Por Carmem Tavares*
Em novembro de 2019, instituições de ensino superior em todo o mundo estavam fechando ou executando seus planejamentos para o ano de 2020. Fomos acometidos por um grande evento capaz de paralisar nossos projetos e nos lançar, em maior ou menor grau, rumo ao desconhecido, ou ao não planejado. Acontecimentos dessa natureza são importantes para trazer inovação incremental, ou seja, uma inovação de tecnologia, produto ou serviço com características de trazer evolução à um mercado ou segmento. Ao contrário da inovação disruptiva que provoca disrupção, ou uma ruptura aos padrões já estabelecidos e, segundo Clayton Christensen, Professor da Universidade de Harvard, está relacionado a algo inédito, original ou transformador.
Em 2020, houve uma efervescência de implementação de novas ideias, sustentando novos projetos, criando inovações de processos para atender a demanda por Educação a Distância (EAD) devido ao isolamento social. Como apresentado em um dos artigos anteriores houve extensa pesquisa em todo o mundo para saber quais as ferramentas mais apropriadas, estudo da concorrência, oportunidades disponíveis no mercado global para se atingir os objetivos coerentes pretendidos relacionados às expectativas de alunos, pais, professores, executivos e mantenedores.
Caminhamos até o final de 2020 e aqui estamos. Só que, hoje, o futuro foi ontem. E é justamente aqui que reside o drama dos retardatários, sejam eles países, políticas, instituições ou indivíduos: ontem carentes de visão, hoje impotentes de ação. Se chegamos ao ponto que chegamos, de sermos pegos de surpresa para trazer inovação para dentro de nossas instituições, foi porque, talvez nos sentíssemos demasiadamente confortáveis lá atrás, em 2019, e não havia a necessidade de mobilização visando o aparelhamento das instituições para oferta de Educação a Distância, formação de professores para atuar nesse novo modelo e se reconhecerem agentes de um novo papel que passam a desempenhar articulando e facilitando a aprendizagem. Não se pensava em estratégias específicas para captação e manutenção de alunos em um ano totalmente atípico com um percentual de 14% no mínimo de ingressantes na rede privada de ensino superior. Por outro lado, nem os grandes visionários souberam antecipar o futuro. Grande parte dos gestores do setor não compreenderam o potencial que existe por trás do caos, em que é preciso saber construir gestão articulada e compartilhada, o que infelizmente não é uma ciência, é uma arte.
Hoje, do ocidente ao oriente, do primeiro ao terceiro mundo, não há escapatória: o lema (ou dilema) é INOVAR! Olhe a sua volta e veja se você é capaz de encontrar os edifícios do bom e velho sistema. Com certeza, sobrevivem apenas seus vestígios arqueológicos. A velha ordem implodiu de vez, estamos diante da tarefa entusiasmante para alguns, apavorantes para outros de reinventar nossas instituições educacionais, as políticas que as regerão e junto com elas nosso estilo de atuação. Portanto, não estranhe se você mantenedor, gestor, colaborador, docente, tutor, aluno, pai ou mãe tiver mais:
• Dúvida que certeza;
• Perguntas que respostas;
• Desafios que rotinas;
• Insegurança que segurança;
• Adrenalina que sacarina.
Afinal,
• A epidemia chegou;
• A universidade definitivamente mudou;
• O processo de aprendizagem nunca mais será apenas presencial e sem interface tecnológica;
• A internet criou pontes e derrubou muros;
• A informação é global a um clique de um botão.
Boas ideias, apresentando novas ferramentas, estão disponíveis no mundo virtual, produtos e serviços dos quais falamos sobre alguns deles aqui no espaço Tech Educacional ao longo do ano:
• GPT-3, um gerador de textos da OpenAI e o processamento natural de linguagem;
• SPARK, empresa especializada na ativação de marcas através das redes sociais de celebridades e influenciadores digitais;
• RA (realidade aumentada) e RV (realidade virtual) na educação;
• Startup de educação – Edutech, a Classpert, que funciona como uma ferramenta de busca por melhores cursos em todo o mundo;
• Podcastle, um gerador de textos que usa a AI (Inteligência Artificial) para a conversão de artigos, notícias e demais textos escritos em podcasts de áudio;
• Fintech Mozper na América Latina, uma plataforma de mesada digital para crianças e a NEXT em parceria com a Disney para o ensino sobre educação financeira;
• A neuralink, startup de AI, com o que se denomina de "cognição super-humana" – processo em que se integra o cérebro humano com a IA (Inteligência Artificial);
• Startup Mural, que oferece um espaço de trabalho digital para colaboração visual para melhoria do produto, da experiência com o cliente e do envolvimento com a comunidade;
• A metodologia SHELL4STARTUPS com base no empreendedorismo científico para criação e aceleração de startups universitárias;
• Os principais desafios da Sociedade 5.0;
• Relatórios internacionais de projeção do mercado educacional para o período de 2020 a 2026;
• O que podemos aprender com a China em planejamento, tecnologia e educação.
E por aí vai. A melhor receita de sobrevivência para uma época de descontinuidade como a nossa é: informe-se, inove, faça, aconteça! Agora, aqueles que acham que o mar não está prá peixe ajudariam muito se saíssem do caminho daqueles que estão fazendo a inovação acontecer (ou tentado fazer) às coisas acontecerem.
As bolas da vez…
Como disseram os profetas desde priscas eras: sinais dos tempos. Resta saber se o seu guru predileto prega o apocalipse, o eclipse ou salto tríplice rumo ao admirável mundo novo. Em todo caso, a escolha é sua. Mesmo porque, hoje é bem mais fácil ser profeta e anunciar aos quatro ventos que a saída está na:
• Inteligência Artificial;
• Cultura Maker;
• Ensino a Distância;
• Metodologias ativas;
• Empreendedorismo;
• Orquestração metodológica;
• Currículo adaptativo;
• Novas Tecnologias;
• Aceito palpites quanto às próximas bolinhas:
Eis o quadro de uma revolução fantástica e nada convencional: sem partidos, sem paredón, sem palanque, faixa, raiva, revolta, ódio. Uma revolução de talento, iniciativa e massa cefálica.
Reaprendendo a mudar…
Dizem os especialistas que o homem possui três formas de reaprender a mudar:
Por adaptação: Acúmulo de conhecimentos. Imitação, continuidade, de modo a manter o status quo.
Por choque: Relação de pânico diante do fracasso ou crise, numa tentativa desesperada de reconquistar o paraíso perdido.
Por inovação: Antecipação e influência sobre a realidade, de modo a criar um futuro desejado.
O admirável mundo novo que mencionei acima está sendo reconstruído através da terceira forma, retardada pela segunda e inviabilizado pela primeira. E isto por uma razão muito simples: dos australopitecos ao homo erectus, do paleolítico aos nossos dias, a humanidade sempre esteve às voltas com dois tipos de mudanças:
As mudanças lineares são lógicas, ordenadas, cumulativas, previsíveis, sequenciais, sujeitas às leis de causa e efeito e evolucionárias.
As mudanças não lineares, por seu turno, são desordenadas, descontínuas, imprevisíveis, caóticas e revolucionárias. Conforme o ciclo histórico, ora uma está no comando, ora outra. Para sorte de alguns e azar de outros, os dias atuais são tipologicamente inclinados a padrões de mudanças nada lineares. Obviamente elas coexistem com padrões transformativos mais bem comportados, pois nem tudo que se faz hoje em dia é fatalmente subversivo. O espírito da época é uma questão de ênfase, não de monopólio absoluto.
Onde a porca torce o rabo…
Existe uma vasta literatura a respeito da afamada resistência à mudança e a inovação nos ambientes acadêmicos e o diagnóstico vai do medo à falta de caráter. Seja como for, tenho para que, dentre muitas, três causas pesam contra a mudança:
1. Nosso sistema de ensino formal e informal nunca demonstrou uma queda especial em relação a como fazer mudanças pessoais e sociais. Inovar é, portanto, uma matéria na qual quase todos somos analfabetos.
2. Depois, sempre é mais fácil fazer as coisas como sempre as fizemos durante a vida toda. Aprender, reaprender exige que invistamos tempo, esforços, tem um custo econômico, pode ser estressante e vai por aí afora.
3. Qualquer mudança rompe com as rotinas, subverte relações conhecidas e nos atira, em maior ou menor grau, rumo ao desconhecido.
Sendo assim, as instituições, sempre estiveram cada uma na sua, por que procurar sarna prá se coçar?
Destorcendo (e distorcendo) o rabo da porca…
É uma boa pergunta e creio que afora inovar, inexiste alternativa. Isto desde que não esteja em nosso projeto de vida, organizacional e social, sermos sobrepujados por outras partes do mundo, como tem sido o histórico da educação brasileira e relegados à famosa lata de lixo da história. Então, é preciso inovar! A boa notícia é que existem estratégias e métodos que facilitam a inovação tal como existem estratégias e métodos que nos ensinam a reproduzir o mundo que herdamos dos nossos pais ou avós. Não precisamos entrar em estado de choque para fazer alguma coisa (modelo do choque). Também não precisamos adotar o célebre provérbio francês “plusça change, plus c est la même chose” (modelo adaptativo). Para distorcer o rabo da porca a saída honrosa passa pelo modelo de aprendizagem para inovação. E como ela vem sendo conduzida em sua IES?
Eu, nós e as circunstâncias…
Os homens e as organizações sociais possuem o dom da aprendizagem que os habilita a notáveis proezas das quais outros seres estão, no geral privados. Assim, indivíduos podem transcender as adversidades impostas por uma infância de carência afetiva, social e cultural. Da mesma forma que, ao longo da história, alguns povos tem demonstrado que é perfeitamente possível superar adversidades naturais, culturais, sociais, demográficas e edificar uma nova civilização. O Japão moderno ilustra com perfeição esta possibilidade. Vejam a ficha técnica:
• Uma ilha mãe rodeada de ilhas satélites;
• Viveu até o século passado enclausurado num regime feudal;
• Ingressou no Séc. XX com índices de pobreza e exclusão social de fazer inveja aos atuais países do terceiro mundo;
• Aproximadamente 70% do solo imprestável para agricultura, por ser montanhoso e rochoso. Os demais 30% são destinados a abrigar mais de cem milhões de habitantes, cidades, agriculturas e pecuária;
• Carente de matéria prima;
• Fustigado periodicamente por furacões, maremotos e terremotos;
• Derrotado na segunda grande guerra mundial, sendo o único país até hoje a sofrer um bombardeio nuclear.
Ainda assim, chegou aonde chegou. Outros povos, neste exato momento trilham o mesmo caminho. E ainda existem os que se embrenham pelo descaminho da desesperança. Entre as diferenças que os separam gostaria, a partir de agora, de abrir um espaço para conversarmos sobre inconformismo e a visão do túnel. Porém, fica uma ideia como provocação: somos menos produto do meio do que o meio é nosso produto.
Positivamente inconformados…
Revolta e inconformismo são sentimentos humanos tão legítimos como o amor e o conformismo, podendo ser igualmente construtivos, como destrutivos.
Senão vejamos:
Amor – A face construtiva: crescei e multiplicai-vos. A face destrutiva: morrer de amor.
Conformismo – A face Construtiva: aceitar a pluralidade racial e cultural da espécie humana. A face destrutiva: desenvolver posturas preconceituosas face à diversidade humana.
Inconformismo – A face construtiva: não resignar-se diante da adversidade. A face destrutiva: aceitar a adversidade como uma fatalidade.
Revolta – A face construtiva: canalizá-la para a realização de um sonho. A face destrutiva: remoer-se no ódio, no ressentimento e na inveja.
Ao rejeitar a sina dos anos 50 e 60, onde Made in Japan era sinônimo de porcaria, o Japão contemporâneo está sendo um exemplo de inconformismo positivo. Penso que as instituições de ensino ao apostarem no potencial criativo e inovador do inconformismo terão uma nova identidade contextualizada às demandas das quais o mundo nos exige hoje.
A visão do túnel
Crise e adversidades, quando mal gerenciadas, têm o dom de criar uma visão negra a respeito do presente. Se elas persistirem por muito tempo, a escuridão poluirá o futuro também. Para construção de planejamentos futuros para nossas instituições há de haver núcleos de inovação repensando todos os processos e criando uma cultura criativa no ambiente pedagógico. Dentro do túnel, por mais que procuremos a luz, a paisagem é monótona e indistinguível. Fora do túnel, podem estar acontecendo coisas fantásticas. Porém quem está dentro, com certeza, estará perdendo o incrível espetáculo de ver um elefante cor de rosa voando. Aliás, dentro do túnel sem eletricidade não poderão nem mesmo ver o Dumbo de Walt Disney, que dirá um paquiderme exótico.
A síndrome do túnel costuma ter muitos nomes:
• Choque do Futuro, na linha de Toffle;
• Apatia, na psicanálise;
• Impotência, na linha sexual;
• Alienação, na linha sociológica;
• Burocracia, na linha organizacional (isso te lembra alguma coisa)?
Não importa, dá na mesma! Isto é, as pessoas sempre acabam, de uma forma ou de outra, inviabilizando a saída. Elaboram milhares de desculpas. A única coisa que não fazem é examinar a sua própria responsabilidade.
Entre o passado, o presente e o futuro…
No entanto, a partir do momento em que analisamos o momento, com maior isenção e menor espírito de autodefesa, somos capazes de antever que se tivermos o desejo de inovar e planejarmos a instituição que queremos, o lugar comum está com os dias contados. A esperança se infiltra quando nos damos conta que o futuro pertence àqueles que o estão construindo hoje. Esse artigo é parte dessa história. Sem dúvida, um bom começo para ver, voando o elefante cor de rosa. Vamos em frente planejar os anos vindouros!
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*Carmem Tavares é Gestora Educacional e de Inovação com 28 anos de experiência no mercado educacional privado brasileiro em instituições de diversos portes e regiões
Os textos aqui apresentados são de responsabilidade do autor e não representam necessariamente a opinião e/ou o posicionamento da ABMES.