Domingo Hernández Peña
Escritor, professor, consultor, Honoris Causa pela Anhembi Morumbi
***Não é por acaso (e o assunto é grave e complexo) que no Ensino Superior estamos nos dedicando a deformar, mais que a formar, gerações inteiras de estudantes:
- Estamos empenhados em que o aluno deixe de ser ele mesmo – em que abandone a sua própria riqueza interior, a sua personalidade, o seu talento natural, para transformar-se em algo incompleto, truncado e alheio. Que Sebastião não seja Sebastião. Que seja, com sorte, diploma e cartão de visitas, um obscuro especialista em circuitos eletrônicos sem iniciativa própria, ou, talvez, um apático e inamovível funcionário público...
- Sem piedade, e além de anular o aluno como ser único e diferente, não nos importa que se espalhe a ideia de que aqui, agora, todas as coisas boas chegam do céu, do governo, da família, da sorte, da sociedade, do mercado, dos empregadores, do PIB. Mas não, nunca, da cabeça do próprio estudante que estuda para não ser, para não estar, para não poder.
- Predicamos sem sentir remorso que o desenvolvimento pode ser infinito num mundo finito...
- Fingimos não saber que a riqueza dos países nada tem a ver com a riqueza das pessoas...
- Baseamos toda a estratégia mercantil das nossas escolas na ideia disparatada de formar profissionais preparados para encontrar emprego com facilidade. Fazemos isso quando, como no caso claríssimo do Brasil, o que está faltando são cidadãos conscientes, independentes, felizes e comprometidos, e não mão de obra barata, abundante e submetida. E o fazemos quando já faz quase um século que estamos imersos numa realidade pós-industrial que nos libera pouco a pouco da fadiga e da humilhação do trabalho, e nos empurra a viver (querendo e sabendo) mais e melhor sem tanto suor? Como se entende que, por um lado, estejamos ensinando a produzir mais com menos pessoal e menos custo e, por outro, tenhamos a pouca vergonha de prometer empregos que simplesmente não existem nem vão existir?!
- Não fazemos nada (muito pelo contrário) para desmentir a crença de que o maior é o melhor – de que a felicidade consiste em acumular coisas inúteis e perecíveis...
- Estamos intoxicados de globalização e vazios por completo de nacionalização, de regionalização, de localização...
- Trabalhamos mais para satisfazer as loucas exigências do governo do que para expandir o conhecimento e defender a verdade.
- Somos incapazes de explicar as manifestações de rua, o clamor popular, o conflito indiscriminado de todos contra o medo difuso, porque não nos interessa saber que a democracia faliu desde que deixaram de existir a legitimidade política, a lógica sindical e a contraposição interclassista.
- Em vez de investigar, pensar e criar, utilizamos para tudo, constantemente, modelos importados de países avançados, sem ter em conta que todo avanço é diferente, quando não impossível, como acontece no Brasil com frequência, pela falta de líderes de altura, de educação razoável, e de comunicação de qualidade...
- Apostamos cegamente pelo “êxito” (dinheiro, poder, fama) sem calcular os perigos crescentes da frustração (...), da desigualdade, da corrupção, da injustiça e da ausência de solidariedade.
- Repartimos diplomas como quem reparte vento, sem olhar para a desgraça do Ensino Médio nem para o crime do Ensino Fundamental.
- Sabemos que muitos alunos (a maioria) se desencontram com eles mesmos e com a vida justamente quando se diplomam, e somos incapazes de pensar que a culpa, ao menos em parte, talvez seja nossa...




