Criado com o objetivo de valorizar e qualificar cerca de 2,3 milhões de docentes de todo o país, o programa Mais Professores para o Brasil soou como uma linda canção aos ouvidos de quem acompanha o cenário da educação brasileira. Há décadas que o desinteresse dos jovens pela docência não é novidade e nada, ou quase nada com alguma sustância, havia sido colocado em prática para reverter esse quadro até o último dia 14 de janeiro.
Recebida com muitos elogios e algumas críticas, acredito que a iniciativa tem tudo para ser um marco na valorização da carreira docente no país. Isso porque ela foi estruturada em cinco eixos estratégicos que dialogam de forma muito próxima com os principais entraves da profissão na atualidade: seleção; atratividade; alocação; formação; e valorização.
Contudo, para que atinja todo o seu potencial, o programa não pode ficar estagnado às medidas que foram anunciadas no seu lançamento. E aí é que está o pulo do gato. Eu realmente acredito que esta primeira fase se resume a isso: ao ponto de partida de uma jornada que tem tudo para ser longa e bem sucedida.
E é sobre isso que quero dar meus dois dedos de contribuição. Embora muito possa ser dito sobre dois dos pontos mais importantes para a valorização da profissão docente, especialmente na educação básica, que são a garantia de melhores salários e carreiras, quero falar sobre o aspecto que mais repercutiu do pacote de medidas anunciadas: o Pé-de-Meia Licenciaturas.
Inserida no eixo atratividade, a medida acerta em cheio o principal gargalo para o acesso e a permanência em um curso superior no Brasil: a dificuldade financeira enfrentada por uma parcela significativa da população. Inúmeros são os casos de estudantes que não contam com recursos mínimos necessários para custear o transporte ou a alimentação fora do lar, despesas que cursar uma graduação geralmente demanda.
Nesse aspecto, o apoio financeiro oferecido pelo governo federal consiste, de fato, em um grande atrativo. São R$ 1.050,00 por mês para ingressos de cursos de licenciatura que tiverem alto desempenho no Enem, embora apenas R$ 700 possam ser utilizados imediatamente (os outros R$ 350 poderão ser sacados quando o professor ingressar em uma escola da rede pública em até cinco anos após a conclusão do curso).
A medida teria tudo para ser perfeita se não fosse por dois problemas estruturantes: a exclusão dos estudantes que cursam a modalidade à distância e a destinação de apenas vagas remanescentes para os graduandos matriculados em instituições privadas, com restrição para aqueles que são beneficiados pelo ProUni ou pelo Fies.
Em relação ao primeiro ponto, além de a legislação vigente não permitir qualquer tipo de discriminação em virtude da modalidade do curso, o próprio governo federal está trabalhando em uma nova regulamentação para a EAD, que deve sair muito em breve, com o objetivo de garantir a qualidade na oferta. Há que se considerar, ainda, que uma parcela significativa das matrículas em cursos de licenciatura estão exatamente na educação à distância.
Sobre o segundo ponto, há dois aspectos que precisam ser ponderados. O primeiro diz respeito ao fato de a rede privada formar mais de 70% dos professores no Brasil. Já o segundo se refere à realidade de que nem todo aluno que precisa do apoio governamental para cursar uma graduação está inserido em um dos dois programas públicos. Pelo contrário, nos últimos anos o Fies tem se tornado cada vez mais menos atrativo, reduzindo consideravelmente o número de beneficiados.
Diante deste cenário, é fundamental que, tão logo quanto possível, o Ministério da Educação repense sua estratégia inicial de distribuição das bolsas para incluir no programa as pessoas que realmente precisam desse suporte, independentemente de estarem matriculadas em uma instituição pública ou privada.
Como o leitor deve ter percebido, quase tudo neste texto girou em torno de dois pontos ou dois aspectos ou duas medidas. Neste caso, não se trata de uma dualidade ou mera repetição de palavras, mas de um indicativo de que uma política pública tão necessária precisa encontrar seu equilíbrio para que alcance os resultados que o Brasil tanto precisa. Os dois lados da balança não estão alinhados, mas nós estamos aqui para dar nossos dois dedos de contribuição para que tudo se alinhe muito em breve.