A melhor ação afirmativa que este país poderia executar é a qualificação do ensino básico, para que os alunos da escola pública, independentemente da origem racial, possam efetivamente disputar vagas na universidade em condições de igualdade com os demais estudantes.Recentemente aprovada pelo Congresso e no aguardo da sanção presidencial, a chamada Lei das Cotas, que prevê a reserva de 50% das vagas de todos os cursos das universidades federais para estudantes que cursaram integralmente o Ensino Médio em escolas públicas, está provocando contrariedade dos reitores e hesitação do Ministério da Educação. As universidades alegam que a nova legislação fere a autonomia das instituições e desrespeita as especificidades regionais, além de concorrer para a queda de qualidade do Ensino Superior. Mas praticamente todas são favoráveis a políticas afirmativas e a maioria já adota percentuais próprios para a inclusão de cotistas. A maior preocupação dos diretores e professores é com a qualidade de cursos que já alcançaram padrões de excelência, como, por exemplo, a Medicina. Na Universidade Federal de São Paulo, por exemplo, o percentual de cotas sociais para este curso é de 10%. O aumento repentino de alunos egressos da rede pública dificilmente deixará de afetar o rendimento das turmas. O reitor da Universidade Federal Fluminense, Roberto Salles, identificou bem o sentimento de seus colegas em relação à mudança, ao dizer que "o Senado está transferindo a responsabilidade do Ensino Médio de qualidade, que cabe aos governadores e prefeitos, para as universidades". Este é o ponto: a melhor ação afirmativa que este país poderia executar é exatamente a qualificação do ensino básico, para que os alunos da escola pública, independentemente da origem racial e das condições econômicas de suas famílias, possam efetivamente disputar vagas na universidade em condições de igualdade com os demais estudantes. Evidentemente, ninguém pode ser ingênuo a ponto de acreditar que séculos de negligência e exclusão serão resolvidos com uma decisão política. Mas também não se pode achar que o sistema de cotas é a solução definitiva e que basta ir elevando os percentuais para se promover a justiça. Justo mesmo seria investir fortemente na qualificação do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, de modo que os estudantes da rede pública pudessem chegar ao vestibular habilitados a disputar vagas sem a necessidade do rótulo da discriminação. Se isso é um trabalho para décadas, que pelo menos se preserve o bom senso e se revise esta imposição genérica do Congresso, que aponta para o retrocesso em instituições que já avançaram muito. Há casos, por exemplo, em que percentuais já definidos de cotas raciais poderão ser reduzidos pela adoção da proporcionalidade baseada no censo do IBGE, como determina a polêmica legislação. Melhor fará o governo se negociar diretamente com as universidades para a adoção de modelos adaptados às peculiaridades locais, em vez de cair na armadilha do racialismo politicamente correto.




