Discutir a qualidade de um curso superior levando em consideração apenas a sua modalidade de ensino, hoje, é o mesmo que ficar debatendo sobre a legalidade do transporte coletivo por meio de aplicativos. A legislação, há tempos, não consegue acompanhar as inovações. No caso dos transportes por aplicativos, enquanto muitas prefeituras ainda discutem sobre a legislação dos aplicativos de transporte público, empresas já estão prestes a lançarem carros autômatos ou que voam.
Na área de saúde, discussões semelhantes são realizadas. Conselhos profissionais de diferentes classes, especificamente da área de saúde, tentam discriminar cursos à distância, utilizando o argumento que não é possível ensinar a prática de forma confiável a distância, argumento este que não questiono. Porém, discutir a qualidade de curso meramente pela modalidade de ensino superior é nostálgico e não tem fundamento.
A legislação do ensino superior passou por grandes mudanças nos últimos cinco anos, desde a publicação do decreto Nº 9235, de 15 de dezembro de 2017 e suas consequentes Portarias publicadas.
Para esta discussão, trarei a Portaria Nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância - EaD em cursos de graduação presenciais. Em seu Art. 2, § 3º, define-se que um curso presencial poderá ofertar até 40% (quarenta por cento) da sua carga horária na modalidade de ensino a distância. Isso significa que um curso presencial poderá ter 60% (sessenta por cento) de carga horária presencial e 40% (quarenta por cento) de carga horária a distância, conforme autonomia de cada instituição na definição de seus Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC).
Porém, antes disso, a Portaria Normativa Nº 742, de 2 de agosto de 2018, trouxe uma nova e importante redação em seu Art. 100 e § 3º, a saber:
"A oferta de atividades presenciais em cursos de EaD deve observar o limite máximo de 30% (trinta por cento) da carga horária total do curso, ressalvadas a carga horária referente ao estágio obrigatório e as especificidades previstas nas respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso." (NR)
Conforme o parágrafo supracitado, há um limite na oferta de atividades presencias em cursos de EaD em 30% (trinta por cento), porém com as seguintes ressalvas: a carga horária referente ao estágio obrigatório e as especificidades previstas nas respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso.
A maioria das DCN dos cursos da área de saúde preveem 20% (vinte por cento) da carga horária de estágio. Sendo assim, com 30% (trinta por cento) permitido e mais 20% (vinte por cento) do estágio, um curso EaD de saúde poderá desenvolver 50% (cinquenta por cento) de suas atividades na presencialidade.
Além disso, a publicação da Resolução Nº 7, de 18 de dezembro de 2018 e suas respectivas retificações estabeleceram as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira em cursos superiores. Por estas legislações, os cursos devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, os quais deverão integrar suas matrizes curriculares. Conforme a Resolução, estas atividades devem ser realizadas de forma presencial.
Como podemos observar, então, o curso EaD da área de saúde poderá chegar a 60% (sessenta por cento) de atividades desenvolvidas de modo presencial, sendo 30% (trinta por cento) permitido pela legislação, mais 20% (vinte por cento) de estágio e, por fim, 10% (dez por cento) de extensão. Sendo assim, o curso EaD pode ser desenvolvido com 40% (quarenta por cento) de atividades à distância, caso a instituição opte e defina em seu PPC. Isso significa que, independentemente da modalidade presencial ou a distância, a carga horária dos cursos superiores pode ter o mesmo percentual de atividades, tanto de presencialidade, quanto de carga horária a distância cabendo as Instituições de Ensino definirem essa distribuição de carga horária.
Portanto, não se deve pautar a discussão da qualidade de um curso superior somente pela modalidade de sua oferta. E sim deve-se focar em analisar como são realizados os estágios curriculares supervisionados, considerando as competências previstas no perfil do egresso e a interlocução institucionalizada da IES com o(s) ambiente(s) de estágio, o que gera insumos para atualização dessas práticas.
Deve-se verificar, também, a qualidade dos laboratórios de ensino para a área de saúde e dos laboratórios de habilidades, em conformidade com as DCN, nas diversas competências desenvolvidas das diferentes fases do curso.
Além disso, é preciso analisar as unidades hospitalares, se é próprio ou conveniado, tendo garantia legal por período determinado, e que estabeleçam sistema de referência e contrarreferência favorecendo a realização de práticas interdisciplinares e interprofissionais na atenção à saúde.
É fundamental conhecer como é realizada a integração do curso com o sistema local e regional de saúde (SUS): se o curso viabiliza a formação do discente em serviço e permite sua inserção em equipes multidisciplinares e multiprofissionais, considerando diferentes cenários do Sistema de Saúde e com nível de complexidade crescente à medida que o curso é desenvolvido.
Enfim, o que gostaria de ressaltar nessa discussão, é que há muito o que se discutir na qualidade de um curso superior, especificamente na área de saúde, mas de forma alguma, com relação a sua modalidade de ensino. Conforme visto nas legislações de Ensino Superior supracitadas, não há mais diferenciação de carga horária que possa discriminar os cursos EaD.
Caberá à instituição, em sua autonomia, definir seus parâmetros de qualidade e, aos discentes, averiguarem os indicadores de qualidade tão importantes para a formação profissional e na construção do perfil do egresso. Caberá ao MEC fiscalizar, por meio das avaliações externas dos cursos, a manutenção da qualidade acadêmica, e, aos conselhos profissionais, acompanhar o trabalho de atualização das DCN de acordo com as exigências do mercado e oferecer apoio aos profissionais legalmente formados.
11