A educação inclusiva é um tema relevante e tem recebido atenção crescente por parte das autoridades educacionais, dos professores e da sociedade em geral. É um desafio constante, assegurar que o ensino atenda às necessidades de todos os estudantes, independentemente de suas particularidades. Entretanto, determinados grupos, como alunos com altas habilidades ou superdotação, ainda enfrentam dificuldades específicas de inclusão no ambiente escolar, o que pode impactar seu desenvolvimento e aprendizado. Diante desse cenário, o Parecer CNE/CP Nº 51/2023, que está aguardando a homologação, se apresenta como um instrumento fundamental para orientar as instituições de ensino na promoção de uma educação mais justa e adequada a esses estudantes.
É importante distinguir os conceitos de "altas habilidades" e "superdotação". O termo "altas habilidades" destaca a influência do ambiente — incluindo família, escola e cultura — no desenvolvimento das capacidades do indivíduo, que podem ser moldadas e aprimoradas ao longo do tempo. Já "superdotação" está mais associada a fatores inatos e genéticos relacionados à inteligência e à personalidade. Independentemente da terminologia utilizada, ambos os conceitos reforçam a responsabilidade da escola em garantir experiências educacionais apropriadas e diferenciadas, promovendo o desenvolvimento equitativo das habilidades, da criatividade, da motivação e das características individuais dos estudantes.
Muitas crianças com altas habilidades ou superdotação demonstram precocidade, ou seja, desenvolvem certas competências de forma antecipada em áreas específicas do conhecimento, como música, matemática, artes, linguagem, esportes, leitura, e habilidades sociais. Elas tendem a progredir mais rapidamente do que seus colegas, pois possuem maior facilidade em determinados campos do saber. Todavia, para que essa precocidade se traduza em um desempenho destacado na vida adulta, é fundamental considerar fatores como a motivação para buscar a excelência, um ambiente familiar que favoreça o desenvolvimento de suas habilidades e as oportunidades que surgirem ao longo de sua trajetória.
Ocorre que desses alunos, frequentemente, a escola espera desempenho excepcional apenas em matérias tradicionais, como matemática e língua portuguesa, o que pode deixar de lado outras áreas de competência, dificultando a plena integração do aluno no ambiente escolar.
Estudantes com altas habilidades ou superdotação são matriculados em escolas regulares da Educação Básica, onde frequentam turmas comuns e têm acesso a programas e atividades específicas. Essas ações estão previstas em seu Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), conforme disposto no inciso IV do artigo 10 da Resolução CNE/CEB nº 4, de 2 de outubro de 2009. As equipes pedagógicas dessas instituições são responsáveis por planejar, orientar e fornecer estratégias e materiais adequados para atender às necessidades desses alunos.
Pesquisas fundamentadas em dados estatísticos, como as de Marland (1972), indicam que entre 1% e 3% dos estudantes possuem altas habilidades ou superdotação intelectual ou acadêmica. No entanto, esse percentual pode chegar a 13%, conforme Renzulli (2014), quando são consideradas outras áreas de destaque, como esportes, artes, liderança, criatividade e elevada sensibilidade.[1]
Para atender adequadamente esses alunos, é recomendado que as disciplinas obrigatórias e os temas relacionados ao funcionamento do cérebro, suas funções, aprendizagem e às particularidades das necessidades educacionais, habilidades socioafetivas e atendimento especializado para altas habilidades ou superdotação sejam incorporados aos planos de ensino nos cursos superiores que oferecem licenciaturas e práticas educacionais. Isso visa proporcionar aos educadores, licenciados, especialistas em educação, psicólogos e outros profissionais envolvidos com essa área, as condições mínimas para desempenharem suas funções de maneira eficaz.
À medida que esses estudantes avançam na escolarização, não devem ser limitados nas suas progressões acadêmicas devido às particularidades de suas habilidades, expressões e motivações, permitindo que alcancem níveis mais altos de aprendizado e estudos. Durante todo o processo educacional, conforme seu desempenho, maturidade e interesse, a legislação brasileira, garante a possibilidade de aceleração dos estudos, progressão antecipada e diferenciação curricular. Para isso, utiliza-se a avaliação das potencialidades, do desempenho e das características relacionadas às suas altas habilidades ou superdotação como referência.
A Política Nacional de Educação Especial de 1994 foi a primeira a introduzir o conceito de altas habilidades ou superdotação. Pouco depois de sua publicação, o Brasil aderiu à Declaração de Salamanca (Unesco, 1994), que reconheceu os estudantes superdotados como parte do público a ser contemplado pelas políticas de educação inclusiva.
Estudantes com altas habilidades ou superdotação são reconhecidos como parte da educação inclusiva, pois foram mencionados na Declaração de Salamanca (Unesco, 1994), que reforça seu direito a uma abordagem pedagógica centrada no aluno. Esse modelo de ensino está alinhado a um processo de inovação educacional que valoriza as diferenças individuais, promovendo a construção da cidadania e incentivando a participação social de todos (Virgolim, 2012)[2].
A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), estabelece as atuais Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nos artigos 47, § 2º e 59 tratam dos alunos com altas habilidades ou superdotação: “Os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino.”
Outro importante avanço legislativo foi o Decreto no 7.611, de 11 de novembro de 201112: que dispõe sobre a Educação Especial, o Atendimento Educacional Especializado e dá outras providências. Este Decreto consolidou a terminologia “altas habilidades ou superdotação”, sendo revogada do Decreto no 6.571, de 17 de setembro de 2008, e garantiu que o Atendimento Educacional Especializado fosse oferecido de maneira suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação.
A Lei n.° 12.796, de 4 de abril de 201313, que altera a Lei n.° 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências, foi a Lei que introduziu a terminologia “altas habilidades ou superdotação” na LDB.
Ainda nessa contextualização da regulação, a Lei n.° 13.234, de 29 de dezembro de 2015: altera a Lei n.° 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para dispor sobre “a identificação, o cadastramento e o atendimento, na Educação Básica e na Educação Superior, de alunos com altas habilidades ou superdotação”, atribuições já encontradas no Censo Escolar do Inep.
Como demonstrado, atualmente, especialmente no âmbito das leis e regulamentos, a sociedade civil tem celebrado avanços significativos na garantia de direitos para pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, que são o público atendido pela Educação Especial.
Neste compasso, o Conselho Nacional de Educação (CNE) tem como propósito promover, de forma democrática, a construção de alternativas e mecanismos institucionais que garantam a participação da sociedade no desenvolvimento, na melhoria contínua e na consolidação de uma educação nacional de qualidade. Suas funções incluem a normatização, a deliberação e o assessoramento ao Ministro da Educação no exercício das atribuições do governo federal no campo educacional.
O Parecer CNE/CP Nº 51/2023, emitido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), estabelece diretrizes para a inclusão de alunos com altas habilidades ou superdotação nas escolas brasileiras. Este documento tem como objetivo orientar as redes de ensino sobre as melhores práticas para identificar, acolher e desenvolver o potencial desses estudantes, garantindo que eles tenham acesso a uma educação de qualidade, capaz de atender a diversidade humana e de acolher as diferenças.
Diante desse cenário, o CNE recompôs a Comissão bicameral que trata da Educação Especial, instituída pela Portaria CNE/CP no 6, de 19 de janeiro de 2023 (Processo SEI no 23001.000184/2001-92), composta pelos Conselheiros: Amábile Aparecida Pacios (Presidente); Suely Melo de Castro Menezes (Relatora); Fernando Cesar Capovilla, Ilona Maria Lustosa Becskehazy Ferrão de Sousa, José Barroso Filho e Tiago Tondinelli (membros).
Os estudantes com altas habilidades ou superdotação devem ser percebidos sob uma perspectiva ampla e multidimensional, que considera as particularidades do desenvolvimento humano e suas interações no ambiente familiar e social. Essa condição abrange fatores cognitivos, emocionais, neuromotores, sensoriais e de personalidade, manifestados ao longo de seu crescimento e influenciados pelo contexto social, histórico e cultural em que estão inseridos. Essas influências geram demandas específicas, que requerem ações educacionais direcionadas para assegurar seus direitos e promover seu pleno desenvolvimento.
Principais diretrizes do parecer
O Parecer CNE/CP Nº 51/2023 traz uma série de diretrizes e recomendações para promover a inclusão efetiva desses alunos nas escolas. Algumas das principais diretrizes são:
- Identificação precoce: O Parecer destaca a importância de identificar precocemente os alunos com altas habilidades, para que possam receber o apoio adequado o mais cedo possível. Isso envolve o uso de instrumentos e práticas pedagógicas que ajudem a detectar esses talentos, indo além da simples avaliação de notas e desempenhos escolares.
- Currículo flexível: É fundamental que o currículo escolar seja adaptado para atender às necessidades desses alunos. A flexibilização do currículo permite que esses estudantes explorem seus talentos e habilidades de forma mais aprofundada, desafiando-os adequadamente sem sobrecarregar ou desmotivar.
O direito à aceleração dos estudos deve ser garantido sempre que o aluno com altas habilidades ou superdotação comprovar domínio dos conteúdos correspondentes ao ano escolar em que está matriculado e demonstrar interesse em avançar para desafios mais complexos. Além disso, esse direito é reforçado quando o estudante conclui o Ensino Médio de forma antecipada por meio do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e obtém aprovação em processos seletivos do Sistema de Seleção Unificada (SiSU).
- Apoio especializado: O parecer sugere a presença de profissionais especializados, como psicopedagogos e orientadores educacionais, que possam auxiliar no desenvolvimento das habilidades específicas desses alunos. Isso inclui estratégias que vão desde a criação de ambientes de aprendizado mais estimulantes até a adaptação de atividades pedagógicas.
- Formação de professores: Outro ponto fundamental é a capacitação dos educadores. Os professores devem ser treinados para identificar e trabalhar com alunos com altas habilidades, garantindo que as práticas pedagógicas sejam inclusivas e estimulem o desenvolvimento pleno de todos os estudantes.
- Inclusão em atividades extracurriculares: O Parecer sugere que as escolas promovam atividades extracurriculares que permitam que esses alunos explorem seus talentos em áreas diversas, como música, esportes, arte e ciências. Tais atividades são essenciais para o desenvolvimento integral desses alunos e ajudam na sua inclusão social.
Esses estudantes estão matriculados em escolas regulares de Educação Básica e têm acesso a programas e atividades adaptadas, conforme previsto em seu Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE). Essas ações são desenvolvidas pelas equipes pedagógicas da instituição, que também se encarregam da orientação e da oferta de materiais adequados às suas necessidades.
- Parcerias e intercâmbio de experiências: As escolas também são incentivadas a buscar parcerias com universidades, centros de pesquisa e outras instituições, para criar um ambiente estimulante para os alunos com altas habilidades. Essas parcerias podem proporcionar novas oportunidades de aprendizado e crescimento para os estudantes.
Desafios para implementação
Apesar das diretrizes claras estabelecidas pelo Parecer CNE/CP Nº 51/2023, a implementação dessas recomendações no cotidiano escolar ainda enfrenta desafios consideráveis. Um dos principais obstáculos é a falta de recursos financeiros e materiais nas escolas, especialmente em regiões mais carentes. A capacitação dos professores também é um desafio, já que muitos educadores não estão preparados para lidar com as especificidades dos alunos com altas habilidades.
Além disso, a inclusão desses estudantes exige uma mudança de mentalidade nas escolas, que, muitas vezes, ainda não enxergam os alunos com altas habilidades como parte de seu compromisso inclusivo. É preciso uma conscientização para que todos os alunos, independentemente de suas habilidades, sejam tratados com equidade e tenham a oportunidade de alcançar seu pleno potencial.
O futuro da inclusão de alunos com altas habilidades
O Parecer CNE/CP Nº 51/2023 é um avanço significativo para a inclusão dos alunos com altas habilidades nas escolas brasileiras. Contudo, sua efetividade depende da adoção dessas diretrizes de forma prática e contínua. Para isso, é fundamental que os gestores educacionais e os professores se comprometam a criar um ambiente mais inclusivo e flexível, onde cada aluno possa desenvolver seu potencial de maneira plena.
As políticas públicas de educação precisam continuar a evoluir, oferecendo apoio e recursos necessários para garantir que os alunos com altas habilidades sejam devidamente identificados e acompanhados em seu desenvolvimento. O futuro da educação inclusiva depende de um esforço conjunto entre governo, escolas, professores e sociedade, para que todos os alunos, independentemente de suas características, tenham acesso a uma educação de qualidade.
Portanto, o Parecer CNE/CP Nº 51/2023 oferece um caminho promissor para a inclusão dos alunos com altas habilidades, mas exige o comprometimento de todos os envolvidos no processo educacional para garantir que suas diretrizes se tornem realidade nas salas de aula de todo o Brasil.
A construção de uma educação verdadeiramente inclusiva requer um esforço conjunto entre instituições de ensino, gestores educacionais, professores, famílias e a sociedade como um todo. A valorização do talento e da criatividade desses alunos não apenas contribui para seu crescimento pessoal e acadêmico, mas também enriquece o ambiente escolar e a sociedade, promovendo inovação e progresso.
Dessa forma, ao garantir o atendimento adequado aos estudantes com altas habilidades ou superdotação, a educação brasileira caminha para um modelo mais equitativo e eficiente, no qual o potencial de cada aluno é reconhecido, incentivado e plenamente desenvolvido.
[1] Parecer CNE/CP Nº 51/2023. 2 Marland Jr., S.P. Education of gifted and talented. U.S. Commissioner of Education, 92nd Session. Washington, D.C.: USCPO, 1972.
Renzulli, J.S. A concepção de superdotação no modelo dos três anéis: Um modelo de desenvolvimento para a promoção da produtividade criativa. In: Virgolim, A.M.R., & Konkiewitz, E.C. Altas Habilidades/Superdotação, inteligência e criatividade (219-264). Campinas: Papirus.
[2] Parecer CNE/CP Nº 51/2023. Virgolim, A.M.R. A educação de alunos com altas habilidades/superdotação em uma perspectiva inclusiva. In: Moreira, L. C. Stoltz, T. Altas Habilidades/Superdotação, talento, dotação e educação (pp. 95-112). Curitiba: Juruá, 2012.