O atendimento das necessidades educacionais, nos níveis precedentes ao superior, é uma etapa vencida no desenvolvimento social da ChinaDesejo de chinês não encontra semelhança, em tamanho e pretensão, sequer nas esperanças de vida eterna das hostes dos fundamentalistas islâmicos. Convencido de que a universidade é pressuposto, meio e fim de qualquer ação efetiva de desenvolvimento científico e tecnólogo, o governo de Pequim anunciou que, em dez anos, o equivalente a, pelo menos, dez universidades de Harvard serão criadas e estarão funcionando na China. Na boca do coronel Chávez, reencarnação tardia e um tanto anacrônica de Bolívar, essa afirmativa soaria como uma fantasiosa presunção de um sargentão à beira da senilidade. Dita por um dirigente chinês, demonstra a determinação de interromper os efeitos de uma herança milenar de ignorância e miséria, da qual usufruiu os seus privilégios o mandarinato de muitas gerações. Atente-se para a circunstância de ter sido eleita como medida das transformações anunciadas a maior e a mais reputada de todas as universidades do Ocidente ¬Harvard , elegendo-se, neste caso, a excelência como termo de referência para as mudanças pretendidas na educação superior. Dão-nos eles, ainda, uma lição de bom senso: não basta possuir universidades; importa que elas sejam boas e respeitadas, em nível de excelência e possam comparar-se aos padrões internacionais considerados. O atendimento das necessidades educacionais, nos níveis precedentes ao superior, é uma etapa vencida no desenvolvimento social da China. Resta fechar o ciclo educacional, no âmbito da formação universitária. O caminho – que só em poucos países, como no Brasil, parece sugerir dúvidas e impasses orçamentários – não seria outro, levadas em consideração as características da educação superior na sociedades modernas. Formar profissionais habilitados para funções e profissões que se renovam com extraordinária rapidez não é objetivo que esgote a missão da universidade. Há que se promover a elevação dos seus padrões científicos e tecnológicos, a articulação estreita e insubstituível entre a ciência, a tecnologia e o setor produtivo. Nessa direção se alongam as vistas dos chineses. As questões sociais, as desigualdades, as “desinclusões” sociais, as ações ditas afirmativas, o tratamento reservado às minorias étnicas, através de cotas e tudo o mais que ingenuamente se pretende cobrar da universidade no Brasil – são atributos, encargos e obrigações que incumbe ao estado e aos mecanismos governamentais atender. Distribuição de renda, novas oportunidades de emprego, inclusão das populações marginalizadas social e economicamente são, a rigor, uma engenharia política de estado, complexa, é verdade, mas da sua inteira responsabilidade. Não é razoável, muito menos justo, que o governo atribua esses encargos à universidade – espécie de terceirização de compromissos intransferíveis – e dela pretenda fazer a provedora universal das grandes mudanças sociais anunciadas nos palanques eleitorais e nas suas pregações repetidas. Cabe à universidade – ou deveria caber-lhe – ministrar educação de boa qualidade, fixar metas e padrões de desempenho, no nível de aprendizado, sem concessões graciosas; construir referências científicas e tecnológicas, no ensino e na pesquisa para que possam competir, em plano de igualdade, com outros centros internacionais de referência. Enquanto os “chinas” pensam em construir as suas Harvard, vamo-nos embrenhando na multiplicação de universidade “populares”, semelhantes as que vicejaram à sombra de governos totalitários, como na extinta União Soviética, a célebre “universidade dos povos”. Foram criados, recentemente, novos modelos de universidades no Brasil, por obra e graça de uma visão que confere à educação superior deveres missionários. Um delas, na região dos Pampas, outra no ABC paulista, onde tem o Planalto fortes raízes plantadas, e mais uma terceira na Baixada Fluminense. Em dez anos, os chineses terão as suas Harvard – quem duvida disso? E nós, o que podemos esperar das revelações anunciadas? Continuarão as universidades federais mendigando as sobras orçamentárias de dispêndios desconhecidos, reproduzindo um modelo exaurido de ensino retrõ, produzindo profissionais para profissões desaparecidas e cientistas que não compartilham os seus saberes de ponta com os empreendimentos produtivos na economia? Até lá, conseguirão sobreviver, com a iniqüidade das suas dotações vergonhosas, assentadas em instalações e “campi” miseráveis, entregues à penúria a que se acostumaram, em atraso com as contas de água, luz e telefone? Não precisamos mais, entre nós, de profetas ou mandarins iluminados. Precisamos de governantes esclarecidos.