Paulo Freitas
Professor e Consultor de Estratégia, Ex Sócio de Consultoria da Ernst & Young e da PricewaterhouseCoopers
*** Nas últimas duas décadas, o Brasil vem passando por um processo de desenvolvimento econômico contínuo devido principalmente a estabilização da inflação e de uma maior inserção do país na economia global. Tendo em vista uma demanda reprimida ao longo de muitos anos, este processo tem sido sustentado principalmente pelo crescimento acelerado do seu mercado interno suportado por uma maior distribuição da renda, mas principalmente pelo aumento do crédito.
Este processo de desenvolvimento vem gerando um importante desafio aos setores produtivos, de infra-estrutura mas principalmente ao setor de educação que tem e terá um papel fundamental na sustentabilidade deste processo no médio e longo prazos.
O desafio de universalizar a educação básica de qualidade tem de ser perseguido, assim como, gerar oportunidade a que boa parte dos jovens brasileiros tenham acesso a educação superior. Sermos uma nação com 10 milhões de universitários até 2016 não é uma meta fácil de ser alcançada. Encontrarmos mecanismos de financiamento eficazes e de grande abrangencia ainda é um grande desafio. Devemos lembrar que o alcance desta meta significará que em 20 anos o número de matriculas no ensino superior terá crescido quase 7 vezes.
A formação de um número maior de profissionais qualificados e preparados para fazer frente às grandes e diferentes demandas do setor produtivo brasileiro tem sido o alavancador de um processo profundo de transformação do setor de educação superior. Um setor produtivo muito mais competitivo vem gerando uma demanda diferenciada no setor de educação superior, esta nova demanda é composta por um número cada vez maior de novos entrantes, oriundos de classes sociais menos favorecidas que até então não tinham acesso aos programas oferecidos tradiconalmente pelas Universidades brasileiras.
Este novo cenário é muito diferente do que as IES brasileiras estavam acostumados a trabalhar, ao mesmo tempo que representou e ainda representa uma grande oportunidade de crescimento operacional das IES, também representa um grande desafio de gestão. Até o início da década passada as Instituições de Ensino Superior (IES) estavam habituadas a atuar em um ambiente bem mais “confortável” e “estável” do que o atual: a taxa de crescimento do número de matrículas era menor, o clima competitivo entre as instituições era menos hostil, o número de “players” no mercado e seu porte médio eram igualmente menores e seus modelos de operação eram mais convencionais e simples. Nos últimos anos o número de IES brasileiras cresceu de 1,6 milhões em 1996 para mais de 5 milhões em 2010.
As IES de ensino superior brasileiras se deparam hoje com uma demanda muito mais segmentada do que em anos anteriores, com necessidades muito diferentes, dispersa geograficamente e exigente em termos de qualidade. Preparar uma oferta de valor para cada um dos segmentos que hoje compõem a demanda é uma tarefa complexa e exige investimentos robustos e um modelo de gestão das IES muito mais sofisticado do que aqueles empregados anos antes.
Setores em transformação, crises econômicas, globalização, aumento da competitividade, não são variáveis novas para as empresas no mundo, elas tem de conviver com esta realidade e criar mecanismos de defesa de sua competitividade individual e até mesmo do setor como um todo. Para fazer frente a estes novos desafios de crescimento e a um ambiente muito mais competitivo, desde a metade da década passada, as IES iniciaram um importante processo de profissionalização da sua governança. Grandes grupos empresariais nacionais e internacionais focaram sua atenção em um setor que até então era formado por acadêmicos e empreendedores que criaram as IES privadas brasileiras e cresceram sem muito planejamento, adotando modelos de gestão empregados pelas IES públicas, mais tradicionais e que se constituíram uma referencia de gestão e de qualidade no setor.
Estes novos entrantes foram os protagonistas de movimentos de fusão e aquisições de Instituições e de associação com fundos de investimentos nacionais e internacionais para fazer frente às novas necessidades de investimento do setor. Em alguns casos chegaram a desenvolver um sofisticado processo de abertura de capital no BOVESPA. Todos estes movimentos representaram, e ainda representam, uma importante transformação que tem impactos positivos e negativos no setor como um todo. Estes impactos precisam ser melhor entendidos e debatidos no sentido de que o aprendizado sirva para um maior amadurecimento e aprimoramento da gestão como também na melhora da qualificação do nível dos programas oferecidos atualmente pelas IES brasileiras e sua sustentabilidade no médio e longo prazos.
No centro das discussões do novo modelo de governança e de gestão das IES brasileiras, que busca cada vez mais a eficiência operacional e o equacionamento dos custos, está a busca pela melhor relação de compromisso entre o resultado financeiro e a qualidade acadêmica oferecida. Este tem sido um grande desafio para as IES, porém esta discussão deve ser levada em conta que com uma maior segmentação da demanda surge a necessidade de gerar uma oferta diferenciada para cada um destes novos segmentos o que faz com que o conceito de qualidade acadêmica tome contornos cada vez mais abrangentes e diferentes do que se acreditou no passado. É importante reconhecer que a qualidade acadêmica sempre será um atributo fundamental para a sobrevivência das IES, porém a qualidade de qualquer produto nunca deve ser desassociado do valor real demandado por seus clientes, assim, modelos de negócio diferentes, deverão ter soluções de valor diferentes mais aderentes às necessidades dos segmentos alvo em que a Instituição está focada. O crítico é que tendo um entendimento claro do que representa valor para os segmentos atendidos, a gestão executiva da Instituição tenha como objetivo oferecer um programa educacional que esteja totalmente em linha com as demandas dos segmentos atendidos e que ao mesmo tempo possa gerar resultados financeiros justos para seus acionistas, suportando um processo de crescimento tão necessário para fazer frente aos desafios impostos ao país.
Porém o que é uma remuneração justa para os acionistas? Quando se depara com este tema surge uma grande discussão que precisa ser também aprofundada. Muitos fundos de investimentos decidiram entrar no setor de educação em função da atratividade das taxas de crescimento e pelo baixo nível de profissionalização e competitividade histórica do setor. Esta postura algumas vezes muito otimista, associado a uma baixa experiência de atuação do setor de educação brasileiro, fez com que muitos dos planos de negócio desenvolvidos pelos fundos de investimentos ou mesmo pelas consultorias que suportaram os processos de IPO no BOVESPA, prometessem taxas de crescimento muito agressivas e retornos sobre os investimentos muitas vezes superestimados. Este erro de avaliação inicial, em alguns casos, tem prejudicado uma gestão mais equilibrada das Instituições sobre seu controle. Muitas vezes para fazer frente aos números prometidos aos investidores, ou mesmo para cumprir as estratégias de saída, muito comuns em fundos de investimentos privados, os investimentos necessários para melhorar a qualidade acadêmica e consequentemente oferecer o melhor valor agregado às necessidades do segmento de demanda atendido é postergado indefinidamente, sendo sempre priorizados os investimentos que suportam o crescimento de matrículas e aqueles que melhoram o resultado operacional no curto prazo.
Como muitos dos planos de negócio foram feitos por representantes de investidores internacionais ou mesmo nacionais, mas que tinham pouca experiência na gestão de IES, a complexidade da gestão de uma IES no Brasil foi, em alguns casos, subestimada. As IES estão cada vez maiores, operando de forma mais descentralizada em âmbito nacional, o que torna sua gestão cada vez mais complexa. A atividade acadêmica está muito mais complexa também, em função da maior segmentação da demanda e principalmente da diversidade e sofisticação das novas áreas de conhecimento e dos recursos necessários para tornar o processo de ensino e aprendizagem cada vez mais eficaz. Este cenário fez com que despesas como: aluguéis, tecnologia da informação, segurança, manutenção / limpeza dos campi e principalmente os equipamentos dos laboratórios, anteriormente consideradas marginais, venham atualmente a representar um grande desafio no equacionamento dos custos operacionais. Sistemas sofisticados de otimização da ocupação dos espaços físicos, muito utilizados em operações de empresas aérea e de logística, hoje são fundamentais no portfólio de recursos de gestão das IES, assim como os sistemas de relacionamento com o “cliente”, muito usado por empresas de telefonia e do setor financeiro. O desafio de crescer de forma sustentável e financeiramente equilibrada tem sido uma das principais questões que compõem a agenda dos gestores das IES brasileiras atualmente.
Crescer a taxas muito acima dos outros setores produtivos brasileiros, entender profundamente as demandas dos diversos segmentos de alunos para oferecer uma solução de valor o mais aderente possível, equacionar custos operacionais cada vez maiores, diminuir as crescentes taxas de evasão e atender à regulamentação imposta pelo MEC são alguns dos principais desafios dos gestores das IES brasileiras que estão num processo acelerado de profissionalização. Num setor que está se tornando muito competitivo rapidamente e transformando seu modelo de governança tradicional, é natural que esteja havendo uma grande migração de executivos de outras áreas para compor posições estratégicas na gestão das Universidades privadas brasileiras. Este processo gera um desafio ainda maior, pois o tempo de aprendizado, descobertas e adaptação terá de ser muito mais curto. Como o tempo de ciclo de maturação dos programas oferecidos no setor de educação superior é em média de 4 anos, muito acima do tempo dos principais setores produtivos, qualquer decisão equivocada tem impactos profundos e muitas vezes duradouros sobre o desempenho operacional e financeiro da Instituição.
Os novos modelos de governança normalmente tem metas de retorno de curto prazo e desconhecem as peculiaridades da área acadêmica. Sendo assim, estão sempre muito suscetíveis a tomar decisões que se mostram pouco sustentáveis. Invariavelmente para reverter o impacto negativo de suas decisões equivocadas no resultado prometido aos acionistas, os gestores têm lançado mão de iniciativas que aprofundam ainda mais a redução dos custos operacionais e acadêmicos da Instituição. Estas ações, em muitos casos, acabam por comprometer o desempenho acadêmico e operacional da Instituição, colocando em risco sua sustentabilidade no médio e longo prazos.
Num momento de grande transformação e crescimento pelo que passa o setor educacional brasileiro, grandes oportunidades se apresentam, porém os riscos se multiplicaram também. As IES privadas brasileiras tem uma enorme responsabilidade de formação de profissionais que deverão estar preparados para levar em frente o processo de desenvolvimento do País. É fundamental implantar modelos de governança e de gestão que estejam atentos a esta grande responsabilidade e que planejem o crescimento de suas Instituições de forma sustentável, através de uma relação de compromisso equilibrada com a geração de uma solução de valor adequada aos diversos segmentos de demanda atendidos. Está mais do que na hora de aprofundarmos o debate deste tema, para que possamos encontrar caminhos que ajudem as IES privadas nacionais no seu nobre desafio de ser o grande alavancador do desenvolvimento brasileiro.




