Paulo Cardim
Reitor da Belas Artes e Presidente da Conaes
Blog da Reitoria, publicado em 27 de agosto de 2018
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O IBGE, em suas pesquisas, deseja saber a quantidade de alfabetizados com uma pergunta simplória: “Você sabe ler e escrever o nome? ”. Se a resposta for sim, tudo certo. Sob esse viés temos cerca de doze milhões de analfabetos. Ainda é um índice vergonhoso para o Brasil, mas as autoridades entendem que esse índice está dentro de padrões aceitáveis.
E os analfabetos funcionais? 70% dos brasileiros com mais de 15 anos estão nessa classificação. Entende-se que o analfabeto funcional é incapaz de compreender textos e operações matemáticas simples ou a pessoa ter escolaridade inferior a quatro anos letivos.
Segundo especialistas, ser alfabetizado é ter a capacidade de usar o código alfabético para ler e escrever. No mundo dito civilizado, essa habilidade aprende-se no primeiro ano do ensino fundamental. No Brasil, o estudante, na maioria das escolas públicas, somente estará alfabetizado na 3ª ou 4ª série. A promoção automática é uma das explicações para esse fenômeno. A reprovação é substituída pela progressão continuada.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) promove, periodicamente, a avaliação de estudantes na faixa etária dos quinze anos. Trata-se do Programme for International Student Assessment (Pisa) – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.
O terceiro conceito é fornecido pelo Pisa, que distingue oito níveis de compreensão de leitura. Os quatro primeiros níveis do Pisa (1, 1A, 1B, 2) significam que o aluno não é capaz de fazer sentido elementar a partir do que lê. No exame mais recente, o Brasil, entre 72 países, aparece na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática. Uma posição incômoda para um país que tem um plano decenal de educação (PNE 2014-2024) avançado e ambicioso, mas que caminha a passos lentos, quase parando.
Sempre que abordo as questões relativas à educação básica pública, destaco que as escolas desse nível educacional são de responsabilidade de 5.570 municípios, 26 estados e o Distrito Federal. Eis o problema. O governo federal, por meio de ações do Ministério da Educação, previstas no PNE, pode induzir e criar programas de apoio e estímulo, mas não pode substituir – e nem deve – essas unidades federadas no exercício de sua competência constitucional. A articulação entre os diversos sistemas de ensino – federal, estadual e municipal – tem sido problemática, em particular, pelas diferenças regionais e a atuação de diferentes agentes públicos, das mais diversas ideologias e filiados a um dos 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A questão do analfabetismo afeta mais a atuação dos municípios, responsáveis, em primeiro lugar, pela educação infantil e o ensino fundamental. Às unidades federadas cabe, especialmente, a responsabilidade de ofertar o ensino médio. Outra calamidade pública.
O ministro Rossieli Soares, da Educação, afirmou em pronunciamento no último dia 30, que o ensino médio está “no fundo do poço”, com base em dados do Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb): “O ensino médio brasileiro está absolutamente falido, está no fundo do poço. Está na hora deste país tomar uma decisão e seguir o rumo de buscar uma melhoria. Se quiserem melhorar o PIB deste país, olhem para a educação básica”. Verifica-se, pelo Saeb, que 70% dos estudantes estão no nível “insuficiente”.
Esse quadro insustentável da educação básica pública é responsável por colocar no mundo do trabalho pessoas sem a formação adequada para as profissões que estão emergindo nesta quarta revolução industrial, onde as tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDICs), em evolução continuada, exigem, pelo menos, competências e habilidades desenvolvidas no ensino médio.
A educação tem recebido pouca atenção da maioria dos candidatos à Presidência da República, nas eleições do próximo dia 7 de outubro. Estão preocupados mais com a segurança pública do que com a educação. A base de tudo é a educação, que contribui para a solução dos demais problemas, mas que levará décadas para que os resultados sejam sentidos pela sociedade. O imediatismo político, todavia, embaça a visão da maioria dos candidatos, atraídos pelo voto fácil para o candidato que vai acabar com a violência, somente. E não vai conseguir.
O analfabetismo, não importa as categorias classificadas pelos teóricos da educação e pelo IBGE, é uma vergonha nacional, sem qualquer programa ou projeto consistente para que essa praga social seja eliminada a curto prazo. A péssima qualidade da educação básica pública, em especial, do ensino médio, aponta para um futuro sombrio para o nosso país. Persistindo esse cenário, nos próximos anos, estaremos cada vez mais nas mãos de políticos populistas e assistencialistas, que podem transformar o Brasil “numa grande Venezuela”.




