Ivan Rocha Neto* Luiza Alonso** *** No Brasil, quase sempre as mudanças nos poderes Executivo e Legislativo, em todas as esferas, têm conduzido a descontinuidades de políticas e ações com grande desperdício de recursos materiais, de tempo e de talentos, resultando em retomadas sob outros títulos e/ou atrasos insuperáveis. Esse fenômeno não é diferente na educação superior. Tal personalização de políticas e programas, à mercê de mudanças cosméticas, tem sido altamente danosa ao país.
Os esforços desenvolvidos em relação aos investimentos em infraestrutura educacional, com destaque para a Reforma Universitária (Reuni) e a expansão da Rede dos Institutos Federais de Educação Tecnológica, os Ifets, e às tentativas de melhoria na qualidade do ensino, não encontram precedentes em toda a história do país. A oferta de ensino técnico mais que dobrou nesse período de governo em relação a tudo o que se fez anteriormente. Entretanto, as iminentes mudanças de poder podem anular os avanços alcançados, caso os programas sejam descontinuados no próximo governo. Esse é o maior perigo.
Isso não quer dizer que não haja questões relevantes e pendentes em relação à situação atual. Por exemplo, a desconexão sistêmica entre os distintos níveis de ensino, bem como entre as instituições estatais e particulares – aqui os autores consideram que todas as Instituições de Ensino Superior são públicas –, além dos precários processos de avaliação, que têm sido mais burocráticos do que formativos e consequentes. Segundo Whitehead, “não é possível mudar sem conservar, nem conservar sem mudar”.
As IES não podem ficar prisioneiras de práticas arcaicas que ainda presidem sua gestão. Por isso, são questionadas as atitudes reacionárias que sustentam a inércia, o conservadorismo e impedem mudanças (movimentos) indispensáveis à evolução dessas organizações. Há um alto grau de burocratização e crises em relação às finalidades institucionais. Esses são os principais fatores impeditivos da inovação e da renovação. Quanto maior a burocracia, mais diluídas as responsabilidades e maior o interesse nos controles do que na eficácia das ações. As metas estabelecidas, em geral, são excessivamente otimistas e pressionam no sentido do alcance quantitativo, desconsiderando a qualidade dos resultados.
Evidentemente, a saída não será a panaceia de uma “reforma universitária” como uma fórmula mágica e padronizada de resolução dos problemas. Não se trata, também, de copiar, importar e transpor modelos bem-sucedidos de outros países. No atual governo foi intensificada a insegurança jurídica e foram fortalecidas as atividades de controle. Os reitores, assustados, cruzam os braços e não conseguem inovar. Como disse certa vez Lynaldo Cavalcanti, há cerca de 40 anos, “as universidades brasileiras mais parecem fábricas de salsichas do que instituições geradoras de ideias”. Também Boaventura Santos, em seu livro Pela mão de Alice afirma que “não basta ter ideias sobre a universidade, mas é preciso desenvolver universidades de ideias”. Para isso, é preciso não forçar a padronização e estimular novos modelos, atualmente impossíveis de serem experimentados, como resultado do controle excessivo do Ministério de Educação e das demais instâncias.
Nos últimos anos, muitos seminários foram realizados, além de trabalhos publicados, e continuam sendo produzidos, tanto no Brasil quanto em muitos outros países, para discutir as crises recorrentes das instituições de ensino. Muitas comissões de notáveis têm sido patrocinadas pelos diferentes governos, sem que nenhuma mudança de paradigma tenha sido proposta ou realizada. A academia continua conservadora na sua essência, e resistente a quaisquer mudanças.
Desde tempos imemoriais vem-se discutindo a autonomia universitária sem quaisquer propostas que se revelem efetivas e renovadoras. Como resultado desses encontros e comissões, recomendações têm sido feitas, mas pouco ou nada conseguiram resolver em relação às crises dessas instituições. Talvez, até porque não possam mesmo ser resolvidas, se mantidos os mitos, os seus motivos e os seus paradigmas perpetuadores.
Hoje, no Brasil, há mais de cinco milhões de jovens no ensino superior. Todavia, apenas 6% da população adulta iniciam e, nem sempre concluem, cursos universitários. A taxa de escolarização superior continua sendo uma das mais baixas do mundo. Além disso, o sistema de ensino superior tem sido muito desigual, seja em termos da composição social dos estudantes, seja no que se refere à qualidade da oferta. Há menos de 25% dos estudantes matriculados nas universidades estatais, mais de 70% administradas por organizações privadas, o que não lhes retira a sua natureza pública, e que também devem ser cuidadas como tal, sem preconceitos. Não há nada que garanta que da gestão estatal resulte melhor qualidade, a exemplo do que ocorre com os ensinos médio e fundamental, nos quais as instituições gerenciadas por particulares revelam-se de muito melhor qualidade, conforme registrou pesquisa recente do próprio MEC. A diferença está, sobretudo, nos estratos sociais que atendem. Note-se que a situação da educação superior é invertida em relação aos demais níveis, nesse quesito. Os resultados mostraram que o país mantém disparidades sociais e regionais e está diante de um sistema de baixíssima equidade de oportunidades. Os programas afirmativos de inclusão têm sido plenos de equívocos. A maioria dos estudantes pertencentes às faixas de menor renda familiar, ou seja, os mais pobres e trabalhadores, é duplamente prejudicada – não goza da gratuidade e ainda enfrenta os injustificáveis preconceitos depois de formada. A ideia de que a IES estatais praticam um ensino de melhor qualidade é, sem dúvida, um grande mito, reforçado por grande parte da academia e das autoridades governamentais.
As atividades de pesquisa, que deveriam ser a base de uma educação libertária e permanente para lidar com a dinâmica da vida e do mercado de trabalho, bem como para desenvolver a capacidade de aprender a aprender, além de serem desenvolvidas por poucas IES, tanto estatais quanto particulares, raramente repercutem nos processos de ensino-aprendizagem nos cursos de graduação. Além disso, as universidades têm sido pouco cobradas em relação à sua participação no processo de desenvolvimento sustentável do país, mas o são para cumprimento de metas segundo indicadores de desempenho equivocados.
Às vésperas das eleições presidenciais, esse quadro merece uma discussão mais aprofundada e livre de tais preconceitos. A expansão e a melhoria da educação universitária têm sido apontadas como algumas das principais realizações do governo atual. Dois programas são afirmados como bem-sucedidos: o da expansão das universidades federais e o programa de bolsas para financiar estudantes na rede privada – o Programa Universidade para Todos. Enquanto o último, embora aparentemente bem-intencionado, seja ainda insuficiente, o primeiro tem sido pleno de contradições na sua execução.
Apesar do aumento do orçamento do MEC – ainda inferior ao necessário –, são recorrentes e crescentes os problemas da qualidade do ensino universitário e profissional. O sistema de avaliação tem apenas servido para manter os mitos e o mesmo paradigma de educação. Apesar de não declarado, o paradigma do ensino superior tem sido fundamentado na Teoria do Capital Humano, com base na lógica de mercado, em oposição à educação libertadora com base no aprender a aprender pela realização da pesquisa como método de aprendizagem. As empresas do setor privado indevidamente cobram a formação de profissionais prontos para empregar, como se as universidades fossem suas propriedades particulares. Felizmente, algumas têm conseguido resolver essa demanda por meio da educação corporativa e cobram apenas a oferta de aspirantes profissionais com capacidade de aprendizagem e de acompanhamento da evolução tecnológica e dos ambientes dos negócios.
Outro problema que merece atenção é a distribuição da oferta de ensino superior, hoje maior para administração e direito do que para a formação de engenheiros, que além de insuficiente em termos quantitativos, também o tem sido em termos de qualidade para sustentar o desenvolvimento do país, exclusivamente baseada em tecnologias obsoletas e no ensino técnico, desconsiderando a formação universitária mais completa e humanista, que justifique a condição de universidade. Além disso, a engenharia é uma profissão que sofre com outros condicionantes sistêmicos que dificultam mudanças, como, por exemplo, os baixos salários oferecidos aos jovens engenheiros, quando é possível obter maiores retornos financeiros pelo ingresso em carreiras profissionais que exijam menor esforço, inclusive pelas oportunidades de aprovação em concursos públicos.
Outra questão a discutir é o papel das universidades nos processos de inclusão social. Poucas são as IES envolvidas ou que apoiam os centros vocacionais tecnológicos – CVTs, e a integração com outros níveis de ensino, que são programas que facilmente poderão ser descontinuados, também à mercê dos preconceitos da academia mais conservadora. Enfim, há necessidade de fortalecer os laços sistêmicos da educação em todos os níveis.
Permanece o grande desafio para os candidatos e para o futuro governo: como democratizar a universidade, reconhecer sua autonomia e, ao mesmo tempo, garantir uma educação de qualidade, e cobrar resultados?
O fundamental é que a educação universitária esteja aberta aos cidadãos com iguais oportunidades de acesso. Depois, é essencial que deixe de ser um processo educacional cartorial e que esteja efetivamente voltada para o bem da sociedade e não apenas das empresas. Tanto na administração federal como nas administrações estaduais e nas particulares há muito o que fazer para tornar a educação uma prioridade de fato.
Há sinais de uma tomada de consciência da necessidade de construção do Estado mais integrado com novas perspectivas sistêmicas e com as exigências de racionalidade da gestão pública, de sua condução de forma transparente e, principalmente, de sua disposição para prestação de serviços à população.
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* PhD em eletrônica pela Universidade de Kent at Canterbury (UK) 1975. Ex Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFPB e da UCB. Ex- Diretor de Programas da Capes e ex-Dirigente do CNPq. neto-ivan@hotmail.com
** Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo/Brasil. Mestrado e Doutorado pela Harvard Graduate School of Education, Cambridge, MA/USA na área de Administração e Planejamento de Políticas Públicas. Pós-Doutorado em Epidemiologia e pesquisa na área de Prevenção e Promoção da Saúde, pela Universidade da California/ USA. lualonso@ucb.br; luiza.alonso@yahoo.com.br
*** O texto, na íntegra, foi publicado na edição de nº 39 da Revista Estudos – ABMES, na seção Pontos de Vista sobre Políticas Públicas para o Ensino Superior Particular. Mais informações sobre a publicação pelo número (61) 3322-3252.




