Rayanne Portugal
Assessora de Comunicação da ABMES
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Valentina acorda às 6 horas para trabalhar. De segunda a sábado. Fernando também começa cedo, dividido entre as rotinas da universidade, do centro acadêmico e do grupo de extensão. Ela acaba de dar início ao curso superior de Direito, aos 24 anos, em uma instituição pequena da cidade. Ele passou para o curso de Engenharia Aeronáutica assim que encerrou o ensino médio, aos 17, com notas tão boas que poderia escolher onde estudaria. Ele foi para a melhor Federal, mudou-se para a capital e passou a viver perto da universidade, bancado pelos pais. Enquanto isso, ela adiou os estudos para buscar o primeiro emprego.
Com salário-mínimo de Valentina, não foi possível entrar na faculdade. Não antes que as excelentes escolas particulares por onde Fernando passou o tivessem treinado para ser o melhor em cálculo e lógica. Para Valentina, acostumada a ser a primeira da escola pública onde aprendeu o bê-á-bá, ingressar no ensino superior continuaria a ser um projeto distante até que pudesse pagar a mensalidade do curso particular.
É assim. Já faz algum tempo que a universidade foi reservada para os que podem pagar para estudar. Sem desmerecer Valentinas e Fernandos, que igualmente se esforçam para manter-se nos estudos, fica claro que os menos favorecidos têm tido seu acesso dificultado pela falta de dígitos em suas contas bancárias. O cálculo é simples: quem pode pagar, pode fugir da incerteza do ensino básico oferecido pelo sistema público, que deixa para trás o principal interessado no ensino gratuito: o aluno de baixa renda.
Segundo levantamento da última Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IGBE, de 1999 a 2009 houve aumento considerável do percentual de pessoas que frequentam instituições de ensino superior, embora o rendimento familiar per capita ainda seja um fator de desigualdade no acesso à academia. Mais da metade das pessoas que estão nas universidades públicas ainda fazem parte da parcela mais rica do país, ou seja, 50,9% das vagas estão nas mãos de um quinto (milionário) da população. Dados do Censo da Educação Superior mostram que em dez anos triplicou o número de universitários brasileiros. Enquanto isso, 74,2% desses buscam na rede particular uma chance de colocação profissional.
O ensino superior particular se expandiu para suprir uma lacuna do próprio Estado, que tem sido incapaz de atender à demanda de alunos, sobretudo os de baixa renda. Novos cursos são criados, ano após ano, e, em alguns casos, sem estrutura ideal para atender a essa demanda. Estudiosos defendem soluções drásticas para garantir o benefício dos estudantes mais pobres, como cobrar dos mais ricos uma taxa de permanência nas federais ou até limitar sua entrada a cada semestre, incentivando o ingresso nas IES particulares para os que têm maior poder aquisitivo.
Ocorre que pouco mudará enquanto milhares de Valentinas não tiverem acesso ao bom ensino básico, o que garantiria a todos chances iguais de ingresso à faculdade. Por consequência, também seria um grande investimento para o ensino superior, que teria alunos ingressantes com níveis mais altos e mais exigentes em relação à qualidade dos cursos. Afinal, ninguém melhor do que as milhares de Valentinas para defender o investimento feito na educação a custo de muito trabalho.




