caminhos curriculares não repousam mais em grades sequenciadas e os dois anos iniciais estão totalmente focados na formação da pessoa.
Concluindo, é preciso ser cidadão antes de pensar em uma profissão. O estudante precisa pensar em ser gente e em seu projeto de vida. Precisa pensar na sustentabilidade deste planeta em constante evolução, questão sobre a qual todos nós somos responsáveis.
[1] Sobre o pensamento do autor, consultar: http://books.google.com.br/books/about/O_modelo_da_compet%C3%AAncia.html?id=KC7AXNkM-6MC&redir_esc=y




