![Paulo Vadas](http://blog.abmes.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Paulo-Vadas-150x150.jpg)
O processo educativo ocorre em todas as circunstâncias da vida humana, em todos os locais e em todos os tempos, em maior ou menor intensidade, formal ou não, com melhor ou menor qualidade[1]Sem dúvida, as mais recentes tecnologias da informação e da comunicação, criadas principalmente nos últimos trinta anos, estão afetando profundamente o setor educacional formal, principal detector das informações científicas dos últimos mil anos, se não dos últimos cinco mil anos.[2] O que mais tem afetado a capacidade de assimilação dessas novas tecnologias de comunicação tem sido a rapidez com que elas vêm se desenvolvendo, convergindo, e mudando as formas de se comunicar. Cada vez mais inseridas no contexto educacional, as novas tecnologias da comunicação estão rompendo com os sistemas tradicionais de educação formal, tipicamente focados e centrados na sala de aula, e possibilitando o desenvolvimento de metodologias que facilitam o processo de aprendizagem fora dela. No Brasil, infelizmente, a legislação, e as normas dela decorrentes, que deveriam possibilitar a rápida inserção do país na nova era da aprendizagem on demand, vem impondo barreiras totalmente desnecessárias, e muitas vezes, ao interferir nos projetos pedagógicos de forma inconstitucional[3], vem cerceando a liberdade das IESs em oferecer propostas pedagógicas mais modernas, pertinentes e relevantes ao momento em que vivemos. No recente VIII Congresso Brasileiro do Ensino Superior Privado, organizado pelo Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, por exemplo, o presidente do Conselho Nacional de Educação, Gilberto Gonçalves Garcia, deixou bem claro que para muitos membros do CNE o “ensino a distância” é mero instrumento do “ensino presencial”. Essa mentalidade “paradigmatizada” da educação tradicional é prejudicial à inovação e à criatividade no setor educacional brasileiro, e, fruto de uma aberração da LDB[4], uma lei promulgada quando a internet ainda estava em sua infância, uma verdadeira atrocidade em relação à “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar...” preconizadas pelo Art. 206 da Constituição Federal.[5] Não só a ideia de “educação a distância” é uma aberração, mas o que é ainda pior, é uma ideia construída sem um pensamento mais profundo sobre seu significado. Lessa expõe que “visando assegurar a qualidade do processo de educação a distância, inúmeros decretos, leis e portarias são constantemente escritos, avaliados e atualizados.”[6] Só que esses inúmeros decretos, leis e portarias têm um fator comum: a falta de definição clara do significado do conceito que regulam, como, no caso, o da “educação a distância - EAD”. Essa falta de definição clara tem causado interpretações e inferências que nem sempre são coerentes, atrasam o processo educacional, promovem um retrocesso inadmissível para a modernização das práticas educacionais brasileiras, e causam um mundo de confusões que culminam em insegurança legal para quem tenta seguir suas determinações. Por exemplo, o Art. 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB 9394/96) que, pela primeira vez na legislação brasileira, aborda e trata diretamente do assunto “educação a distância”, indica que o conceito se refere a programas que deverão fazer parte dos vários níveis e das várias modalidades educacionais:
Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada[7]Já o Art. 1º. do Decreto no. 5.622, de 20 de dezembro de 2005, que regulamenta o Art. 80 da LDB, descaracteriza e confunde o conceito ao se referir a educação a distância como modalidade e não como programa[8]:
“...caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorrem com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”[9]Esse entendimento pela LDB, de que a “educação a distância” é um processo que ocorre “com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares e tempos diversos”[10] foi baseado em um contexto que nada tinha a ver com a internet. Tinha a ver com os sistemas existentes até então e que distinguia os cursos em sala de aula dos cursos oferecidos exclusivamente pelas teleaulas e pelos cursos por correspondência. O parágrafo 4º do Art. 80 deixa bem claro esse entendimento:
§ 4º. A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá: I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens; II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas; III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais.Infelizmente, porem, as mudanças tecnológicas não foram adaptadas pela lei, promulgada quando a internet ainda estava em sua infância. Mesmo assim, a distinção entre a educação tradicional, em sala de aula, da educação fora dela, na prática não tem razão de ser. Se é verdade a afirmação do CNE que:
“o que interessa, essencialmente, não é o que a escola ensina, mas sim o que o aluno aprende nela ou fora dela. O que conta, efetivamente, é a competência desenvolvida. As competências desenvolvidas em atividades fora da escola, no mundo do trabalho e na prática social do cidadão, devem ser constantemente avaliadas pela instituição educacional e aproveitados para fins de continuidade de estudos, numa perspectiva de educação permanente e de contínuo desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprender a aprender, com crescente grau de autonomia intelectual. A nova ênfase é para o resultado da aprendizagem e não simplesmente para o ato de ensinar”.[11]então a distinção de aulas online vs. aulas em sala de aula não faz sentido nenhum. Alias, se realmente “o que conta, efetivamente, é a competência desenvolvida”, ou seja, se o que conta efetivamente é “o resultado da aprendizagem”, então não faz sentido distinguir qualquer tipo de meio/processo de aprendizagem. Uma vez determinada a dicotomia em Lei, sem que houvesse qualquer tipo de preocupação com significados ou com a definição inequívoca dos conceitos “educação”, “presencial”, e “distância”, o processo educacional em sala de aula passou a ser referido como “educação presencial”, enquanto que aquele que a partir do novo século se desenvolveu na internet passou a ser referido como “educação a distância”. Porém, palavras têm significado; conceitos não podem passar sem definições; e erros não podem ficar sem ser corrigidos, sob pena de causarem custos desnecessários e, no caso das instituições educacionais, perdas de flexibilidade didático-pedagógicas e de competitividade. Vou mais além, não é só a falta de uma definição clara de conceitos, mas a ideia de que existe na realidade algo que podemos chamar de “ensino a distância” e algo que podemos chamar de “ensino presencial”, é, como argumento mais adiante, uma falácia sem lógica. Para que possamos entender que na atual conjuntura tecnológica distinguir os conceitos de “educação presencial” e “educação a distância”, tal qual o fez o MEC, não faz sentido e não tem lógica, a seguir sugiro minha interpretação e definição dos conceitos “educação”, “presencial” e “a distância””: EDUCAÇÃO O ministro Vieira, no seu parecer sobre a constitucionalidade e legalidade da revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro por formandos em cursos superiores de IES brasileira localizada no exterior[12], declara claramente que a “educação é um processo” de transferência de informações[13]. Concordamos com essa interpretação. A educação, é um processo uni- ou multimediado de transferência/transmissão de informações do emissor (ensinador)[14] ao receptor (aprendiz)[15]. Ou seja, do ponto de vista puramente conceitual, a educação é um processo de comunicação[16] pelo qual o professor/instrutor transmite (transmissor) suas informações ao aprendiz (receptor) com o claro e propositivo objetivo deste construir seu conhecimento e desenvolver suas competências. Na educação formal, aquela que é sancionada pelo poder público em função dos ordenamentos constitucionais e legais, a educação é um processo de comunicação propositiva de informações organizadas, estruturadas sequencialmente em termos temporais, unimediada pelo professor, com finalidades pré-determinadas de profissionalização. Ao passo que a educação informal é um processo de comunicação livre de sancionamento pelo poder público, que acontece de forma aleatória, não necessariamente sequencial em termos temporais, e com informações recebidas pelos aprendizes em função das mais diversas demandas de aprendizagem, multimediada pelos mais diferentes meios de comunicação. PRESENCIAL Na sua essência, o conceito “presencial” significa estar presente fisicamente em algum lugar, presenciando alguma atividade/ocorrência. A pessoa que presencia a atividade/ocorrência, necessariamente a está fazendo em tempo real – ou seja, está vivenciando o acontecimento que está acontecendo naquele momento e que está sendo transmitido, por algum meio, para aquele lugar. Na educação, enquanto processo de comunicação, quando o aprendiz assiste à uma aula, independente do meio em que ela está sendo transmitida (pelo professor, pela internet, por um vídeo, por um áudio, por um livro, etc.) ele, aprendiz, receptor da informação, necessariamente, pela lógica, está sempre fisicamente presente no local em que está recebendo a informação, independente se o transmissor da informação está a dez centímetros ou a dez quilômetros de distância. Reiterando: é uma impossibilidade física o receptor (aluno) não estar presente no local em que está recebendo a informação. Só para deixar bem claro: não há como uma pessoa aprender algo sem estar fisicamente presente no local em que ela está aprendendo. A DISTÂNCIA O conceito “distância” nos informa que existe algum espaço entre dois ou mais objetos que, de alguma forma, se relacionam. No caso da educação, quer medida em milímetros, centímetros, metros, ou quilômetros, não importa, sempre há alguma distância entre o professor e seu(s) aluno(s), mesmo que estejam em um mesmo ambiente, como em uma sala de aula, ou em ambientes diversos – é, pela lei da física, o princípio da impenetrabilidade[17]. Assim sendo, como todo o ensino, por definição e lógica, ocorre com alguma distância entre o ensinador e o aprendiz, falar de “ensino a distância” é redundante. Reiterando, é uma impossibilidade física o professor e o aluno ocuparem o mesmo espaço físico – sempre haverá alguma distância entre os interlocutores. Na verdade a distância entre o computador e o aluno que está assistindo uma aula pela internet é, geralmente, menor do que a distância entre o professor na frente de uma sala de aula e o aluno que senta no fundo daquela sala. Se com o uso das novas tecnologias de comunicação, não estamos mais nos referindo à educação fora da sala de aula como “EAD”, como devemos caracterizar a diferença entre a educação tradicional, em sala de aula, unimediada pelo professor, da educação moderna, em ou fora da sala de aula, multimediada por vários tipos de transmissores? EDUCAÇÃO MULTIMEDIADA A própria pergunta já contem a resposta: o que está mudando na educação é a adoção de novos modelos/processos didático/pedagógicos que, na essência, tiram o foco da unimediação da transferência estruturada de informações emitidas pelo professor, de acordo com o que ele quer ensinar, e colocam o foco na recepção de informações recebidas pelo aprendiz por vários meios (multimediada), em função das suas necessidades educacionais pessoais e do que ele/ela que aprender, independente do local, dia, e hora. Portanto, ao invés de falarmos de “educação presencial” ou “educação a distância”, o mais correto é falarmos de educação “uni-“ ou “multimediada”. CONCLUSÃO Dado as definições e explicações oferecidas acima, podemos concluir que Toda a aprendizagem é presencial e todo o ensino é a distância. Neste contexto, entendo que há que se reformular o Art. 80 da LDB, e todas as normas, portarias, pareceres e decretos delas decorrentes, não só em relação conceitual como também para atender a Constituição Federal referente ao Art. 206, III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas). Entendo que a utilização dos meios, e instrumentos em processos educacionais é questão de concepção pedagógica e, portanto, é constitucionalmente de domínio das instituições educacionais, não da LDB, ou de decretos leis, ou de normas, ou de regulamentos, etc. É questão de se respeitar a hierarquia das leis. Portanto, há que se rever, inclusive, todas as contradições do MEC e do CNE que, em muitos pareceres, dão a impressão de modernidade e constitucionalidade, mas, na prática, nada fazem para dar tranquilidade e segurança legal às instituições educacionais, senão, vejamos:
“A flexibilidade agora prevista abre um horizonte de liberdade, no qual a escola construirá o currículo do curso a ser oferecido, estruturando um plano de curso contextualizado com a realidade do mundo do trabalho. A concepção curricular é prerrogativa e responsabilidade de cada escola e constitui meio pedagógico essencial para o alcance do perfil profissional de conclusão.“A flexibilidade permite ainda agilidade da escola na proposição, atualização e incorporação de inovações, correção de rumos, adaptação às mudanças, buscando a contemporaneidade e contextualização da educação profissional. Num mundo caracterizado por mudanças cada vez mais rápidas, um dos grandes desafios é o da permanente atualização dos currículos da educação.“A flexibilidade curricular atende igualmente à individualidade dos alunos, permitindo que esses construam itinerários diversificados, segundo seus interesses e possibilidades, não só para fases circunscritas de formação, mas também para que se insiram em processos de educação continuada, de permeio ou em alternância com fases de exercício profissional.” [18] (grifei) |
“(A)s Diretrizes Curriculares Nacionais ensejam a flexibilização curricular e a liberdade de as instituições elaborarem seus projetos pedagógicos para cada curso segundo uma adequação às demandas sociais e do meio e aos avanços científicos e tecnológicos, conferindo-lhes uma maior autonomia na definição dos currículos plenos dos seus cursos;[19] (grifei) |
“(A)s instituições devem desenvolver estratégias curriculares que possibilitem, também, ofertá-los àqueles indivíduos que, embora já inseridos no setor produtivo, necessitam de oportunidades para se requalificar ou reprofissionalizar.... Para atingir tal objetivo, as instituições devem... ofertar programas que possibilitem a formação em serviço, utilizando-se, para isso, de recursos de educação a distância, com etapas presenciais e semi-presenciais...”[20] (grifei) |
“A Constituição Federal de 1988, com indiscutíveis avanços, prescreveu, em seu art. 22, inciso XXIV, que a União editaria, como editou, em 20 de dezembro de l996, a nova LDB 9.394/96, contemplando, na nova ordem jurídica, um desafio para a educação brasileira: as instituições assumirão a ousadia da criatividade e da inventividade, na flexibilização com que a LDB marcou a autonomia das instituições e dos sistemas de ensino, em diferentes níveis. Certamente, adviria uma nova concepção da autonomia universitária e de responsabilização das instituições não-universitárias, em sua harmonização com essas mutações contínuas e profundas, de tal forma que ou as instituições se revelam com potencial para atender “às exigências do meio”, ou elas não se engajarão no processo de desenvolvimento e se afastarão do meio, porque não poderão permanecer “preparando” recursos humanos “despreparados” ou sem as aptidões necessárias ao permanente e periódico ajustamento a essas mudanças.Desta maneira, ficou evidente que, ao aprovar as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação, a intenção é mesmo garantir a flexibilidade, a criatividade e a responsabilidade das instituições de ensino superior ao elaborarem suas propostas curriculares, por curso, conforme entendimento contido na Lei 10.172, de 9/1/2001, que estabeleceu o Plano Nacional de Educação ‑ PNE, ao definir, dentre os objetivos e metas, “(...) Estabelecer, em nível nacional, diretrizes curriculares que assegurem a necessária flexibilidade, a criatividade e a responsabilidade das instituições diversidade nos programas oferecidos pelas diferentes instituições de ensino superior, de forma a melhor atender às necessidades diferenciais de suas clientelas e às peculiaridades das regiões nas quais se inserem ...”.[21] (grifei) |
“(E)m relação à atual LDB, a qual preconiza que o projeto pedagógico do estabelecimento de ensino... é a expressão da autonomia da escola, mas está sendo trabalhado de maneira burocrática, por muitos diretores e professores que temem a responsabilidade inerente à autonomia e limitam a sua ação ao âmbito da mediocridade”[22] (grifei) |