Antônio de Oliveira
Professor universitário e consultor de legislação do ensino superior da ABMES (1996 a 2001)
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***Consta do diário do escritor português Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, em 8 de abril de 1997. Manhã cedo, estava ele, extenuado, no aeroporto de “Corumbia”, São Paulo. Imagino que tenha sido Cumbica, e não Corumbia, o que não muda o recado. Numa sala dita de “atendimento especial”, aguardava o voo que o haveria de levar a Porto Alegre. Televisor ligado num programa de desenhos animados, uma funcionária lhe oferece um exemplar da Folha de S. Paulo. Foi então, “pouco a pouco, caindo na real, no enorme mar convulso que é o Brasil: as trapalhadas da sua vida política, a corrupção como sistema organizado de vida, a delinquência urbana, os desmandos e violências da polícia militar, e, assim, passando do mau ao pior, às vezes a um talvez-mude, a um quem-sabe, a uma esperança fugaz”, o escritor foi “ter à página das bandas desenhadas”.
Mas o desenho que interessa aqui é esse retrato do Brasil segundo Saramago, considerando: primeiro, desde o final do século passado praticamente nada mudou; segundo, essas anotações constam de Cadernos, em forma de diário, talvez o gênero literário mais espontâneo; terceiro, o fato de termos sido colonizados por patrícios seus. Eh, Saramago!
Quatro dias depois, de volta a São Paulo, refere-se ao “drama dos camponeses brasileiros que andam a lutar por um pedaço de chão onde possam viver com dignidade e sem a companhia permanente da fome”. Participava, então, o romancista de uma apresentação pública de Terra, magnífico livro de fotografias de Sebastião Salgado sobre os duros dias dos camponeses sem terra do Brasil. E estava mesmo a sofrer no próprio corpo, pois no espírito com certeza já sofria o drama desses camponeses. E, menos pessimista, pôde “alimentar, durante duas horas, a ilusão de que as coisas não têm de ser sempre assim. O mérito coube inteiro a esses milhões de camponeses que todos os dias sacodem a consciência do Brasil e lhe perguntam: Até quando?”




