Domingo Hernández PeñaEscritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi
***O filósofo Roberto Mangabeira costuma dizer (e ele sabe muito bem o que diz) que não há países, como Brasil e Estados Unidos, que sejam tão parecidos entre si em tantas coisas. Dito de esse modo, em bruto e de repente, a grande verdade pode surpreender a muitas pessoas, porque do que mais se fala quando se fala dos dois gigantes, tanto nas escolas como nas esquinas, é das suas diferenças, que também existem e também são numerosas.
E, entre as diferenças, há uma que eu considero a maior de todas: a que há entre as realidades que permitiram e permitem manter a união nacional de territórios tão imensos, aqui e lá, lá e aqui. E não estou falando de como se alcançou em cada caso o todo geográfico e demográfico, e sim de como cada todo se mantêm unido, num mundo que se globaliza por um lado, e, por outro, continua sofrendo fraturas separatistas e independentistas, como na utópica União Europeia. (Na Espanha, por exemplo, que é parte importante dessa União, agora mesmo poucos se atrevem a dizer que são espanhóis. A maioria prefere sentir-se do País Vasco, de Catalunha, de Galícia...).
Nos Estados Unidos, a ideia e o propósito de manter-se unidos se encontra sugerida nada mais e nada menos que no próprio nome: Estados... Unidos. E, na prática, essa ideia é muito mais que uma simples ideia. É um fato que se conseguiu e se mantêm com muita e boa comunicação: ocupando os grandes vazios demográficos, faltos de contato e de convivência, com a Conquista do Oeste; reduzindo as distâncias com a melhoria e a velocidade dos transportes; reduzindo as demoras com a eficácia; aproximando Administração e administrados com a simplificação e agilidade da burocracia; desenvolvendo, dignificando e democratizando a informação; ampliando e compartindo o conhecimento; incentivando e generalizando as oportunidades... Não é por acaso que, mesmo existindo evidentes e graves injustiças, até os naturais de Porto Rico queiram unir-se aos Estados Unidos...
Pelo contrário, no Brasil (que já se chamou Estados Unidos... do Brasil e agora se chama República Federativa... do Brasil) a União que tanto surpreende aos que não entendem nem amam este País se conseguiu e se mantêm com uma poderosa e arraigada falta de comunicação efetiva, interna e externa. A crença de caráter autárquico de que este é “o melhor país do mundo”, onde ademais se fala uma língua tão minoritária como a portuguesa, uniu os brasileiros na indiferença que os levou a não comunicar-se bem com o resto do Planeta. Separados pelo tangível (imensidão geográfica, clima, dispersão demográfica, origem, cor da pele, economia, justiça, cultura, educação...) os brasileiros se uniram com paixão, de norte a sul e de leste a oeste, nos âmbitos do popular e do intangível (fala, alegria, fé religiosa, Hino, bandeira...). Ameaçados pela falta de articulação social e por uma burocracia delirante, os brasileiros se mantiveram fortemente unidos na dependência: no convencimento da maioria da população de que o bem comum é coisa dos poderes públicos, e não da sociedade... A surpreendente união do Brasil enorme, desigual e contraditório é o resultado de todas essas uniões superpostas e entrelaçadas.
Porém, em certo sentido também é o resultado de uma estrutura de comunicação social com particularidades muito particulares. A Imprensa Brasileira nasceu e cresceu para informar a seus leitores mais próximos (estaduais, comarcais ou locais) do que acontecia no mundo. Por isso, os jornais mais importantes têm os mesmos nomes que os Estados ou as cidades onde se editam... Mas nunca houve, nem há na atualidade, uma Imprensa Brasileira, impressa, falada ou audiovisual, dedicada a informar ao mundo sobre o que seja o País e sobre o que nele acontece... Nem houve nem há uma Agência de Notícias brasileira capaz de resolver de alguma forma, em alguma medida, o enorme problema... O que o mundo lê sobre nós, e o que nós lemos sobre nós mesmos, está escrito com frequência, e sempre influenciado, por agências estrangeiras... Continuamos unidos, neste caso, porque nos assusta “o que acontece lá fora”, e porque nos desperta uma espécie de orgulho “o bem que se vive”, ou poderia se viver, nesta terra nossa, onde, feitas as contas, só há tiros na periferia.
Essa questão é a questão. Reinventar a Imprensa Brasileira é muito difícil, porque a que existe, além de desencontrada está “morta”. Morreu de pneumonia dupla, causada pelas novas tecnologias, por um lado, e pela globalização dos mercados, por outro. No ano da graça de 2012, a impressão e distribuição de toneladas de papel, com noticias já sabidas “desde ontem”, já não tem sentido. E o leitor já não mora pertinho, como de costume, do outro lado da rua...
Porém, mesmo sendo difícil, a solução existe, ou poderia existir, e é evidente: a Imprensa Digital, se ela for bem entendida e bem implantada. Mas não serão os velhos editores, paralisados pela sua crise profunda, os que poderão entendê-la, e muito menos implantá-la.
Se for verdade que só existe o que se comunica, é o Brasil unido, um pouco autárquico e talvez egocêntrico, quem precisa começar de alguma forma, como país e com urgência, a implantar uma Imprensa Digital própria, comprometida e coerente. O Brasil precisa, pelo menos, dar três passos fundamentais:
- O passo da reconversão sensata da Imprensa Impressa (territorial) que já existe.
- O passo da Imprensa globalizada, para comunicar-se com o mundo.
- O passo da Imprensa nacional abrangente, para defender a unidade da União.
Esse terceiro passo não é o menos importante. Pois as novas tecnologias e a globalização também atingiram, com os seus efeitos diretos e indiretos de modernização e progresso, às garantias históricas da Pátria monolítica. As regiões mais afastadas já não estão “longe”. As mais pobres já sabem como encontrar recursos e soluções pelo mundo afora. Na medida em que se sentem donas de si mesmas, todas elas começam a sonhar (cuidado!) com destinos próprios e diferenciados...
E não insisto, para não ser reiterativo, na necessidade de comunicar-se muito e bem com o mundo. Se essa necessidade sempre foi evidente, agora é inadiável. O vazio de comunicação exterior que o País nunca ocupou, neste momento está sendo mal ocupado (também como consequência das novas tecnologias) por um milhão de blogs particulares, em muitos casos infames, que intensificam ainda mais o nosso desentendimento global.




