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Prof. Paulo Renato Souza – ex-Ministro da Educação
(matéria postada em 11/01/10 no BLOG do autor)
É ilusório acreditar que o novo Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNHD-3) é obra exclusiva do núcleo mais à esquerda do governo ou que o presidente Lula o assinou sem se aperceber do quanto o novo plano passa por cima de cláusulas pétreas da Constituição de 1988; entre elas a liberdade de expressão, o direito à propriedade, a democracia representativa e a separação entre os três poderes. Há uma simetria entre as propostas autoritárias do novo programa e a “inflexão” do governo Lula, que, ao final do seu segundo mandato, mergulha na origem do velho PT e retoma bandeiras como a reestatização da economia e o afrouxamento de fundamentos da economia, como responsabilidade fiscal e superávit primário.
Em certo sentido, o Terceiro Programa dos Direitos Humanos reproduz no Brasil o que vem acontecendo em países vizinhos, onde a democracia tem sido golpeada através de “constituintes” bolivarianas autoritárias. Só que para conseguir a sua “Constituinte”, Lula optou por um caminho aparentemente mais suave e criou uma “Constituição” paralela, sob a capa da bandeira dos direitos humanos. Na verdade, a “via brasileira” ao autoritarismo populista é muito mais violenta e golpista do que a dos vizinhos latino-americanos, pois o instrumento foi um “simples” Decreto Presidencial editado na “calada” do recesso Natalino. O “Plano de Direitos Humanos” viola um dos Direitos Humanos mais importantes: o de opinar e interferir nas Leis que regem um país. Nos nossos vizinhos, apesar do atropelo à oposição, o autoritarismo pelo menos foi implantado por meio de uma assim chamada Reforma Constitucional. Aqui, sequer isso! Lula parece acreditar que sua popularidade lhe confere o direito de governar de forma imperial. No modelo lulista, não é imprescindível a revogação formal da Constituição–Cidadã de 1988. Basta torná-la letra morta para levar adiante a escalada do autoritarismo.
O novo programa dos direitos humanos é, ao mesmo tempo, uma espécie de plataforma de governo através da qual Lula quer se reconciliar com suas “bases populares” e que deve ter prosseguimento caso o presidente logre sucesso em fazer da ministra Dilma a sua sucessora. Esta espécie de programa de governo da candidata governista tem muitos pontos em comum com o PT do final de 2001, quando, no seu XII Encontro, aprovou o documento “ Um Novo Brasil é Possível”. O documento propôs a luta por um “governo democrático, popular e de esquerda”, que deveria ser fruto da candidatura Lula e de uma nova “correlação de forças na sociedade”. Como isto era um devaneio, Lula trocou o discurso ideológico pelo pragmatismo da “Carta aos Brasileiros”, para se eleger presidente.
Agora Lula, sua favorita e o PT acham que a alta popularidade do presidente lhes permite resgatar o ideário do passado e retomar suas bandeiras. Por isto, propuseram, no Terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos, o acerto de contas com os militares. O contrabando da revisão da Lei da Anistia expressa uma postura revanchista de quem nunca entendeu a forma pactuada e pacífica da transição democrática brasileira, concretizada na eleição de Tancredo Neves. Por incrível que pareça, o PNHD -3 contem ameaças ainda mais graves à democracia. Vejamos:
Abertamente o novo plano propugna o controle dos meios de comunicação através de uma comissão governamental que terá poderes para estabelecer um ranking das empresas de comunicação e prevê punições - inclusive com a cassação de outorgas - para quem não seguir os ditames oficiais em relação aos “direitos humanos.” Atribui, também, aos “movimentos sociais” um papel fiscalizador. É bom relembrar que membros do governo acusaram a mídia de “criminalizar” os movimentos sociais quando divulgaram imagens dos Sem-Terra tratorando laranjais produtivos. Se o novo plano vingar, o meio de comunicação que divulgar algo semelhante poderá ser punido sob o pretexto de que feriu os direitos humanos dos invasores!
Os outros dois poderes também são alvos da “Constituinte de Lula”. O Legislativo se transformará em peça ornamental, caso seja levada adiante a proposta da valorização de “lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito”. Por este caminho, a democracia representativa perderá substância e haverá o fortalecimento da “democracia direta”. Em Cuba, este tipo de “democracia” se baseou nos famosos “Comitês de Defesa da Revolução”, que sempre foram sustentáculos da ditadura do partido único. Na Constituição paralela do PT, tais comitês terão um nome mais simpático: “Conselhos dos Direitos Humanos”. Já o Poder Judiciário não poderá mais determinar a reintegração de posse de um imóvel invadido sem que antes seja instalada a mediação através de audiências das quais o invasor será uma das partes. Ou seja, esta medida fere a independência do Judiciário, viola o direito à propriedade e pode trazer graves prejuízos para a economia brasileira porque levará à desorganização da moderna agricultura. Tal qual a época do “bom e velho PT”, o novo plano de Lula encara o agronegócio como um grande vilão.
A matriz ideológica do novo plano é a tutela do Estado, mais precisamente do Executivo, sobre toda a sociedade. É isto que explica sua incursão em quase todas as áreas e a criação de mais de dez mil novas instâncias burocráticas no serviço público; um gigantismo capaz de fazer inveja aos estados mais totalitários da história. No seu afã de controlar tudo e a todos, Stalin fechou igrejas e perseguiu quem tinha ícone ortodoxo em sua casa. Lula ainda não chegou a tanto, mas sua “Constituinte” quer eliminar um traço cultural e histórico dos brasileiros ao se dispor a “impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimento da União”. Era o que faltava. Em nome dos direitos humanos, cassa-se o crucifixo!




